As escolhas de Tim Cook

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Opinião

As escolhas de Tim Cook

Nove anos após assumir o posto de CEO da Apple, executivo supera a sombra de Jobs ao levar o jogo para território em que poderia construir um legado para chamar de seu


24 de agosto de 2020 - 12h08

Trecho da paródia de “1984”, criada pela Epic Games (Crédito: Reprodução)

Dois trilhões de dólares. A capitalização recorde para uma companhia americana na bolsa, alcançada na quarta-feira 19, surpreendeu até mesmo a própria Apple — a empresa assumira postura cautelosa quanto a seus resultados financeiros para o ano, quando os possíveis impactos da Covid-19 começaram a ser projetados, há seis meses. Em março, até chegou a perder, brevemente, o status de empresa trilionária. De lá para cá, seu valor de mercado mais do que dobrou. No segundo trimestre, já com a pandemia decretada e quarentenas em vigor nas mais diversas regiões do planeta, as vendas da companhia cresceram 11%.

Uma semana antes de bater os US$ 2 tri, a Apple também esteve nas manchetes, no papel de antagonista, acusada pela Epic Games de práticas extorsivas e monopolistas na cobrança de tarifas para utilização da App Store como canal de vendas. Paródia de “1984”, comercial icônico para o lançamento da linha Macintosh, um marco na história da companhia fundada por Steve Jobs, o vídeo para promover a campanha #FreeFortnite (jogo que pertence à Epic Games e foi removido da loja da Apple após sua proprietária criar um modelo de pagamento direto, sem incidência do custo da taxa que motivou a discórdia) chamou a atenção para a disputa judicial entre as empresas. Sagaz e provocativo, fez merecido sucesso e motivou debates interessantíssimos.

O ataque da Epic Games ganhou notoriedade ao colocar a Apple na berlinda, situação à qual está menos acostumada do que suas companheiras no rol das chamadas Big Techs, especialmente o Facebook, o Google e a Amazon. Também pegou no calcanhar de Aquiles público da corporação liderada por Tim Cook: suas estratégias concorrenciais e a crença em que sistemas fechados são a melhor maneira de proteger tanto os diferenciais da companhia (como a experiência oferecida) quanto seu caixa. Tais práticas não combinam com a aura criativa em torno da marca, tão cultuada pelos seus fãs e clientes. A linha de raciocínio levou a mais um ponto vulnerável, volta e meia questionado: o quanto a empresa deixou de ser inovadora como nos tempos de Jobs e suas ideias revolucionárias.

O aval duplamente trilionário conferido pelo mercado na semana passada expõe o outro lado da moeda: as escolhas vencedoras de Tim Cook, que completa exatos nove anos como CEO da Apple nesta segunda-feira, 24. Certo de que as comparações com o antecessor no campo da genialidade criativa ofereciam poucas possibilidades de triunfo, levou o jogo para o território em que poderia construir um legado para chamar de seu: o da experiência premium em escala. Low profile, escolheu trabalhar na formação das equipes e no estabelecimento de processos, aliviando a expectativa e a cobrança pelo lançamento de um novo produto disruptivo — uma ambição tão glamorosa quanto perigosa para o dia a dia da companhia, que precisa dar resultados praticamente diários para os acionistas.

Ao chamar a responsabilidade, Cook estabeleceu a estrutura necessária para, da porta para fora, colocar em prática seu plano: dar amplitude máxima às invenções de Jobs e manter os investidores satisfeitos com balanços consistentes. Indicar que a expansão do ecossistema de serviços e o foco na experiência do usuário levariam a um caminho mais estável para o crescimento do que a bala de prata representada pela próxima grande ideia foi um trabalho de reconstrução das bases da companhia, hoje com mais de 500 milhões de assinantes, o que reduziu consideravelmente a parcela de seus resultados creditados ao iPhone.

Embora tenha minimizado a disputa, a bola levantada pela Epic Games está entre os próximos desafios de Cook. Para manter sua reputação em linha com a cultura do tempo, de alguma forma, será preciso libertar-se da pecha monopolista, mantendo sua supremacia mercadológica, uma das chaves da atratividade da companhia.

Outra jornada será a de continuar a remunerar seus acionistas nos patamares atuais. Para isso, a estratégia parece ser a mesma: aproveitar a base de clientes e expandir ainda mais a oferta de serviços. É nisso que apostam os analistas a estimar que as ações trilionárias da Apple não contêm ágio relevante e, mais do que isso, continuarão sua trajetória ascendente, mantendo a empresa como o exemplo mais bem-sucedido de como se constrói uma marca com performance e experiência na era das brandtechs, seja para grandes empresas de bens de consumo, seja para as nativas digitais.

*Crédito da foto no topo: Vijay Kumar/iStock

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