Futuro da marca refletirá futuro da cultura
Existe uma mudança cultural em curso em relação a questão de gênero e seu impacto nas marcas será enorme
Existe uma mudança cultural em curso em relação a questão de gênero e seu impacto nas marcas será enorme
Quando Porsche lançou o Cayenne SUV nos EUA, em 2003, provocou revolta. A legião da marca, formada predominantemente por homens, se chocou com a ideia de o território então dominado por eles ser invadido pelas “soccer moms” (expressão utilizada para se referir às mães de classe média, que geralmente são donas de casa, moradoras do subúrbio e acompanham intensamente a rotina esportiva dos filhos, principalmente o futebol) levando as crianças para a escola e as compras de supermercado para casa. A Dr. Pepper, para evitar a associação de bebidas diet a mulheres, lançou em 2011 a Dr. Pepper Ten, que era expressamente para homens e cuja publicidade alertava as mulheres a se manterem longe daquelas dez calorias “masculinas”. Marcas e seus engajamentos e relações com os consumidores tradicionalmente imitam construções sociais, nas quais pessoas são ordenadamente encaixadas em conceitos pré-definidos e comportamentos de masculinidade e feminilidade.
Mas os ventos mudaram de direção. De acordo com a Ipsos, 34% de todos os norte-americanos discordam da afirmação de que “há somente dois gêneros — masculino e feminino — e não uma variedade de identidades de gênero”. Ao redor do mundo, em 35 países, 40% não concordam com a frase. Consumidores mais jovens são a vanguarda dessa mudança: quase 60% daqueles com idade de 13 a 21 (Geração Z), segundo o Pew Research, acreditam que formulários que perguntam sobre gênero devem incluir opções além de “homem” e “mulher”. Existe uma mudança cultural em curso em relação a questão de gênero e seu impacto nas marcas será enorme.
Marcas astutas foram rápidas em perceber e responder a esta mudança. A Billie, marca de lâminas de depilar para mulheres (recentemente adquirida pela P&G) satiriza com o fato de as marcas tradicionais do segmento (muitas, ironicamente, também da P&G) se esquivarem de mostrar pelos femininos. A Milk Makeup exibe seus produtos utilizando modelos transgêneras assim como homens e mulheres cisgêneros. Mas não são somente as marcas mais jovens e progressistas que abraçaram a mudança. Anunciantes como Carter’s, Gap e H&M estão vendendo roupas gender-neutral, a Mattel lançou uma boneca sem gênero e a Coca-Cola veiculou um comercial no Super Bowl com um aceno aos pronomes neutros. No Reino Unido, as marcas não têm escolha — a Advertising Standards Agency estabeleceu diretrizes para barrar a perpetuação de estereótipos de gênero e baniu campanhas de Volkswagen e Philadelphia, por violarem os pontos colocados pela entidade.
Para os anunciantes que estão buscando endereçar a evolução de gênero e incorporar isso na experiência de marca, não é suficiente elencar uma série de iniciativas. Para trazer mudanças culturais profundas para a estratégia da marca, os profissionais de marketing devem focar em três dimensões.
Relevância: seja relevante diante das mudanças de necessidades dos seus clientes. Isso começa com um trabalho de base para perceber como as percepções estão mudando, então, faça com que a marca adote a evolução e, ao mesmo tempo, continue sendo útil e significativa para o consumidor central. A funcionalidade “True Name”, da MasterCard — que permite pessoas transgênero e não-binárias a terem seus nomes reais nos cartões, em vez de obrigá-las a fazer uma mudança legal de nome —, demonstra reconhecimento da importância e da diversidade em torno da identidade. Em uma linha parecida, quando os consumidores reservam um voo pela United Airlines, agora têm a opção de selecionar U (undisclosed/não revelado) ou X (não-especificado) como escolha de gênero.
Autenticidade: seja autêntico em relação a essência da marca e mostre com credibilidade que você defende seus valores. Experiências autênticas de marcas brotam das crenças das próprias marcas, que, por sua vez, criarão uma estrela-guia. Não importa o assunto, finque o pé e mantenha-se firme. Como a Nike, que enfrentou as tempestades provocadas pelo seu apoio a Colin Kaepernick e à justiça racial. A Patagonia permanece fortemente vinculada a sua estratégia de conscientização ambiental e evita a tentação de entrar no assunto de gênero — sintoniza o marketing, apesar de pesquisas acadêmicas sugerirem que ser ecológico tem conotações femininas. Confrontada com backlash e boicote significativos, a Target, em vez de rever sua política de banheiros para transgêneros, investiu US$ 20 milhões para expandir suas opções de banheiros.
Inteligência: muitas vezes, o gênero serviu como função representativa no marketing, prescrevendo certas características para grupos de indivíduos. Em um mundo com dados copiosos sobre preferências e comportamentos individuais, ter de depender do gênero é simplesmente fazer um marketing terrível. Direct brands (como a Birchbox), que estão excepcionalmente posicionadas para capturar e atuar a partir de dados dos consumidores, podem fazer esse movimento para além da categorização de gênero, porque a variável demográfica não acrescenta valor significativo para elas. Uma análise linguística do BAV Group com 33 milhões de posts relacionados a gênero, ao longo de oito anos, aponta que “individualidade” foi o tema de conversa que cresceu mais rápido na intersecção entre marca e gênero. O que você prefere fazer: construir uma marca com base em adivinhação ou baseada em plataformas data-driven, ricas em insights, sobre preferências e comportamentos?
O modo com que olhamos para o gênero, como sociedade ou como anunciantes, está mudando. A mudança é real e irreversível, e as marcas estão descobrindo isso por elas mesmas. A Dr. Pepper Ten acabou sendo consumida mais por mulheres do que por homens, mas não o suficiente para dar um sopro de vida ao produto, que desapareceu, com exceção do site da Dr. Pepper, onde lá está, despido de sua misoginia. E as impensáveis SUVs, tão deslocadas com a suposta masculinidade da Porsche, agora são, de longe, as joias da coroa e os modelos mais bem vendidos do portfólio. É hora de as marcas evoluírem à medida que a construção de gênero arraigada na sociedade começa a ser desmantelada.
*Crédito da foto no topo: Pixabay
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