Opinião

Um iPod encontrado e uma viagem simbólica

Objetos sempre carregam memórias, fases da vida, identidade e emoção, funcionando como um verdadeiro registro da história pessoal

Juliana Barreto

Diretora de Revenue da Tátil Design 25 de novembro de 2025 - 14h00

De tempos em tempos, faço uma grande limpeza na minha casa. Gosto de esvaziar os armários para olhar cada item de perto, refletir sobre o que ainda faz sentido e decidir o que já pode encerrar seu ciclo, seja por descarte ou doação.

Nesta última rodada de arrumação, me deparei com um item que há muito tempo não via: meu iPod. Sim, um iPod Shuffle prata, funcionando perfeitamente em pleno 2025. E não foi um encontro qualquer. Não sei se são os meus 40 anos completados este ano ou alguma posição lunar particularmente sensível (para quem acredita), mas ter aquele pequeno objeto nas mãos me transportou para outro tempo e trouxe uma reflexão inesperada e um tanto complexa. Peço licença para vocês enquanto compartilho um pouco dessa viagem simbólica que esse encontro me proporcionou.

Para contexto: quem comprou esse iPod era a “Juliana estagiária” — uma versão muito anterior da Juliana de hoje. Ela guardou dinheiro durante alguns meses, pediu a um amigo que o trouxesse de viagem e passou horas fazendo a curadoria das músicas que estariam ali dentro, para acompanhá-la nas viagens de ônibus para a faculdade.

Depois, o mesmo iPod me acompanhou quando fui trainee, quando fiquei desempregada, quando comecei tudo de novo. Ele sempre esteve lá, variando em ritmos e artistas conforme a época. Em alguns momentos mais rock, em outros mais pop ou dance. Até Indie Rock entrou na playlist, influenciada pelas “modinhas” da época. Com o tempo, o iPod foi deixado de lado, trocado pelo smartphone com músicas em streaming e este objeto tão querido e desejado foi deixado em uma porta de armário junto com outros.

Anos depois, o mesmo iPod chegou às mãos da Juliana atual — com outro cargo, outras formações e referências — e se tornou um grande gatilho para refletir sobre como um objeto nunca é apenas um objeto. Ele carrega memórias, fases da vida, identidade e emoção, funcionando como um verdadeiro registro da nossa história pessoal.

Assim como o artista surrealista belga René Magritte fez em seu quadro Ceci n’est pas une pipe — uma ilustração de um cachimbo acompanhada da frase “isso não é um cachimbo” —, nos convidando a refletir sobre o objeto e sua representação, o iPod para mim se tornou um símbolo carregado de significado.

Para mim, Ceci n’est pas un iPod — isso não é apenas um iPod —, mas todo um reflexo de quem eu era, um objeto que encapsulava momentos da minha vida e meu consumo simbólico. Hoje, ele continua me representando, mas de outra forma.

Para a Juliana de agora, ele não é mais apenas uma conquista ou um companheiro musical nas viagens de deslocamento. Tornou-se um símbolo da minha evolução, um registro de uma trajetória que nem sempre foi fácil ou linear, mas cheia de acontecimentos que moldaram quem sou e me trouxeram até aqui.

É aí que reside a minha paixão por estudar consumo: porque não se trata apenas de compra. É sobre quem somos, como queremos nos mostrar no mundo, sobre memória e pertencimento. Isso traz uma grande responsabilidade para quem trabalha com marcas e consumo: o que fazemos impacta o consumo, sim, mas também influencia todo esse meio simbólico e, consequentemente, o ambiente em que vivemos.

Assim, o que criamos vai além do que chamamos de branding. Como diria: Ceci n’est pas branding — isso não é apenas branding —, mas uma busca por conexões genuínas (e idealmente positivas) entre marcas e pessoas, ligando objetos ou serviços à forma como seus detentores desejam se apresentar ao mundo.

P.S.: Aliás, existe uma tendência crescente de pessoas retomando seus iPods e outros dispositivos antigos, buscando uma experiência musical sem apps e sem notificações. Confesso que, ao reencontrar o meu iPod, também senti essa vontade de resgatar o hábito — mas agora com novos ritmos e novos caminhos.