Opinião
Branding advocacy: além do marketing de causas
Uma boa reputação não depende apenas do sucesso financeiro ou da presença de uma empresa na mídia
Uma boa reputação não depende apenas do sucesso financeiro ou da presença de uma empresa na mídia
13 de janeiro de 2021 - 14h00
(crédito: Win McNamee/Getty Images)
A neutralidade sempre foi uma regra de ouro em muitos compêndios de conduta corporativa. Segundo o princípio clássico, empresas não devem se manifestar publicamente sobre questões políticas, problemas socioculturais, ambientais ou outros temas “sensíveis”, capazes de representar algum risco para suas imagens e receitas. No entanto, temos acompanhado alguns exemplos de tomada de posição e de apoio ao ativismo e a causas, numa postura que sinaliza um novo zeitgeist para as marcas e atende a uma expectativa crescente e sem volta dos colaboradores e consumidores, além de uma necessidade premente de união de todos para resolver problemas sociais que afetam pessoas e negócios.
Exemplo eloquente dessa tendência foi a reação da Ben & Jerry’s ao caso George Floyd, que deflagrou uma onda de protestos contra o racismo nos Estados Unidos e em todo o mundo. No início de junho, a fabricante de sorvetes publicou um manifesto não apenas vocalizando sua indignação com o caso, mas também detalhando um plano de combate à cultura de um racismo institucionalizado, apontada como o cerne dos diversos episódios de violência contra negros em solo americano. Não houve contemporização. Até Donald Trump foi alvo de reprimendas.
Com o surgimento de novos relatos de abusos policiais, a empresa voltou a se pronunciar, aliando-se a uma corrente que defende o corte do financiamento às polícias americanas (Defund the Police). As publicações geraram milhões de compartilhamentos e elogios nas redes sociais, bem como a viralização do clamor lançado pela marca: “O silêncio NÃO é uma opção”. Houve também críticas, mas o saldo das ações foi positivo. A Ben & Jerry’s angariou muito mais admiradores do que haters.
Outros exemplos como a empresa Patagonia também podem ser citados. A empresa financiou por anos ações estruturantes de organizações de advocacy que trabalham a temática da defesa da vida selvagem, incluindo apoio explícito a ações contra atos governamentais. O fato é que posturas assim são aguardadas pelas pessoas, mais conscientes da força do setor privado. A esperança nas empresas reflete o descrédito de governos e instituições tradicionais, alimentado por crises, escândalos e deterioração nas relações. Graças à revolução digital, os consumidores se reúnem em grupos de afinidades e se mobilizam em prol de ideais e causas – o racismo, a igualdade de gênero e demais pautas da agenda de diversidade, além da preservação ambiental, educação e da ética com os animais, entre outras questões. Eles valorizam produtos e serviços de empresas engajadas em ações positivas de advocacy – a estratégia para promover mudanças políticas, comportamentais ou sistêmicas. Mas como uma marca pode abraçar uma bandeira de modo eficaz e legítimo, sem que suas ações gerem suspeitas de oportunismo ou ativismo de fachada?
Novamente a Ben & Jerry’s: a empresa pôde se posicionar com autoridade sobre o racismo por ter um vínculo firme com a causa. A marca apoia o movimento Black Lives Matter (“Vidas Negras Importam”) desde 2013, e preparou seu libelo – considerado por muitos como o mais contundente que qualquer corporação já tenha feito sobre desigualdade – com o contato constante e apoio de duas organizações de advocacy focadas na questão racial. Ouvir as organizações que estão na linha de frente das causas é fundamental.
Outros pontos importantes, constatados ao longo da minha experiência em advocacy, são a objetividade – ou seja, escolher um foco de trabalho e não querer resolver todos os problemas do mundo, pois isso tende a jogar contra os resultados – e um compromisso de dentro para fora. A defesa pública de causas sociais deve se refletir em valores cultivados internamente pela empresa. Integridade e transparência devem guiar as relações com funcionários, fornecedores e demais stakeholders. E tudo pode ser feito de forma planejada, com estratégia e governança, de forma segura.
Adotar um programa sólido de relação e doações a ONGs e outras instituições que gravitam a causa é outra ação recomendável. Uma contribuição ocasional não é o mesmo que um envolvimento permanente, que tende a deixar mais evidente para os consumidores como a sua preferência é importante para uma grande transformação, que não acontece da noite para o dia. Esse, aliás, é um aspecto capital, que deve estar claro para as empresas: ações de advocacy devem ser contundentes e enfrentar as causas-raízes, são jornadas de longo prazo, que podem levar anos até a sensibilização e influência de governos e da sociedade para o alcance de impactos concretos. Contudo, se a causa reflete mudanças com as quais as empresas acreditam, todos ganham. Vitórias são comemoradas e o sentimento de propósito contagia, pois todos estarão, no fim do dia, ajudando a mudar a história de uma cidade e até de um país.
Uma boa reputação não depende apenas do sucesso financeiro ou da presença de uma empresa na mídia. Não existem atalhos ou fórmulas para a construção de uma sociedade melhor, mas ela invariavelmente dependerá cada vez mais de um relacionamento estreito com as pessoas e a preocupação real com o seu bem-estar.
**Crédito da imagem no topo: audioundwerbung/iStock
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