Opinião

OBZ: Organizações Base Zero

Pergunte-se: “Se eu fundasse minha empresa hoje, no contexto da IA e das mudanças culturais, o que eu manteria?"

Andrea Dietrich

Consultora em transformação digital e cultura, sócia fundadora da Didietrich 26 de novembro de 2025 - 14h00

Você conhece o termo Orçamento Base Zero (OBZ, ou Zero-Based Budgeting)? Surgiu nos anos 70 como um choque de realidade para as finanças corporativas: em vez de aumentar o que se gastou no ano passado, cada despesa precisa ser justificada do zero. Um exercício brutal, mas transformador. Quem já passou por isso sabe: inesquecível.

Hoje, a inteligência artificial nos força a um OBZ muito mais amplo. Não estamos falando apenas de custo: o convite é justificar tudo, do zero, incluindo o próprio sentido das ações da empresa. O ponto de partida deixa de ser o histórico para construir o futuro e sim projetar o futuro para redesenhar o presente. Pergunte-se: “Se eu fundasse minha empresa hoje, no contexto da IA, das novas competências humanas e das mudanças culturais, o que eu manteria? O que abandonaria? O que criaria do zero?”

O problema é que a maioria dos investimentos em IA ainda fica no nível tático com funções como automação de e-mails, chatbots de atendimento ou geração de conteúdo. Ferramentas isoladas. Produtividade de fachada. Mas e a oportunidade estratégica de construir um ciclo de aprendizado proprietário, que transforme a IA em motor de vantagem competitiva? É aqui que entra o conceito de OBZ aplicado ao Marketing.

Cada fluxo que influencia a marca, o cliente ou o mercado deve ser desenhado a partir do zero, assumindo que a IA fará 80% do trabalho operacional. Isso nos leva ao Shift de Execução profundo.

1. Visão Estratégica

O foco deixa de ser “o que podemos automatizar?” e se torna “como a IA nos permite reinventar nossa vantagem competitiva?”. O segredo não está em multiplicar pequenos pilotos, mas em definir apostas de alto impacto. Onde reside o verdadeiro poder de mercado da sua marca? É aí que a IA deve atuar.

2. Fluxos “Zero-Based”

Aqui está a mudança operacional mais difícil, mas mais crucial: é preciso jogar fora os fluxos de trabalho atuais e desenhá-los do zero. Isso força a quebra de silos, a remoção de gargalos legados e a definição de novas lógicas de orquestração. Os humanos não são eliminados; eles se tornam orquestradores. Redefinir as responsabilidades em torno da colaboração entre humanos e IA é vital para garantir que a inteligência flua pela organização sem duplicação e fragilidade.

3. O papel do orquestrador

Na era da IA, o gestor de marketing é um orquestrador. A função muda de executar tarefas repetitivas para validar hipóteses, definir parâmetros éticos e direcionar o aprendizado do sistema de IA. A execução passa a ser sobre garantir que os “loops de dados” – o coração do modelo por AI – estejam embutidos no fluxo de marketing por

exemplo. Isso significa que cada interação do cliente alimenta instantaneamente a próxima etapa da campanha, gerando um diferencial competitivo que nenhuma agência ou concorrente que apenas “usa IA” conseguirá alcançar.

4. A automaestria do CMO

A dificuldade do OBZ nunca foi matemática; foi mental. Exigiu a coragem de quebrar a inércia do “sempre fizemos assim”. Da mesma forma, o OBZ exige a automaestria do líder de marketing. O maior gargalo não está em comprar uma nova ferramenta, mas em ter a coragem de desmantelar os fluxos operacionais que, apesar de confortáveis, estão nos aprisionando na mediocridade da automação fragmentada.

O CMO que abraça o conceito de Organização Base Zero está, na verdade, exercendo o Shift Estratégico mais importante: o foco se volta para onde o valor é criado, e não onde o trabalho é consumido.

Se você é um líder de marketing, pegue seu processo mais crítico, como, por exemplo, a criação de uma campanha, uma jornada de cliente ou a otimização de mídia, e pergunte: “Se eu aplicasse o OBZ hoje, quantos passos e quantos custos operacionais eu eliminaria?”. A revolução da IA começa com a coragem de apertar o botão “reset” nos seus processos.