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Quem seria favorecido com o atraso da inteligência artificial?

Expert da Singularity University, Alexandre Nascimento acredita que questões de poder são determinantes para que empresários queiram pausar os avanços nas ferramentas tecnológicas


6 de abril de 2023 - 6h10

Os avanços da inteligência artificial tendem a desencadear uma mobilidade social, em que uma nova elite, formada por aqueles que conseguiram entender como explorar essas aplicações, irão deter boa parte do poder. Essa possibilidade assusta a atual elite digital do planeta que, por esse receio, tem receio de que esse avanço tecnológico altere sua posição de poder.

(Crédito: Shutterstock)

Essa é, de forma resumida, a razão pela qual alguns bilionários pediram, nos últimos dias, que as pesquisas em torno da inteligência artificial sejam interrompidas por seis meses, na opinião de Alexandre Nascimento.

Expert da Singularity University e morador do Vale do Silício, nos Estados Unidos, o profissional, que tem mais de duas décadas de experiência no desenvolvimento de produtos e plataformas digitais, não desconsidera, contudo, a importância das discussões em torno da regulação das novas tecnologias. “Precisamos de reguladores e legisladores muito bem-informados e apoiados por cientistas”, defende.

Apesar disso, ele alerta para o risco da disseminação um receio acerca do avanço tecnológico que possa esconder o medo da perda de privilégios de quem, eventualmente, se sentiria prejudicado com a descentralização dessas ferramentas de inovação.

“Essa assimetria potencial de quem não participa da elite digital, está assustando a elite digital atual, que poderá perder seu protagonismo e somente entender o que aconteceu depois de ter acontecido”, declarou o profissional, em entrevista ao Meio & Mensagem. Veja:

Meio & Mensagem: A Itália baniu oficialmente a utilização do ChatGPT. Como você vê essa medida?
Alexandre Nascimento: Pelo que sei, o ChatGPT foi banido na Itália por motivos de potencial violação na política de privacidade de dados. Eu acredito que se trata de uma séria alegação, e que realmente necessita ser investigada, pois a ferramenta deve estar aderente à regulamentação de privacidade de dados na Itália e Europa. No entanto, apesar do fato ser um pouco mais radical do que vimos no passado, não se trata de um movimento novo. Toda vez que uma nova tecnologia utilizando dados surge, temos um movimento de preocupação que motiva reações, como sabemos que historicamente tivemos com relação ao Google. Em 2007, por exemplo, o relatório da Privacy International colocou o Google como a pior empresa em termos de privacidade. E ainda hoje, por exemplo, a maioria das pessoas não imagina o que o Android captura de informações sobre as pessoas. Se elas soubessem, ficariam muito mais assustadas do que o ChatGPT. Outro exemplo seria a captura de informação feita pelo Facebook e, como isso já foi utilizado, inclusive chegando a influenciar eleições dos EUA, de acordo com alegações feitas no escândalo da Cambridge Analytica. Se colocarmos tudo isso na mesma balança, porque estamos vendo um tratamento tão distinto entre ChatGPT e as demais empresas nas discussões de privacidade?

M&M: Acha que essa medida da Itália tem potencial dela ser escalada para outros países?
Nascimento: Talvez esse movimento seja escalado para outros países, pois a novidade assusta e sempre é mais fácil seguir uma tendência e ficar numa zona de segurança do que realmente buscar o entendimento e tomar uma decisão mais informada, principalmente se a decisão informada não coincidir com o movimento da maioria desinformada. Estamos vivendo um momento paradoxal: nunca a informação foi tão importante, e nunca tivemos tanta informação, no entanto, nunca tivemos uma proporção tão pequena entre informação de qualidade disponível para o grande público quando comparada com o universo cada vez maior de informações acessíveis. Quais são as fontes de informações que suportam decisões de banir e não banir ferramentas? Elas são de natureza política ou científica?

Alexandre Nascimento, da Singularity University: “Quais são as fontes de informações que suportam decisões de banir e não banir ferramentas? Elas são de natureza política ou científica?” (Crédito: Divulgação)

M&M: Na semana passada vários milionários e personalidades da indústria divulgaram uma carta em que recomendam uma pausa nas pesquisas sobre IA. Porque essa reação aconteceu, em sua opinião?
Nascimento: A história sempre se repete. No século XVIII ocorreu um movimento chamado Ludismo, que colocou os trabalhadores contra as máquinas que trouxeram a automação de processos de manufatura na época. Isso ocorreu diante de condições de trabalho péssimas, como insalubridade, salários baixos, jornadas desumanas , ausência de garantias e direitos trabalhistas. Seria realmente culpa das máquinas e da tecnologia ou de uma mentalidade gananciosa que comandou o uso dessas máquinas? A revolução industrial trouxe mudanças tecnológicas que desenhou a sociedade que vivemos hoje. Teria sido melhor pausarmos o desenvolvimento da tecnologia ou seria melhor um maior controle sobre abusos e desvios éticos? Na minha opinião, culpar a tecnologia sobre um uso que é decidido por um conjunto de pessoas, não resolve o problema. Seria análogo culpar as caravelas, utilizadas para o contrabando de escravos, pela escravidão, sendo que ela foi na verdade motivada pela ganância, falta de ética, e desumanidade dos próprios seres humanos com seus irmãos. Com um equilíbrio e regulação dos abusos, a tecnologia desenvolvida na revolução industrial foi o berço de impactos em todas as áreas do conhecimento, massificando acesso à produtos inclusive da área de saúde, que juntamente com outros desenvolvimentos da ciência, aumentou nossa expectativa de vida, e, trouxe outros desdobramentos positivos. Culpar a tecnologia pelos problemas criados pelos humanos me preocupa, pois direciona o medo e as reações das massas para o lugar errado e cria conforto para os humanos que tem o controle de decidir como utilizar a tecnologia, ou pode ainda ser utilizado por quem possui uma desvantagem tecnológica, ao atrasar quem está na liderança. Temos que ser muito cuidadosos com isso.

M&M: De que maneira?
Nascimento: Estamos criando hoje inteligência superior em algumas aplicações, que será uma ferramenta para nos ajudar a superar desafios que nos limitam, como criar abundância, democratizar o acesso à recursos essenciais, preservar a vida na Terra, curar doenças, aumentar nossa longevidade, dentre muitos outros. Da mesma forma que a calculadora democratizou o acesso à matemática, a inteligência artificial está democratizando o acesso à diversas inteligências e capacidades que antes estavam restringidas ao acesso de poucos. Desde a revolução industrial, a inteligência de criação ficou mais centralizada nas empresas do que nas mãos dos trabalhadores, que passaram a se especializar em apenas uma função, e, quando essa era automatizada, eles eram substituídos por máquinas. Agora, estamos vendo uma inteligência artificial que está democratizando o acesso à capacidade de criação que antes era mais restrita ao topo das empresas e, que está, portanto, empoderando pessoas comuns com possibilidades infinitas, preenchendo inclusive lacunas no sistema educacional. A forma de olharmos para isso é completamente oposta ao que essas cartas estão dizendo, na minha opinião. Talvez a elite que assinou a carta esteja preocupada com essa democratização e empoderamento potencial de pessoas que não tinham recursos para acessar muitas capacidades. A assimetria de capital que vimos na revolução industrial favoreceu a criação de uma elite industrial. A assimetria que passamos a viver com o surgimento da internet fez que os que perceberam como utilizar, tivessem uma ascensão e uma elite digital foi criada, reduzindo o protagonismo da elite industrial. Agora, veremos uma nova mobilidade social, o que é muito importante, e, uma nova elite será criada por aqueles que conseguirem entender como explorar aplicações não tão fáceis de visualizar para muitos. Essa assimetria potencial de quem não participa da elite digital, está assustando a elite digital atual, que poderá perder seu protagonismo e somente entender o que aconteceu depois de ter acontecido. Será que temos que pausar a pesquisa com IA ou temos que criar um controle no seu uso? E quem seria realmente favorecido com esses atrasos ou eventual excesso de controle? Temos que nos questionar e nos informar pois assumir lados influenciado pelo poder de alguns nomes que assinaram e pelo discurso proferido, pode reduzir a mobilidade social, inclusive.

M&M: Que outros interesses você acredita podem estar atrelados a esse movimento de pedido de pausa no desenvolvimento de inteligência artificial?
Nascimento: Elon Musk é um grande investidor em IA. Está desenvolvendo veículos autônomos que podem criar desemprego para motoristas no mundo. Está desenvolvendo robôs androides que podem criar desemprego para trabalhadores manuais. Ele cria entusiasmo em seus investidores com aplicações de IA em várias indústrias, e, suas promessas nunca cumpridas de entregar um Tesla 100% autônomo já viraram piada na indústria. Diria que, nos últimos tempos, sua frustração em não conseguir atingir o que prometeu e sempre almejou com a Inteligência Artificial motivam mais seu discurso do que realmente proteger a humanidade. Se ele realmente assinou tal carta, junto com outros players da indústria que tinham tudo para estarem posicionados com IA, mas desprezaram os sinais, eu vejo muito mais como um interesse estratégico disfarçado, do que uma real preocupação. Digo isso porque a Microsoft assumiu a dianteira nesse tema, surpreendendo a indústria, e, atraindo investidores. Outro ponto importante é que um estudo recente mostrou que as profissões mais expostas ao impacto são as de faixas salariais mais elevadas. Coincidentemente são as pessoas com mais vozes, os tomadores de decisões nas empresas. E isso é uma novidade pois, nas últimas décadas, vimos um impacto sempre mais concentrado nos trabalhadores de chão de fábrica e mais operacionais, de menores faixas salariais. Por que, enquanto a automação atingia as pessoas mais vulneráveis não tivemos pessoas como Elon Musk que constrói fábricas totalmente automatizadas advogando por pausa nas pesquisas em automação? Por que é aceitável impactar o trabalho de gente vulnerável e não é aceitável impactar de líderes? No entanto, acredito que há muita gente realmente preocupada com a humanidade que assinou a petição e acho que isso é legítimo. Temos que ouvir todos e tentar entender todas as preocupações nesse momento, apesar de eu não acreditar que temos que frear as pesquisas e sim acelerar mudanças na educação, que está na verdade parada no passado e possui uma resistência gigante, e acelerar ainda mais pesquisas para entender os impactos e informar legisladores e regulares.

M&M: A tendência é que, agora, entremos em um momento de recusa ou receio à utilização desse tipo de tecnologia?
Nascimento: Creio que sim, pelo menos lembrando que a história de repete. Mas agora infelizmente talvez seja liderado por líderes que tenham interesses diferentes do discurso, e, isso me preocupa. Por essa razão, eu digo que precisamos de reguladores e legisladores muito bem-informados e apoiados por cientistas.

M&M: Como você acha que esses movimentos podem impactar as pesquisas e utilização de IA na indústria de comunicação aqui no Brasil?
Nascimento: Se o foco for reduzir o treino de modelos grandes de IA, o impacto é pequeno no Brasil, pois infelizmente estamos atrasados em pesquisas de IA, principalmente por falta de recursos. Minha esperança é que prevaleça o interesse da nação e que não seja imposta pausa alguma e que o país se mobilize para acelerar e reduzir esse atraso, que está tirando nossa competitividade. Acredito que a indústria de comunicação brasileira está prestes a ver uma transformação que será tão impactante como foi a causada pelo surgimento e propagação da internet, e, que mudará completamente a indústria. As empresas de publicidade mudarão de configuração e atuação e terão um caráter muito mais tecnológico. Não tenho dúvida de que, em 5 anos, não iremos reconhecer essa indústria.  Portanto, eu espero que as decisões sobre IA sejam suportadas pela razão, senso de oportunidade e ética, do que pelo medo disfarçado de ética

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