Opinião

Pelo menos em novembro

Racismo é um problema brasileiro que perpassa diversas de nossas outras agruras

Leonardo Araujo

CEO da C4V3 19 de novembro de 2025 - 6h00

“20 de novembro temos de repensar, a liberdade que o negro tanto teve que lutar” — os versos de Rappin Hood em sua clássica “Sou Negrão” ecoam na minha mente sempre que a data se aproxima. Trabalhando direta e indiretamente com publicidade, esse período começou a ganhar um gosto amargo na minha boca.

De uns tempos pra cá — mais precisamente após a eleição de Donald Trump —, a coisa foi ficando branca. É melhor tratar o Novembro Negro só por Novembro. Mesmo que, após o assassinato de George Floyd nos Estados Unidos (vamos falar das coisas como elas são? porque vejo muita gente dizer “pós-George Floyd”. Não! Pós-assassinato de George Floyd), uma grande rede de supermercados lançou um site dizendo que não esqueceria o assassinato de um homem negro em pleno novembro negro dentro do estabelecimento. Aliás, o endereço era literalmente este: “Não vamos esquecer”. O site está fora do ar. Virou um hotsite menor. Aparentemente, esqueceram.

O racismo é um problema brasileiro que perpassa diversas de nossas outras agruras. Também pudera: foram mais de 300 anos escravizando pessoas negras cuja aparição nos primórdios da atividade que hoje chamamos publicidade era de um protagonismo sangrento — corpos negros descritos como atributos de venda, como se fossem um iPhone 17 ou um PS5. “Vende-se uma preta, de moça idade, de casa de família, sabendo cozinhar, lavar e engomar, sem vícios; negócio decidido; na rua do Ouvidor n. 155”. De uma hora pra outra, isso acabou. Sem direito a indenização ou qualquer reparação. Dos períodos sangrentos da história deste país, esse é um dos que mais deixaram marcas na sociedade atual — e um dos que menos discutimos coletivamente. Por quê?

A publicidade pode e deve tocar no assunto. A comunicação no Brasil, constitucionalmente, deve promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade ou quaisquer outras formas de discriminação. E não adianta vir com o papo de que “somos todos iguais” e que “acredita piamente nisso”. Não adianta você acreditar que somos todos iguais. O sistema não está nem aí para o que você pensa.

Na hora de fazer vídeo case em Cannes dizendo que “even the president” se interessou pela sua campanha, você faz com louvor, né? Na hora de dizer em palestra que a publicidade bota bordões na boca do povo, muda comportamentos e dita regras, você enche a boca, né? Pra lutar contra o racismo não funciona?

Pelo menos em novembro, ouça seus colaboradores negros. Se você não tem colaboradores negros, preocupe-se.
Pelo menos em novembro, lembre-se que o Brasil foi o último país do Ocidente a abolir a escravidão (1888). Ao contrário de outros, não houve políticas de reparação, integração ou inclusão social para os ex-escravizados — o que deixou um legado de desigualdade duradouro.

Em vez disso, o Estado brasileiro incentivou políticas de “branqueamento” populacional, estimulando a imigração europeia e marginalizando a população negra. Isso consolidou o racismo como uma estrutura social e política, não apenas como um preconceito individual.

Pelo menos em novembro, pense que o colaborador negro pode não ser o culpado por confundir seu feedback com racismo. Seu feedback foi racista.

Pelo menos em novembro, lembre-se de que você pode ser racista sem chamar alguém de “macaco”. Você, branco, faz parte de uma estrutura dominante e usufrui de tudo que isso acarreta — quer queira, quer não.

Pelo menos em novembro, não abuse e use da nossa imagem em frente às câmeras. Apesar de a celebridade mais confiável ser um homem negro (salve, Lázaro!), o mesmo não acontece nos bastidores. Por que será? Vocês, brancos, são superiores?

Ou a estrutura da nossa sociedade privilegia pessoas da sua cor e background (vou usar anglicismos porque sei que vocês gostam)?

Pelo menos em novembro, tenha consciência.