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Critério, mudar ou manter?

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Opinião

Critério, mudar ou manter?

Disrupção não se prevê em agendas de business tradicional


18 de junho de 2018 - 14h13

Crédito: maksime/iStock

Vamos fazer um exercício? Música por exemplo. Pense em duas músicas incríveis, que você canta até perder a voz no seu carro. Eu pensei em Smells Like Teen Spirit, do Nirvana, e a segunda, hummm… Communication Breakdown, do Led Zeppelin. Mesmo hoje décadas depois, essas duas músicas ainda mexem com a minha adrenalina a ponto de o coração bater mais forte, da introdução ao último acorde. Então, isso é coisa boa? Claro que é, mas peraí, não é bem isso, é bem mais que isso.

Procure no YouTube Led Zeppelin tocando Communication Breakdown num show televisionado na Dinamarca na década de 1960. Agora imagina a experiência de ver aquilo pela primeira vez naquela época. É claro que o mundo inteiro não teve outra alternativa a não ser se perguntar: “Que-porra-é-essa?” Simples: aquilo era novidade para o cérebro e para o coração das pessoas e por isso se tornava algo único, ou seja, muito além de bom.

A mesma coisa aconteceu com Smells Like Teen Spirit, um arranjo com dinâmicas diferentes, dissonâncias inesperadas, um solo de guitarra que mais parece uma voz cantando e uma voz cantando que parecia mais uma guitarra feroz. Aquela mistura criou uma reação explosiva muito especial levando as pessoas a uma nova dimensão, outra vez, única. Além do bom. Depois disso quantos Led Zeppelins e Nirvanas apareceram? Milhares e, honestamente falando, muitos fazendo música boa, tragável, que a gente até ouve batendo o pé. Afinal, o que não faz uma boa referência, não é mesmo?

Mas o fato é que quando coisas únicas chegam aos nossos cérebros e corações, elas criam uma química que torna a nossa vida uma experiência incrível. Lembra do Michael Jackson pela primeira vez fazendo o Moonwalk ao vivo no aniversário da Motown? O Garrincha fazendo aqueles dribles nunca vistos antes? A cara de espanto de artistas renomados vendo o Metallica tocando One no Grammy? O Gorila da Cadbury tocando bateria numa música do Phil Collins? O primeiro iPhone? Felix Baumgartner pulando no Red Bull Stratos? (Meu Deus, até o corretor ortográfico do meu editor de texto sabe quem é Felix Baumgartner) A imagem de um foguete do Elon Musk voltando de ré do espaço? Tudo isso é novidade para o cérebro e para o coração e assim se tornam únicas, nos inspirando, nos movendo, nos fazendo sentir mais vivos.

A grande dificuldade para criar algo único mora no fato de que é preciso abrir mão de velhas premissas, dos velhos comprometimentos, das velhas receitas, do meio caminho já pronto, da fabriqueta de formatos e da fórmula que dá certo

A grande dificuldade para criar algo único mora no fato de que é preciso abrir mão de velhas premissas, dos velhos comprometimentos, das velhas receitas, do meio caminho já pronto, da fabriqueta de formatos e da fórmula que dá certo. Enquanto a gente não abre mão dessas coisas, a gente vai estar restrito a ser um Lenny Krevitz em vez de querer ser um novo Led Zeppelin, ou seja, uma derivação. Isso não quer dizer que a gente não vai fazer coisa boa. Vai, claro, mas preso ao “bom” não vamos conseguir criar novidades para o cérebro e o coração de ninguém. Não vamos criar coisas únicas.

O nova-iorquino David Byrne, do Talking Heads, escreveu um livro onde reavalia agora depois de maduro e muito bem-sucedido o seu critério. Ele diz que se fosse recomeçar sua carreira hoje novamente faria tudo diferente. Ele criaria música para espaços físicos e arquiteturas, promovendo assim uma experiência mais imersiva em termos emocionais para as pessoas. O livro de Byrne é riquíssimo de exemplos dessas experiências para levar as pessoas aos mais altos e únicos níveis emocionais. Ou seja, se ele pudesse voltar no tempo criaria música puramente orientada a contexto, gerando assim um produto mais poderoso e que permitiria às pessoas sentirem algo realmente único, contextual.

Eu amo essa história porque mostra a atitude de um cara que se torna ainda mais brilhante pelo simples fato de dividir conosco mesmo depois do sucesso sua manutenção de valores, de critérios. Porque critério não pode ser um ponto estático, mas gradual.

Vivemos num mundo que nunca contou com tanta diversidade de recursos, tecnologias e possibilidades para surpreender necessidades ou expectativas. Nunca houve tanta oportunidade para novas conexões. Não estou falando de internet, é muito mais do que isso, é o acesso irrestrito às artes, aos artistas, à medicina, às ciências, à engenharia, à inventividade, a comunidades dos mais diversos tipos, ao mundo do empreendedorismo. Hoje há uma infinidade de ingredientes generosos para impactar cérebros e corações de formas nunca vistas. É mais sobre novas considerações, possibilidades e menos sobre receitas vencedoras. Assim, nunca houve tanta oportunidade para o “único”.

Disrupção é um fenômeno que não dá para ser previsto em agendas de business tradicional porque a disrupção é oriunda de coisas como ausência de julgamento, curiosidade quase ingênua, desobediência a lógica e imaginação sem limites. Como seria possível criar disrupção ou investir nessa busca dentro de um sistema anti tudo isso?

A própria atual definição de criatividade no ambiente corporativo precisa urgentemente ser revista porque já vem com pessimismo na sua definição e um critério muito limitador: resolver problemas. Só isso já restringe no ponto de partida o tipo de alcance que pode ser encontrado por meio da criatividade. Não importando qual nome sua cultura dê a criatividade, mas como as ideias podem criadas, como encontrar esse fator único, que é muito mais significativo do que o bom ou o novo.

No fim do dia, a gente discute essa questão de critério sobre o bom, o novo ou o único em qualquer lugar, porque critério não é mais coisa de diretor de criação, é uma atitude, um drive que distingue as pessoas de qualquer indústria, mas também as marcas e as empresas de todas as naturezas. Em outras palavras, critério levado a sério em algum momento deixa de ser só sobre qualidade e passa a ser sobre uma contribuição para a evolução, sobre novas realizações, sobre os próximos passos da nossa experiência e sobre a nossa expectativa de vida.

 

*Crédito da imagem no topo: Little Visuals/Pexels

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