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Aprendendo com o tempo

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Opinião

Aprendendo com o tempo

Se não damos o devido tempo de qualidade à leitura e ao aprendizado, qual prazer teremos nessa atividade?


6 de abril de 2023 - 10h00

Tempo_Relógio_Aprendizado

(Crédito: Shutterstock)

Não é novidade: estamos sempre querendo economizar tempo. Andamos pensando nos próximos passos, queremos cortar caminhos, almoçamos na mesa do trabalho, vivemos preocupados e ansiosos com o futuro enquanto deixamos o presente em piloto automático.

Infelizmente, essa é a máquina de moer gente na qual estamos inseridos. E lá vamos nós, deixando toda a nossa vida em segundo plano, em prol de uma agenda que busca cada vez mais produtividade – mesmo que, como citado por James Suzman no livro “Trabalho” (edição de maio de 2022), nossa sociedade seja capaz de gerar muito mais recursos que John Maynard Keynes previu necessários para que alcançássemos a “terra prometida econômica”, em que as necessidades básicas de todas as pessoas seriam facilmente satisfeitas e onde, como resultado disso, ninguém trabalharia mais do que quinze horas por semana.

Suzman completa o raciocínio, descrevendo por que isso não deu certo: “Somos criaturas racionais amaldiçoadas com apetites insaciáveis. Pelo fato de não haver recursos suficientes para satisfazer todos os desejos de todas as pessoas, tudo então é escasso”. Sim, pelo menos sob a lente da sociedade pós-industrial, somos animais egoístas que só querem realizar seus desejos. Nós nos colocamos diariamente nesse paradigma de escassez.

Estarmos presos nessa situação não nos impede de refletir sobre o fato de que economizar tempo é importante, bem como evidencia a importância de o fazermos. Pois bem: o tempo é importante para quê? O que é usar bem o tempo? Dá para criar tempo? O que fazer com o tempo que sobra?

Acredite, essa não é uma leitura elitista, daquelas que funcionam só para quem tem privilégios (branco, hétero, 3º grau completo etc.). A verdade é que, com menos ou mais tempo, acabam existindo os momentos de produtividade e os de aprendizado (que nos fazem evoluir pessoal e profissionalmente) e é desses últimos que estamos falando aqui.

E aqui, chego no centro desse artigo: o aprendizado. Como ele é tratado nessa sociedade obcecada por economizar tempo?

Um dilema que bate na minha alma: eu sou estrategista de marca – uma profissão que é generalista por natureza e precisa de estudo constante, aprendendo sobre diversos assuntos e diversas pessoas todos os dias (nada mais complicado de estudar que o ser humano, convenhamos).

Quando você acrescenta tempo à equação, tudo se complica ainda mais. Como entender, no curto prazo de um trabalho, um determinado público, sua cultura e subculturas, a relação com o produto/serviço divulgado? É muito pouco tempo para absorver o conhecimento e a experiência de vidas inteiras e ainda usar isso de material para convencer alguém (enquanto ela responde suas mensagens no zap).

Aí entra em jogo toda a experiência, olhar e escolhas dos estrategistas. Lidar com essa escassez para representar tamanha grandeza e ainda ser eficaz nas escolhas é um desafio. Não à toa buscamos sempre formas de entender tudo melhor e mais rápido – são reports, pesquisas geracionais, resumos de livros, audiolivros rápidos, vídeos no YouTube e podcasts na velocidade 2x e ainda vamos além, com as pesquisas no Google e o chat GPT servindo de grandes resumidores de informação e grandes economizadores de tempo.

Uso a minha experiência como exemplo e lugar de fala, mas duvido que seja diferente da maioria das profissões e desafios das pessoas. A gente se cobra por usar melhor o tempo, e aprender rápido é visto como uma forma disso – principalmente se você mora em São Paulo ou em alguma outra grande capital.

Não me leve a mal: ter as respostas do Google e chats GPT (e afins) não é ruim, mas será que só ter as respostas, sem provocações, é o melhor caminho? Será que esse tempo otimizado é de qualidade?

Para explorar melhor essa questão, cito o educador Rubem Alves, que traz uma visão brilhante, dada numa entrevista do programa Provocações na TV Cultura no dia 3 de maio de 2011 (meu aniversário!), com o entrevistador Antônio Abujamra, ao lembrar de uma história na qual dois homens tentavam vender para ele a ideia de leitura dinâmica.

Provocações (TV Cultura) com Rubens Alves: assistir até 7: 35

Essa ideia de prazer e tempo também remete à fala do psicoterapeuta Ivan Capelatto, no programa Café Filosófico, da TV Cultura, que discursa sobre o bom desejo e o mau desejo. O mau desejo é autorrealizado. Essa instantaneidade gera um efeito revés. Ele usa como exemplo não termos tempo para o erótico, mas a citação é valida de maneira ampla.

Café filosófico: O desejo e sua formação por Ivan Capellato; assistir até 12:41

Se não damos o devido tempo de qualidade à leitura e ao aprendizado, qual prazer teremos nessa atividade? Como esperar, então, que proativamente busquemos mais conhecimento para ir além dos conceitos prontos, enlatados, dos resumos que vemos por aí? Não que os resumos sejam ruins, mas são um ponto de vista de alguém ou de alguma IA, não o seu ponto de vista.

Como uma ostra só produz a pérola a partir do incômodo do grão de areia, para evoluirmos é preciso provocar a contraposição de pontos de vista e pensamentos. O incômodo do aprendizado nos promove ideias, ressignificações, revoluções. Claro, isso leva tempo. Isso nos permite economizar tempo na realização das atividades produtivas – o que não deveria ser condicionado à ansiedade de se fazer tudo mais rápido, mas sim à alegria e ao prazer de se desafiar e de conhecer novas percepções.

O documentário “Quando sinto que já sei”, da produtora Vekante Educação e Cultura, explica a relação das pessoas com o aprendizado (mais focado no desenvolvimento de crianças). Ele traz experiências de escolas com posturas diferentes e propositivas para esse assunto. É importante como é mostrado que é preciso rever essa relação para que o prazer seja parte do estudar, respeitando o momento de cada um, a autonomia, as escolhas, e valorizando a emoção em ensinar de verdade.

“Não tem a hora de brincar. O aprendizado pode ser uma brincadeira constante” – Tião Rocha, Educador.

São raros os exemplos, mas poderiam ser a regra. O tempo para aprender precisa ser levado mais a sério, pois ele transforma o aprender no prazer e o prazer na ânsia de aprender mais.

Claro, eu já respondo: essa provocação também é para você, pois ela vai muito além da escola. Pensemos: qual a nossa relação, hoje, com o aprendizado? Como nós buscamos absorver conteúdos que nos desafiam, que reconfiguram nossa percepção de mundo? Você tem prazer em aprender? Quando foi a vez que você teve mais prazer em aprender? Por que foi bom assim?

Sem prazer em aprender, sem mergulhar nas nuances e nos meandros da língua e do desafio intelectual que essa escolha proporciona, como esperar sermos uma sociedade em evolução?

Leia uma página por dia, faça uma discussão em grupo sobre o assunto, onde cada um leve um estudo/matéria de jornal, crie desafios pessoais que possam ser superados com gamificação, organize um espaço físico, separe 30 minutos por dia para estudar com atenção ou crie recompensa para a rotina ser prazerosa (um doce no final? Eu leio fazendo bicicleta e queimando calorias, é muito bom).

Renato Alves, preparador mnemônico de concursos, disse:

“Todo estudante precisa de um método de estudo, mas nem sempre isso é ensinado na escola. Quando a pessoa não sabe estudar, ela cria resistência, diz que odeia matemática, odeia a professora de química…”

Não é nada fácil, mas, se com o método certo dá para estudar para concursos, como não conseguirmos ler um romance ou um livro de filosofia? Toda leitura e estudo de conteúdos é válido para nos provocar a pensar.

Vamos construir uma sociedade que gaste bem o tempo para, aí, ganhar tempo de verdade. Espero que você tenha tido uma leitura provocativa e prazerosa aqui.

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