A fragmentação da mídia esportiva
Novo cenário requererá esforço extra dos torcedores, mas não é o fim do mundo
Novo cenário requererá esforço extra dos torcedores, mas não é o fim do mundo
Cresci assistindo aos jogos do Palmeiras na Globo. Se você torce para o Flamengo, Atlético Mineiro, Bahia ou qualquer outro time em qualquer outro estado, você também. Afinal, por décadas, todo o futebol estadual, nacional e internacional tinha um só endereço.
Mas, por uma série de mudanças estruturais nas indústrias do esporte, mídia e tecnologia, aquele mundo no qual os direitos de transmissão estavam concentrados em uma – ou poucas – empresa de mídia, já não existe.
A primeira transformação é tanto tecnológica quanto de infraestrutura: a expansão da cobertura de banda larga no Brasil. Com conexões rápidas e relativamente baratas, abraçamos a web como poucos países. Do uso das plataformas de mídia sociais ao consumo de “lives”, do WhatsApp como ferramenta nacional de comunicação aos pagamentos com Pix. Somos um povo digital.
Se por um lado isso nos conecta e incentiva a criatividade, por outro, nos educa a consumir certo formato de conteúdo que beneficia o modelo de negócio de algumas plataformas de mídias sociais. Inundados por vídeos de 15 segundos, perdemos o hábito e a paciência de consumir a maioria dos conteúdos de longa duração. Isso se tornou um grande problema para empresas tradicionais de mídia que construíram modelos comerciais baseados em “janelas” de 30, 45 e 60 minutos. Obrigado TikTok, Instagram Reels, e YouTube Shorts!
Nesse contexto, o esporte surgiu como a melhor solução para um mundo de mídia em transformação. Hoje, é praticamente o único produto capaz de entregar audiências relevantes aos anunciantes. Nos EUA, o futebol americano trouxe 97 das 100 maiores audiências de 2023. Isso acontece em escalas semelhantes com o críquete na Índia e o futebol no Brasil.
O esporte preferido pode mudar, mas a conclusão não: a dependência que as empresas de mídia têm especialmente do esporte ao vivo cresce rapidamente e, com isso, cresce também o custo dos direitos de transmissão. Essa inflação foi o fator que inviabilizou o modelo de negócio em que uma empresa – por mais rica que fosse – era capaz de comprar a maioria dos direitos.
Some-se a isso as estratégias agressivas de investimento no esporte de empresas nacionais (como a Band), o surgimento de canais digitais alternativos (como a CazéTV), e o uso do esporte como porta de entrada para recrutar assinantes às plataformas de streaming desembarcando no Brasil e temos a tempestade perfeita.
A tentativa frustrada (até agora) de criar uma liga de futebol no Brasil – da qual fiz parte com a Libra – evidenciou essa transformação no cenário de direitos do futebol nacional. O que era para ser uma organização independente que administraria o Campeonato Brasileiro, acabou virando dois consórcios para a venda de direitos de grupos de clubes.
Se uma empresa de mídia quiser ter todos os jogos do Campeonato Brasileiro, terá que negociar com ambos os grupos. Esse desincentivo ao investimento e custos fora da realidade do mercado levou a Globo a fechar contrato apenas com a Libra. A partir de 2025, veremos nas empresas do Grupo Globo apenas os jogos em que os clubes da Libra jogam “em casa”, logo, têm os direitos de mídia. Sempre que jogarem como visitantes (de um clube fora da Libra), a transmissão será feita por outro veículo, ainda indefinido. Pelo menos nos primeiros anos, esse novo cenário requererá um esforço extra dos torcedores.
Mas tampouco é o fim do mundo. Basta ver o que acontece nos EUA com a NFL. Se um torcedor quiser ver seu time na quinta-feira, precisará assinar a Amazon Prime. Nos domingos de tarde, metade assistirá aos jogos na Fox e a outra metade, na CBS (dependendo do time). Mas se o jogo do domingo for à noite, o canal é a NBC. Os jogos das segundas-feiras estão com a ESPN. Os Superbowls mudam de casa dependendo do ano. Os americanos reclamam, mas continuam assistindo seu esporte favorito religiosamente.
Se o futuro da transmissão do esporte não é ideal para os torcedores, não podemos dizer o mesmo do mercado de mídia. A fragmentação trará mais oportunidades para mais anunciantes fazerem parte do futebol. Se até hoje apenas as marcas com os maiores orçamentos do Brasil (Ambev, Itaú, Natura etc.) eram capazes de comprar este produto, no futuro, muitas outras poderão também. Haverá transmissões para todos os orçamentos. Isso incentivará mais anunciantes a escolherem o futebol, distribuirá seus recursos por mais empresas de mídia, e incentivará a criatividade para aparecer em um mercado com mais marcas.
Assim como nos adaptamos a tantas novas ferramentas digitais, tiraremos de letra o novo modelo de consumir o futebol. O balanço para o esporte e o mercado de comunicação será certamente positivo.
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