Meta: Déjà vu?

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Meta: Déjà vu?

Durante um bom tempo, a Meta vai se beneficiar da mesma ausência de regulamentação e concorrência que aproveitou na rede social


24 de novembro de 2021 - 15h17

Durante um bom tempo, a Meta vai se beneficiar da mesma ausência de regulamentação e concorrência que aproveitou na rede social.

Todo mundo só fala no metaverso (Créditos: Edge Creative/shutterstock)

Todo mundo só fala no metaverso. Estamos em 2006 e não há dúvida de que o Second Life vai dominar a realidade. Bancos e outros grandes anunciantes investirão milhões para terem sua “presença” neste espaço, seja na forma de “ilhas” ou avatares. “Mas desta vez é diferente”, alguém vai dizer, diante das risadas daqueles que têm alguns cabelos brancos.

Eu não sei se a história vai se repetir neste caso, mas existe um detalhe importante: o anúncio do Facebook sobre a mudança de nome para Meta veio poucos dias antes de comunicados igualmente significativos (no curto prazo, talvez até mais) de que General Electric, Toshiba e Johnson & Johnson irão se dividir em unidades menores. Os pontos em comum entre esses movimentos são de ordem social e econômica: tornar mais difícil a fiscalização e a taxação, ao mesmo tempo em que procuram se adaptar aos novos ciclos econômicos de longo prazo, que vão se desenhando após a “normalização” do coronavírus no organismo humano.

Todos esses casos evidenciam que, embora a competência de gestão seja algo muito importante, ela não pode tudo. E sequer talvez explique a maior parte do sucesso de uma empresa. Antecipar as escolhas que as sociedades fazem sobre o uso e regulamentação das tecnologias produtivas, se adaptar a estas mudanças através de milhares de pequenas decisões incrementais tomadas ao longo de toda a estrutura corporativa, frequentemente são mais importantes que os  movimentos aparentemente surpreendentes no topo da pirâmide executiva.

Nas últimas décadas, investimentos governamentais combinados com a falta de regulamentação permitiram o aparecimento de plataformas digitais, que se tornaram as empresas com maior valor nos principais mercados acionários no mundo (embora,
em termos seculares, elas estejam ainda no “pelotão intermediário”: desde 1926 a General Electric passou 95% do seu tempo em
bolsa entre as dez maiores empresas do pregão, contra menos de 50% do Google, que tem uma existência muito menor). Quando
surgem, essas plataformas se beneficiam de uma estrutura de custos com menor taxação e fiscalização que os serviços ou produtos com os quais concorrem. À medida que os mercados amadurecem, essas vantagens vão desaparecendo.

Foi exatamente o que aconteceu com o Facebook. Uma melhor compreensão dos legisladores e da sociedade sobre como a empresa faz dinheiro de uma forma pouca ética para os padrões tradicionais, combinada com o avanço de concorrentes com modelos de receita similares (por exemplo, TikTok) levou Zuckerberg a começar a construção de um novo tipo de plataforma, em um setor virtualmente inexplorado da economia. Claro que não é um movimento para o próximo ano, mas possivelmente para a próxima década (ou ao menos o final desta). De qualquer forma, durante um bom tempo, a Meta vai se beneficiar da mesma ausência de regulamentação e concorrência que aproveitou na rede social, para não falar da inevitável paranoia do contato físico que vai marcar nossa existência durante um período significativo.

Da mesma forma, GE, J&J e Toshiba antecipam as mudanças trazidas pela Covid-19: menor retorno dos investimentos em geral, ciclos mais longos de produção e cadeias de fornecimento mais frágeis. Nesse cenário, os acionistas demandam estruturas de decisão mais ágeis e transparentes, enquanto o impacto emocional-existencial causado pela pandemia vai alterar escolhas de consumo, relacionamento e até
mesmo empregos.

A confluência destes fatores para criar novos modelos corporativos poucas vezes foi tão bem capturada como no vídeo do Financial Times sobre uma jovem advogada interrogada por seu comportamento durante o lockdown com base em dados do seu celular, smartwatch e câmeras de vigilância com feed na internet. É o melhor exemplo audiovisual daquilo que a professora de Harvard Shoshana Zuboff chama de “capitalismo de vigilância”, e que vai gerar milhares de empresas (e empregos) nos próximos anos. Esse é o ponto em comum entre as quatro empresas citadas neste artigo, bastante diferentes entre si: estão tentando construir o modelo corporativo dominante das próximas décadas. O “conglomerado” perde o brilho, e a “plataforma” ocupa o centro do sistema econômico. Estamos à beira de uma transformação
tectônica em termos de como as empresas são operadas. Pensar o papel do marketing e da comunicação neste cenário, mais do que um exercício de futurologia, talvez seja condição essencial para a sobrevivência de qualquer carreira.

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