SPFW: 30 anos de um movimento que moldou a moda brasileira
Paulo Borges e Graça Cabral destacam como o evento transformou o mercado e consolidou a moda brasileira

Graça Cabral e Paulo Borges, criadores do São Paulo Fashion Week (Crédito: @jdomingos01)
Em 2025, o São Paulo Fashion Week completa 30 anos. Mais do que uma data comemorativa, o marco representa a realização de uma meta traçada desde o início.
Quando lançou o projeto, em 1995, o idealizador e diretor criativo Paulo Borges já afirmava que seriam necessárias três décadas para consolidar uma cultura de moda no Brasil, algo que, até então, não existia.
“Era preciso criar uma transformação, educar o mercado, o público, o governo, todos sobre o que é moda além da roupa. A gente falava que levaria 30 anos, e levou”, conta Borges.
Antes do SPFW, o cenário era fragmentado. Durante os anos 1980, existiam movimentos regionais como o Grupo Mineiro de Moda, o Grupo Carioca de Moda e o Grupo São Paulo de Moda, que reuniam marcas locais em desfiles coletivos.
Os eventos, muitas vezes realizados em clubes ou casas de espetáculo, mesclavam desfiles e shows — “a moda era quase um detalhe”, lembra o criador.
Na época, ainda não havia um calendário nacional estruturado, e a moda brasileira era pouco reconhecida internacionalmente.
Em 1993, Borges e a empresária Cristiana Arcangeli criaram o Phytoervas Fashion, realizado em São Paulo.
O evento, com nove desfiles em sua primeira edição, foi um passo importante para aproximar criadores, imprensa e público e dar visibilidade a nomes como Alexandre Herchcovitch, Glória Coelho e Fause Haten.
A parceria entre a dupla terminou em 1996, mas ele seguiu com sua própria empresa, o Grupo Luminosidade, e iniciou uma nova etapa com o Morumbi Fashion Week, que mais tarde se tornaria o São Paulo Fashion Week.
De ousadia a movimento
O evento nasceu de uma inquietação: “Por que o Brasil não tem uma semana de moda?”.
A pergunta, que Graça Cabral, cofundadora do SPFW e consultora do Instituto Nacional de Moda e Design (InMod), define como “motor da inovação”, deu origem a uma plataforma que sempre foi mais do que um calendário de desfiles.
“O São Paulo Fashion Week é um movimento e também uma ousadia. Ele sempre nasceu da pergunta ‘por que não?’. Por que não transmitir desfiles ao vivo pela internet, quando ninguém fazia isso? Por que não discutir sustentabilidade em 2005, quando o assunto ainda era heresia na moda?”, diz ela.
Foi o SPFW que proibiu modelos menores de 16 anos na passarela, adotou a neutralização de carbono ainda em meados dos anos 2000 e instituiu a equidade racial obrigatória no casting, a partir de 2020.
“A partir dali, o mercado inteiro mudou. Hoje os modelos mais desfilados são afrodescendentes e indígenas”, afirma Borges.

Desfile da Cavalera durante o SPFW, edição N48, em São Paulo (Crédito:BW/Press/Shutterstock)
Três décadas de construção coletiva
Para além das passarelas, o SPFW ajudou a estruturar uma cadeia profissional. A partir dos anos 2000, estilistas, maquiadores, stylists, produtores e jornalistas ganharam espaço e reconhecimento.
“O que sustenta o evento até hoje é o valor que ele construiu. Foram criadas profissões, desejo e autoestima”, reflete o idealizador.
O evento também foi reconhecido internacionalmente pela ONU como um case de economia criativa.
“Transformar o mercado, as profissões e o olhar de um País inteiro, esse é o papel da economia criativa, e o SPFW fez isso antes mesmo do termo existir”, lembra Graça.
Hoje, o line-up do evento abrange criadores e marcas de diferentes regiões. “No começo, tínhamos basicamente estilistas de São Paulo, Rio e Minas. Agora há nomes do Pará, da Bahia, do Ceará e de outras partes do Brasil”, explica Borges.
Afinidade de propósito
Ao longo dos anos, o SPFW reuniu parceiros que compartilham o compromisso com inovação e diversidade.
“A credibilidade e o alcance espontâneo do SPFW são únicos. As marcas se associam porque entendem que aqui é o lugar onde inovação e criatividade se encontram”, afirma Graça.
Paulo complementa: “A gente não compra mídia. O que mantém o SPFW de pé é o sentido genuíno do processo. É o valor que foi construído coletivamente.”
O futuro é agora
Ao olhar para frente, Borges evita falar em mais 30 anos. Prefere pensar em ciclos curtos, como o próprio ritmo da moda contemporânea.
“Hoje, 30 anos são cinco. Nosso desafio é repensar o sistema, manter nossos valores e traduzir o tempo presente. O caos é o momento mais criativo do ser humano”, afirma.
A nova fase vem pautada pela bioeconomia em movimento, conceito que aproxima ciência, tecnologia e território, e reforça a ideia de uma moda conectada à vida e à sustentabilidade.
“Se há 30 anos a paixão era fazer o brasileiro se ver dentro de um sistema de moda, agora é sobre mostrar como esse sistema se conecta à vida e à sustentabilidade”, resume Graça.
A edição N60 acontece de 13 a 20 de outubro, com 38 marcas e criadores, em São Paulo, e tem como tema “Um movimento, uma ousadia”, expressão que representa o percurso do projeto.