Opinião

A crise não é só estética, é ética também

Legalizamos vícios, doenças, compulsões, tudo em troca de impostos; liberamos a propaganda da dependência, em troca de mercado

Guga Lemes

CCO da beORIGINALS 24 de julho de 2025 - 6h00

Socorro. Os algoritmos estão tornando filmes e séries cada vez mais parecidos. Não aguento mais a onda de true crime, serial killers, stalkers, golpistas. Já não vejo diferença nos filmes publicitários: todos com as mesmas paletas, o mesmo ritmo, a mesma fórmula. E nem falo das ondas de IA no Instagram, como os “bonecos de si” dentro de caixas de brinquedo.

Estamos em looping. Vivemos uma crise estética que bebe infinitamente da mesma fonte. Mas, na verdade, eu sei que isso se resolve com um pouco de humanidade e criatividade.

O problema, claramente, é outro.

Ligue qualquer mídia. Ricos influencers estão enganando pobres brasileiros, que — de tão pobres — acreditam que vão ficar ricos com bets e tigrinhos.

Legalizamos vícios, doenças, compulsões. Tudo em troca de impostos. Liberamos a propaganda da dependência. Em troca de mercado. É a salvação das agências, dos veículos, dos clubes — diriam alguns.

I bet que todo time já foi abordado por uma bet. I bet que muitas agências estão loucas para atender uma bet.

Sinto saudades da Talent dos anos 90, agência que se recusava a atender marcas de cigarro e bebidas alcoólicas. Isso numa época em que tudo era permitido e estas marcas eram os maiores anunciantes do País.

Será que precisamos ver os nossos grandes talentos — atores, atletas, músicos, diretores de criação, redatores, diretores de arte, planejadores, mídias, produtores, diretores, editores — reduzidos a atender interesses escusos de um mercado cujos impactos são tão nocivos?

Sim.

A crise é também ética.

E precisamos falar sobre isso. “Ah, mas não é ilegal.” De fato, não é.

Com o tabaco foi assim. Era tudo dentro da lei. Muita gente morreu de câncer, enfisema. Muita gente continua viciada. Então, vieram os cigarros eletrônicos. A gente já viu esse filme.

A pergunta que fica é: se sabemos as consequências, quando vamos nos levantar e dizer “não”? Eu não faço. Nem tudo tem seu preço.

Fica o convite às agências, produtoras, associações, universidades e profissionais de comunicação. Eu estou junto nessa. I bet que, no fundo, você também está.

Todo mundo pode rever e repensar as suas posições. Ainda há tempo. Porque a crise estética a gente resolve. Mas se não traçarmos um limite ético, em breve estaremos todos perdidos.