Assinar

Chegamos à Era Pós-Inovação?

Buscar
Publicidade
Opinião

Chegamos à Era Pós-Inovação?

A inovação corporativa, que antes era vista como uma arena de experimentação e estratégia, hoje, começa a ser enquadrada como centro de custo


6 de junho de 2025 - 14h00

Em maio de 2025, a Unilever encerrou as atividades da sua “Garagem”, hub de inovação criado para acelerar projetos com startups e integrar novas tecnologias ao core do negócio. Criada em 2019, a Garagem foi celebrada como um dos símbolos mais visíveis da inovação aberta corporativa no Brasil. O encerramento, no entanto, passou quase invisível no noticiário empresarial — sem luto, sem balanço, sem debate.

Mas deveria. Esse movimento não é um ponto fora da curva. É parte de uma onda de desmobilização silenciosa (e, em alguns casos, deliberada) das áreas de inovação nas grandes empresas. A questão que precisa ser feita não é “por que a Garagem acabou?”, mas “o que isso revela sobre o momento atual da inovação nas corporações?”.

Vivemos um ponto de inflexão. A inovação corporativa que antes era vista como uma arena de experimentação e estratégia, hoje começa a ser enquadrada como centro de custo — especialmente sob pressão de resultados de curto prazo, aumento de juros e cortes em investimentos de risco.

No caso da Unilever, a Garagem foi apresentada com uma proposta ambiciosa: promover a cocriação, escalar soluções de startups e transformar a cultura interna. Em entrevista à imprensa, a empresa sinalizou que a inovação passa a ser reintegrada às áreas core, dissolvendo estruturas dedicadas em nome de maior integração. Um movimento que, se não for bem estruturado, corre o risco de enterrar junto com a Garagem a ousadia e a ambição que deram origem a ela.

E a Unilever não está sozinha. Faber Castell, Carrefour, GPA e outros tantos são algumas que reestruturaram, congelaram ou descontinuaram áreas e programas de inovação como sinal de eficiência e alta de resultado financeiro imediato.

Segundo o estudo O Futuro da Gestão da Inovação 2025, 64% das empresas estão priorizando a eficiência operacional como principal objetivo da inovação — um salto em relação a edições anteriores e um forte indicativo da guinada pragmática em curso. Crescimento vem em segundo lugar (45%), e diversificação em terceiro (42%). O recado é claro: o foco virou produtividade, otimização, corte de custos.

A meu ver esses movimentos têm algo em comum: a dificuldade de integrar inovação com estratégia e na cultura de negócio, transformando labs em satélites sem gravidade própria. Segundo o estudo, os cinco principais desafios para inovar seguem os mesmos dos últimos anos: pressão por curto prazo (46%), restrições orçamentárias (41%), falta de tempo (40%), aversão ao risco (37%) e baixo engajamento (37%) – ou seja, tudo que é essencial para inovar.

Mas o ponto é, o que se espera de um time ou um hub de inovação? Muitos foram criados para explorar o futuro e a disrupção, mas na prática acabam cobrados por eficiência. Tentam articular pontes entre o hoje e o amanhã, mas acabam soterradas por expectativas que ignoram o tempo de maturação da inovação.

Na busca por melhoria de margem imediata, as áreas de inovação estão migrando para excelência operacional. Inovação como sinônimo de resolver gargalos operacionais. Apagar incêndio com método ágil. Usar IA generativa para reduzir custo com call center é ótimo, mas quem está olhando para aquele horizonte 3 de inovação, a tal exploração de futuros?

E essa é a questão fundamental: explorar futuros não é firula, é base para a sobrevivência de qualquer negócio. Olhar somente para o curto prazo e para o core business nos torna míopes e frágeis. Não importa se é ou não um time dedicado, fora ou dentro das estruturas de negócio, contanto que a visão de exploração faça parte da estratégia organizacional. É menos sobre uma área e sim sobre um sistema distribuído, vivo, transversal.

Enquanto isso há bons exemplos emergindo. A L’Oréal por exemplo acabou de criar uma diretoria global de inovação e foresight, uma abordagem estratégica que visa antecipar e analisar futuros possíveis para informar decisões e ações de longo prazo. Como a própria empresa comunicou, essa estrutura, única no setor, reflete um desejo claro de estruturar e acelerar a inovação, estabelecendo-a como um motor de transformação e geração de desejo.

Outra marca, a Heineken colocou inovação dentro das áreas de trade e canais, usando dados dos distribuidores para cocriar novos formatos de produto — como o Heineken 0.0, fruto direto dessa abordagem integrada. Resultado? Crescimento de share e reconhecimento como uma das marcas mais inovadoras do setor.

O modelo de inovação boutique está em colapso, o que abre espaço para reconfigurar as bases e isso exige:

  • Ambidestria organizacional real: inovação plugada a estratégia, explorando futuros ao mesmo tempo que entrega o dia a dia, com times híbridos e incentivos conectados às metas do negócio. Mais do que nunca, tocar o dia a dia com o futuro, a disciplina com a criatividade é agenda estratégica da liderança.
  • Indicadores claros: definir o que se espera da inovação no core business, e da inovação que preparar a empresa para o futuro. E alinhar as expectativas do tempo e maturidade de cada um deles.
  • Foco em valor capturado, não apenas criado: não basta gerar ideias, é preciso provar que elas geram impacto financeiro ou estratégico.
  • Conflito criativo como rotina: empresas maduras aprendem a acolher o desconforto da inovação, em vez de isolá-lo. E isso é sobre Cultura na veia. Fomentar a troca de expertises e aprendizado entre diferentes visões e perfis é necessário.

O fim da Garagem Unilever é simbólico: marca a necessidade de amadurecimento da inovação como estratégia e da cultura como estrutural. Como o próprio estudo traz, as empresas estão sendo chamadas a reconectar a inovação com o seu propósito. Em vez de abandonar a agenda inovadora, precisamos tornar esse tema mais consciente, mais integrado e, paradoxalmente, mais essencial do que nunca deixando de lado o velho, que já não serve mais, e integrar o novo como parte do sistema.

Publicidade

Compartilhe

Veja também

  • 5 direcionamentos para reaprender a liderar em tempos de IA

    E porque eles são o caminho para seguirmos em frente com coragem e intenção

  • O TikTok Shop marca uma mudança de era no e-commerce brasileiro

    Mas poucos estão preparados, porque a maioria ainda o encara apenas como um novo canal de vendas