Opinião

De quanto mercado você precisa?

Quando a ambição fala mais alto que a verdade, o mercado corre o risco de cavar sua própria cova

André Scaciota

Chief media officer da WMcCann 24 de julho de 2025 - 15h00

Antes de começar: se você ainda não leu o texto do meu xará, André Kassu, sobre a canibalização do nosso mercado, volta aqui. Vale muito a leitura.

E eu também quero falar de verdade, mais especificamente, de uma verdade bem contada.

Deixe-me explicar melhor. Pouco mais de dois meses atrás, ainda sem destino, eu me sentava numa mesinha pequena de dois lugares no Shopping JK, esperando o Hugo Rodrigues. Não sabia, naquele momento, que um ex-chefe com quem já havia conquistado tanta coisa junto me faria uma provocação que mexeria comigo: “Você já pensou em voltar para agência para a gente contar boas histórias de verdade?”

Eu, sinceramente, não tinha pensado. Achava que, por ter mudado de lado do balcão, isso não fazia mais sentido – ao menos era a impressão que eu tinha ao ouvir os bastidores do mercado. Mas aí ele completou: “Você me conhece e sabe que o que estou falando.”

E ele tinha razão. Trabalhamos juntos por mais de cinco anos. Vi ele encenar aquele gesto icônico no Caboré, trocando o terno por regata, bermuda e chinelo, em homenagem ao consumidor. Comemoramos agência do ano no ano seguinte. Ganhamos concorrências improváveis. Eu sabia reconhecer quando uma história era boa, verdadeira e bem contada.

Mesmo assim, saí dali com mais dúvidas do que certezas. Porque acredito demais no mercado de comunicação brasileiro, e voltar para o lado das agências seria um movimento raro, mas que eu enxergava como uma avenida de oportunidade, levar o olhar do cliente para dentro da agência, comunicação e negócio na veia. Será que eu estava pensando bem?!

Nessa hora, sabia que precisava ouvir o cara que, nos últimos seis anos, foi meu líder, meu chefe, meu amigo e, muitas vezes, quase um pai (mesmo sem ter idade para isso). Liguei para o Traca (Eduardo Tracanella, ex-CMO do Itaú Unibanco).

A sugestão dele: “Vamos almoçar?” Adivinha onde? Na mesma mesinha de dois lugares onde eu já tinha conversado com o Hugo uma semana antes, coincidência ou, talvez, destino.

Quando chegou, o Traca me disse algo que já era, sem saber, um voto sobre a minha decisão: “O mercado de comunicação é um campo imenso e infinito de oportunidades para quem sabe o que quer.” E ainda me contou do encontro dele com o Hugo. O quanto reconhecia nele um cara potente e, quem sabe, de novo, um bom chefe para mim.

Quando perguntei ao Traca o que ele achava do mercado, ele me contou uma conversa que teve com o Marcello Serpa, sobre Tolstói, que inclusive fez um dos textos mais brilhantes sobre um conto do escritor russo em sua saída (vale a leitura também).

E é justamente aí que eu queria chegar. Porque, se você leu até aqui, já deve saber que hoje estou na WMcCann. E estou contando isso tudo para dizer: se tenho a sorte de ter tantos ícones ao meu redor, o mínimo que posso fazer é aprender e compartilhar essa verdade com vocês.

Contar boas histórias, descobri dias depois, é o statement da McCann desde 1912, Truth Well Told. E, no Brasil, vem com a potência de um W no nome, temos um legado e uma responsabilidade ainda maiores, contar histórias de verdade, bem contadas.

E é aqui que o texto brilhante do Kassu se conecta ao que eu trago abaixo.

No conto de Tolstói, Quanta Terra Precisa um Homem?, um camponês humilde recebe uma proposta tentadora, pode ficar com toda a terra que conseguir percorrer a pé, desde que volte ao ponto de partida antes do pôr do sol.

Ele começa tranquilo, calculando os passos. Mas logo a ganância toma conta. Avança mais e mais, porque cada nova faixa de terra parece indispensável. A cada colina conquistada, outra surge à frente. Ele corre, atravessa campos, pântanos, florestas, sempre acreditando que pode mais. Até perceber que o sol está caindo. Tenta voltar, já sem fôlego, mas é tarde demais. Desaba. Morre ali mesmo.

No fim, tudo que ele realmente precisa e tudo que lhe resta é o pedaço de terra do tamanho do seu túmulo.

Nas últimas semanas, acompanhando Cannes à distância, os Grand Prix, as conversas nos painéis, os posts nas redes, essa história martelava na minha cabeça.

Nosso mercado é imenso, vivo, potente. Somos capazes de ideias que transformam negócios, marcas e vidas. Mas, muitas vezes, parecemos aquele camponês. Corremos para conquistar tudo, e mais um pouco. Agências disputando categorias que nada têm a ver com elas. Marcas tentando ganhar prêmios que não movem a agulha de verdade. Gente brilhante se esgotando para entregar cases que já nascem obsoletos na segunda-feira pós-festival.

O mercado não é infinito. E a criatividade, quando usada só para acumular troféus, manchetes ou egos, seca. Toda vez que corremos sem olhar para os lados, querendo abraçar tudo sozinhos, matamos um pedaço do campo que nos sustenta.

Mas Cannes também trouxe sinais de esperança e disso também precisamos falar. Ideias que cuidavam do mercado em vez de sugá-lo. Projetos que não corriam atrás de um pedaço maior, mas de uma história mais verdadeira. Marcas e agências que entenderam que dá para caminhar junto, dividindo o terreno, sem esgotar a terra para quem vem depois.

Se continuarmos correndo como o camponês de Tolstói, querendo conquistar mais e mais a qualquer custo, no fim o mercado vai nos enterrar a todos na mesma cova e, garanto, menor do que merecíamos.

Talvez esteja na hora de nos perguntarmos: Quanto mercado você precisa? E quanto cabe de você num mercado saudável?

Estamos deixando um legado como os Tracas, Serpas, Hugos e o singular Washington deixaram?

Tenhamos coragem de contar boas verdades. De confiar que, ao fazer trabalhos de respeito e ter respeito pelo trabalho, o sucesso virá.

Corramos pelo máximo que conseguirmos, mas sem nos perder no caminho, sem deixar que o pôr do sol chegue e mate a todos nós.