Autora da Lei Cidade Limpa estuda flexibilização
Presidente da Comissão de Proteção à Paisagem Urbana, Regina Monteiro afirma que a legislação não é engessada
Aprovada em votação simbólica pela Câmara Municipal em São Paulo, o Projeto de Lei nº 239/2023, que propõe uma flexibilização da Lei Cidade Limpa, segue em pauta nas instâncias públicas. Na semana passada, a Câmara foi palco para uma discussão sobre quem financiaria uma viagem de uma comitiva de vereadores à Nova York para estudar a Times Square, com o objetivo de formalizar um projeto para distrito de mídia digital no centro da capital.

Regina Monteiro defende o uso dos termos de cooperação como uma forma de viabilizar novas mídias, desde que tragam benefícios reais para a cidade (Crédito: Divulgação)
Diversos setores se posicionaram à respeito da ideia da flexibilização da legislação. Enquanto a Associação Comercial de São Paulo (ACSP) e o Instituto de Arquitetos do Brasil — Departamento de São Paulo (IABsp) mantiveram uma postura contrária, organizações que representam empresas de mídia out-of-home, apoiaram a mudança, com ressalvas apontando para a necessidade de estudos técnicos e maior planejamento.
Autora da Lei Cidade Limpa e presidente da Comissão de Proteção à Paisagem Urbana (CPPU), Regina Monteiro diz que não é contra e nem a favor do projeto de Rubinho Nunes. Para ela, a legislação pode ser atualizada para comportar as mudanças pelas quais o OOH passou nos últimos anos, como a digitalização e avanços tecnológicos. Porém, ela frisa que a legislação valorizou a publicidade e qualidade do espaço urbano.
Segundo Regina, nesses 18 anos de sanção, a lei teve apenas duas alterações: criou parâmetros para a veiculação de anúncios especiais não publicitários no Sambódromo do Anhembi durante o Carnaval; e deixou de ser autoaplicativa, o que requer que a empresa seja notificada antes da efetuação da multa.
Em entrevista ao Meio & Mensagem, a executiva dividiu suas opiniões sobre as aplicações da lei e suas impressões sobre uma possível flexibilização.
Meio & Mensagem – Antes da Lei Cidade Limpa, São Paulo tinha o Projeto Belezura, criado por Marta Suplicy (PT). Por que você houve a necessidade de criar a lei mesmo com o projeto em vigor?
Regina Monteiro – Até a Lei Cidade Limpa, tínhamos uma série de decretos que nem lei eram, que regulamentavam uma lei que foi vetada em 90 artigos na época da Marta. Todo mundo governou a paisagem dessa cidade por jurisprudência. Era muita ação em cima de ação, e a cidade foi ficando daquele jeito que não tinha como arrumar, a não ser, no caso de São Paulo, retirar tudo e começar tudo de novo.
M&M – Quais foram os principais desafios enfrentados na implementação da lei?
Regina – O pessoal meio que cuidava da inserção das peças como se fosse o zoneamento da cidade. Isso nós revolucionamos. Revolucionar significa que consideramos a paisagem como direito público, um direito de todos. Tínhamos essa competência para fazer a gestão do espaço público, tornando de direito público tudo que vemos na cidade: volumetria, paisagem natural, as vias, as ruas, a questão social e a inserção humana na paisagem. Tudo é paisagem. O problema foi mostrar para as pessoas que seria bom para a qualidade de vida e para a recuperação de painéis decentes. Ao contrário do que se pensa, não acabamos com a publicidade, queremos sempre valorizá-la. Queríamos que a publicidade, tão premiada aqui, tivesse elementos harmônicos com a cidade, que fizesse a composição da paisagem e não ficasse aquele, brinco, nos postes quebrados, todo “melequento”. Quando não tinha anunciante, ficava aquele “muquifo” na paisagem. Foi um grande desafio falar para quem tinha fachadas com grandes peças que a paisagem agora era democraticamente subdividida em peças que todo mundo enxerga de forma igual. Foi muito difícil mostrar que não havia milhões de regras sobre formatos ortogonais; pode-se pôr onde quiser, não passando de cinco metros de altura e dentro das medidas. Tivemos conversas setoriais. Falamos com as grandes lojas. Teve que ter pulso firme do prefeito e dos secretários para segurar as pontas. O grande desafio foi acreditar que a lei ia dar certo.
M&M – A lei prevê 25 tipos de mobiliário urbano que poderiam exibir publicidade de direto à licitação, mas só dois foram licitados. Por que?
Regina – Na verdade, a lei descreve alguns tipos, mas não precisa ser aqueles. Se tiver alguma grande novidade, a prefeitura pode entender junto com os pares que pode ter um outro equipamento que dê conta. Por exemplo, tem uma demanda grande, de grandes grupos, pedindo banca de jornal. Banca de jornal, na minha opinião, não tem demanda para ter publicidade. Pode ser que tenha um outro tipo de equipamento que chame “banca de qualquer outra coisa” que possa vir, mas a banca de jornal em si que está na lei, ela praticamente é obsoleta. Por enquanto, ainda não temos nada [novo], está muito em adaptação ainda para entender qual é o caminho agora.
M&M – As bancas podem anunciar o que elas vendem?
Regina – Tudo que tinha publicidade foi revogado com a Lei da Cidade Limpa. As bancas podem exibir o que vão vender. Agora, publicidade não. Ela expor o que ela vende é uma coisa, agora colocar a capa da revista inteira atrás da banca é outra. A banca de jornal e os postos de gasolina foram os que mais provocaram nossa interpretação para atender ao conceito da lei. Lógico que não está explícito, mas, por exemplo, os postos de gasolina têm que colocar de forma expressa e ostensiva o preço do combustível por uma série de motivos. Então, entendemos que dava para pôr uma peça lá mostrando o preço, mas não pode fazer publicidade. Não vale ficar falando do programa de fidelidade deles. Isso é irregular. É mais ou menos como a banca de jornal. Você quer expor, expõe a revista ou o produto. Se você tem uma loja, por exemplo, que vende um carro, você está mostrando o carro. Agora, você não vai pôr uma foto do carro maior que a loja. É o produto que você pode expor.
M&M – Houve flexibilizações da lei na gestão de João Dória para haver publicidade nas marginais?
Regina – Aquela foi uma tentativa de termo de cooperação. O que é termo de cooperação? Você tem algumas empresas que querem propor alguma coisa na cidade. No caso, o próprio prefeito Dória quis fazer com que uma companhia aérea pagasse a reforma de 11 pontes. Ele não sabia que podia pôr a marca da empresa aérea na ponte. Falei: “Olha, prefeito, na ponte não precisa pôr, mas pode pôr a 20 metros, como está na lei”. Não deu muito certo e a companhia aérea também não rolou. Mas o termo de cooperação é a única forma que você tem de voltar com a mídia de forma bacana para a cidade. A pessoa que for bolar alguma coisa tem que bolar todo o pacote. Me fala o que você quer fazer de interesse público. Em contrapartida, você põe a mensagem da indicativa de cooperação. No Morumbis, a Mondelez queria fazer um naming rights. Fizemos uma conta de acordo com o que eles iam dar para o São Paulo para ter o direito de usar o nome e fizemos um estudo bem legal para fazer ali uma reforma da ciclovia, iluminação. Eles vão fazer um estudo fitosanitário da vegetação, podar, transplantar a árvore e enfim, um projeto urbanístico. Então, você pagando ou participando da urbanização da cidade, da questão ambiental e paisagística, a contrapartida pode ser bem diferente. Mas tudo é estudado. Os projetos com LED não são todos termos de cooperação. Nós permitimos quando expõe arte digital. Na frente do Shopping Morumbi e na Rua Boa Vista, há painéis que expõem uma série de artistas, mas não há publicidade expressa, só um QR code.
M&M – Muitas reportagens apontaram que a multa de R$ 10 mil nunca foi atualizada desde 2007 e que há falha na fiscalização. Eu queria saber qual a sua posição a respeito disso?
Regina – Realmente R$ 10 mil na época era um montão, agora é um montinho. Não é pouco, mas também não é tudo aquilo. O que eu acho bacana comunicar que a Secretaria das Subprefeituras contratou no ano passado uma leva de novos fiscais. Esse ano, terá também. Eles nos chamam para dar aula para eles, capacitá-los. Vai ser uma coisa bem legal. Como tem que fazer aquela notificação, fizemos um resuminho bem legal do que pode, o que não pode. A nossa parte é capacitá-los. Parece que vai ser bem legal essa parte de fiscalização, mas a multa fica mais a cargo das subprefeituras, né? Para não dizer que não participamos, às vezes recebemos a CPPU, recebemos denúncia, mas encaminhamos para as subprefeituras sem juízo de valor nenhum para as providências cabíveis. Não temos a licença de fiscalizar.

Como a Lei Cidade Limpa impacta o consumo
M&M – Há um duopólio na gestão dos ativos de mídia em São Paulo?
Regina – Principalmente lá no começo, o pessoal falava isso. Mas não é questão nem de monopólio. Eu acho precisamos entender melhor a capacidade de saturação da paisagem. É esse o trabalho que fazemos aqui. Em outras cidades do mundo inteiro, vemos que tem outras coisas importantes. Por exemplo, eu não sei porque ao pessoal não se utiliza de colocar as telas que envolvem os edifícios tomados. Temos esse instrumento desde a época que a lei nasceu. Pode pôr um ponte de coisa gigante, por que que não faz? A própria JCDecaux, em Paris, não tem outra coisa, eles só tem os abrigos de ônibus, e, mesmo assim, lá eles tiveram que pôr as bicicletas na rua como contrapartida dos abrigos de ônibus. As pessoas falam de Nova York. Nova York só tem aquela canquilharia ali no meio [a Times Square]. Aqui em São Paulo, por não ter outras concorrendo, nós temos uma paisagem muito mais democrática para ter mais. É só bolar qualquer coisa bacana, trazer para nós que incorporamos. Ao contrário, vou ficar esperando fazer essa coisa de uma lei específica. O Dória falou “vamos por banheiros públicos”. Não aconteceu nada. Ninguém quer pôr publicidade no banheiro. Não é um equipamento que rendeu essa vontade. Quem é da áreaque tem que propor, mas tem que ter o interesse público. É fudamental ter essa contrapartida.
M&M – Por que a licitação para publicidade em banheiros e lixeiras públicas não funcionou?
Regina – Temos uma lei muito com relação à acessibilidade muito forte. Para o banheiro, ele fez até dois ou três pilotos na cidade e era gigante, 3 m². Depois foi aprovado uma lei específica, mas ninguém quis fazer, porque ninguém quer ver o seu nome vinculado a um banheiro, nem o papel higiênico, como eu falava. Realmente não tem muito sentido botar publicidade no banheiro. “Ah, posso pôr a 20 metros do banheiro?” Falei, “pode pôr a 100”. Não é isso que vai fazer o banheiro estar lá.
M&M – O que poderia ser aprimorado ou em relação à lei Cidade Limpa?
Regina – O que eu acho que pode ser aprimorado são alguns detalhezinhos. Como hoje tudo é digital, ainda tem artigos que colocamos que é para entrar com papel. Dar uma requalificada nas questões tecnológicas do próprio andamento administrativo. E óbvio que, se inventarem também uma holografia, vamos ter que avaliar, mas tudo que você engessa na lei, você não consegue andar para frente. A lei é o contrário, ela não é engessada, ela pode quase tudo. Não pode quase tudo de qualquer jeito. É uma lei que foi feita em cima do direito urbanístico e, no direito urbanístico, vale mais o conceito do que a regra. O conceito está lá. Eu falo: o que vale são os três primeiros artigos da lei. Se saiu daquilo, esquece. Nenhum juiz, ninguém vai dar causa ganha.
M&M – O projeto de lei de Rubinho Nunes propõe alterações e a criação de uma Times Square em São Paulo. Qual é a sua visão sobre toda essa discussão?
Regina – Olha, aqui estudamos tudo e estamos estudando. Vamos ver o que o que acontece daqui para a frente. Nós administramos e temos ideias de tudo quanto é coisa e estudamos. Vamos vendo qual é a saturação da cidade, a capacidade da paisagem. A poluição só existe quanto é um monte de monte. Numa determinada época, eles pegaram a Avenida 23 de Maio e fizeram vários grafites. Eu sou super favorável a grafite. Na época, o prefeito Kassab não queria nem saber. Eu o convenci e recebemos o Gêmeos, o Kobra. Na época, todo mundo achou um escândalo, mas agora a cidade é uma galeria a céu aberto. E teve uma determinada época que pegaram a 23 de Maio e lotearam a cada três metros. Por um acaso, eu estava fazendo o primeiro congresso da paisagem urbana e eu levei a menina que foi a curadora e eu perguntei para ela: “Escuta, qual a diferença entre poluição visual e aquilo que foi feito?” Porque um monte de grafite é poluição visual. Poluição é um monte de qualquer coisa. Então, um monte de grafite é uma poluição. Temos que ver qual é a capacidade da cidade para que essas coisas aconteçam. É isso que estamos propondo e estamos estudando. Nada contra nem a favor. A prefeitura que tem que fazer o comando. E agora vamos ver o que as pessoas acham também. Tudo muito surreal.