Opinião

Assassinos e algoritmo: quando o crime vira marca

Sucesso de séries como Tremembé revela a fusão entre notoriedade e reputação — e expõe a lógica publicitária que transforma até a infâmia em ativo de mercado.

Luciéllio Guimarães

Estrategista de imagem pública 27 de novembro de 2025 - 6h00

O sucesso da série Tremembé e de produções como Dias Perfeitos confirma uma tendência incômoda: criminosos reais estão se tornando protagonistas de narrativas pop. Suzane von Richthofen voltou ao Instagram com loja online lucrando; Christian Cravinhos e Elize Matsunaga retomaram visibilidade e seguem explorando sua imagem com naturalidade. Uma mensagem equivocada de que o crime, no Brasil, não apenas compensa como também engaja.

A pergunta que deveria incomodar o mercado da comunicação é simples: por que a estética do crime funciona como narrativa de consumo? A resposta passa menos pela sociologia e mais pela publicidade. Estamos vivendo tempos em que visibilidade e legitimidade se confundem. A lógica publicitária ensinou o público a valorizar o que aparece, não o que é. A notoriedade tornou-se sinônimo de relevância e qualquer figura que domina o imaginário coletivo — por admiração ou repulsa — ganha o mesmo capital simbólico: atenção. E, sabemos que atenção — na economia digital — é a nova moeda.

O branding da infâmia

Os criminosos célebres são tratados como cases de branding involuntário. Possuem narrativa, estética, arquétipo, propósito e público fiel — os mesmos pilares de uma marca pessoal bem-sucedida. Suzane virou símbolo de “mulher forte que recomeça”. Elize, da “profissional fria e racional”. Até mesmo o nome Tremembé já opera como selo de uma franquia de fascínio mórbido — uma marca territorial da desgraça convertida em produto audiovisual.

E o fenômeno não é novo. Bonnie & Clyde foram mitificados pela cultura americana nos anos 1930. Charles Manson virou ícone contracultural; Pablo Escobar, herói de seriado global; Ted Bundy, personagem com apelo de galã. Todos tiveram suas narrativas lapidadas pelo mesmo processo: a estetização do mal. Como observou Jean Baudrillard, “a realidade só existe quando espetacularizada”. O crime, quando transformado em conteúdo, deixa de ser fato para se tornar ficção moralmente palatável.

Propaganda, mito e desejo

O marketing moderno nasce do mesmo impulso que sustenta esse fascínio: contar histórias que atribuam sentido e glamour ao banal. A publicidade nunca vendeu produtos, mas identidades. A narrativa de um criminoso “carismático”, “inteligente” ou “apaixonado” mobiliza os mesmos gatilhos psicológicos usados em campanhas: empatia, curiosidade e projeção. É o storytelling aplicado à barbárie. Para o público, consumir essas histórias é uma forma segura de flertar com o abismo. Para as plataformas, é um negócio altamente rentável. Para nós, comunicadores, é o espelho mais cruel do nosso próprio ofício: a capacidade de transformar qualquer personagem — inclusive um assassino — em símbolo cultural. A publicidade como arquiteta da visibilidade

Guy Debord já alertava: vivemos na “sociedade do espetáculo” onde o valor das coisas depende da capacidade de serem vistas. Na prática, isso significa que a mesma lógica que cria ídolos cria monstros. A estética da notoriedade não distingue mérito de infâmia. É o algoritmo — e não a ética — que define quem aparece. A publicidade ensinou o mundo a medir valor por alcance, e o entretenimento aprendeu a aplicar isso às tragédias humanas.

O resultado é uma inversão de hierarquias morais: criminosos com melhor branding do que cientistas, ativistas, gênios da criatividade ou educadores. A cultura da atenção premia quem domina o imaginário coletivo, não quem contribui para ele. E nós, profissionais de imagem, estamos no centro dessa engrenagem.

Responsabilidade simbólica

Não se trata de censurar a arte nem de negar o interesse humano pelo proibido. Mas é urgente reconhecer que a forma como contamos histórias molda o tecido moral da cultura. Quando o criminoso é enquadrado como personagem complexo e fascinante — e a vítima é mero contexto —, a narrativa se torna uma peça de publicidade involuntária do próprio crime.

Talvez o nosso papel, como estrategistas, publicitários e criadores de sentido, seja o de restaurar o valor da reputação sobre o da visibilidade. Porque nem toda história merece um rebranding. E talvez a maior provocação que Tremembé nos deixa não esteja na cela dos assassinos, mas no espelho dos comunicadores.