Os possíveis caminhos para a programação infantil na TV
TV aberta retoma grade de programação infantil, mas relação com a publicidade ainda é desafio
*Atualizado às 11h16
Entre as décadas 1980 e 1990, a televisão brasileira foi muito caracterizada pela veiculação de comerciais de brinquedos, roupas, calçados e outros produtos com apelo direto às crianças. As peças, muitas vezes, contavam com celebridades e personalidades do universo infantil, o que aumentava a atratividade e endossava o apelo comercial voltado às crianças.
Antes mesmo do anos 2000, o Código de Defesa do Consumidor já indicava que a publicidade dirigida a crianças se aproveitava da “deficiência de julgamento e experiência desse público”. Ao mesmo tempo, o Artigo 37 do Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (Conar) passou a vetar anúncios que dirigissem apelo imperativo de consumo diretamente à criança.
Bom Dia e Cia retornou à grande do SBT, apresentado pela dupla Patati Patatá (Crédito: Divulgação)
Paralelamente, nos anos seguintes, a TV assistiu ao declínio da programação voltada para essa audiência. Alguns exemplos foram o fim do matinal e tradicional TV Globinho, da TV Globo, em 2015, e o encerramento definitivo do Bom dia & Cia pelo SBT em 2022 após quase 30 anos de exibição.
Em entrevista ao Meio & Mensagem antes de 13 de junho, data em que Maria Angela de Jesus assumiu a presidência da Fundação Padre Anchieta/TV Cultura, o então presidente José Roberto Maluf apontou que um dos motivos para a fuga de programação infantil na TV aberta é alto investimento de programas do tipo versus a falta de retorno publicitário.
Como reflexo, o meio perdeu força e impacto entre o público, movimento que acabou por prejudicar familias de baixa renda que tinham na TV aberta uma fonte segura para deixar seus filhos. É o que avalia o comunicador e educador Marcelo Tas, que atuou no sucesso Castelo Rá-Tim-Bum e Rá-Tim-Bum na década de 1990.
“A produção de conteúdo infantil continua abundante e criativa em canais pagos, no streaming, no teatro, games e livros. Na TV aberta brasileira, com raras exceções, a programação foi progressivamente apagada. A ironia é que o banimento do conteúdo infantil na TV aberta é resultado de uma intenção aparentemente boa de organizações consistentes como o Instituto Alana e o Conselho Federal de Psicologia. Eles pretendiam proteger as crianças da publicidade abusiva, só que o resultado foi desastroso”, defende.
Neste sentido, Eugênio Bucci, jornalista e professor da ECA-USP, indica que a televisão aberta ocupa uma centralidade na comunicação social do Brasil ainda muito predominante. E, nessa medida, a existência de uma programação infantil no meio é uma garantia de mais acesso, diz.
Retomada na TV aberta
Durante coletiva de imprensa para apresentar a nova estrutura de grade de programação, a atual presidente da emissora, Daniela Abravanel Beyruti, afirmou que a proposta do SBT era resgatar conteúdos do tipo a fim de atender a uma parcela de audiência que passou a não ter mais acesso a opções infantis na TV aberta. O Bom Dia & Cia retornou à programação matinal do SBT, apresentado pela dupla Patati Patatá.
Vicente Varela, superintendente de negócios, marketing e comercialização do SBT, assumiu o cargo em novembro de 2024 após chegar à empresa em março, como diretor executivo de operações IM e desenvolvimento comercial, e relembra que um movimento sintomático desse movimento foi a migração das crianças para outros ambientes digitais, muitas vezes sem nenhum cuidado ou segurança.
Apesar disso, o digital tem sido um meio complementar para adaptar estratégias que acompanhem os hábitos multicanais dessa parcela da população. O SBT está resgatando o aplicativo Fun Kids e pretende explorar acervos do tipo em seu streaming, +SBT, com atrações como “Chiquititas”, “Carrossel”, “Romeu e Julieta”e “Poliana”.
Além disso, vem investindo em acordos que levam fenômenos infantis da Internet para a TV aberta. A emissora firmou parceria com o 3 Palavrinhas, e o trio Sarah, Miguel e Davi acompanhará Patati Patatá no novo Bom Dia & Cia. O canal do 3 Palavrinhas no YouTube conta com mais de 12 milhões de inscritos e acumula mais de 13 bilhões de visualizações.
Já o Globoplay reúne filmes e séries voltados para os pequenos em seu catálogo, incluindo os originais D.P.A. Mini e alguns conteúdos da franquia da Turma da Mônica, entre outros.
Caminhos para o fomento
Mas a retomada do fôlego da programação infantil na TV aberta depende de investimentos. De acordo com Tas, é necessário coragem para encarar ações básicas de planejamento, fomento à criatividade e investimento estratégico.
Neste sentido, Varela chama a atenção para o fato de que a publicidade infantil não é proibida, e lembra que a legislação permite que haja publicidade nos breaks dos programas. “O tom dos anúncios publicitários dos anos de 1980 e 1990 que se dirigia diretamente as crianças com o mote de ‘peça para sua mãe comprar’ ou sob o viés ‘eu tenho, você não tem”’, não cabem mais na atualidade. Temos certeza que as marcas, agências e profissionais dessa área são extremamente capazes de desenvolver propagandas direcionadas a esse público com muito cuidado, zelo e dentro do limite que nos impõem a legislação”, alega.
Ainda que haja avanços no debate sobre publicidade voltada às crianças, inclusive em projetos de educação midiática que abraçam não apenas o público infantil, mas todo o ecossistema educativo, incluindo professores, Bucci acredita que seja necessário mais esclarecimentos sobre o tema.
“Se os principais meios de comunicação chamassem atenção para isso, a partir do princípio de proteger a criança, isso teria um efeito educativo sobre os pais, mas também sobre os anunciantes. Eles precisam ser parte do esforço de proteger as crianças e de encontrar outras maneiras de veicular ou de anunciar produtos que não agridam essa autonomia do público infantil”, argumenta.
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