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Ganhar um Leão em Cannes não significa nada (mas, acredite, significa tudo)

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Opinião

Ganhar um Leão em Cannes não significa nada (mas, acredite, significa tudo)

O esforço de noites mal dormidas (quando dormidas) para se criar Leões em cativeiro, em vez de valor, para quem, no final das contas, paga a conta


4 de julho de 2016 - 18h47

Foto: Reprodução

Foto: Reprodução

Sempre tive certo preconceito (e, confesso, um pouco de vergonha alheia) ao observar o jeito autocentrado e megalomaníaco com o qual se buscam os famigerados Leões em Cannes. Como parte envolvida, sempre me questionei (e ainda o faço) sobre o quanto a vaidade pode nos fazer ingênuos e, em alguns casos, até imaturos.

A premiação pela premiação. A ficha técnica pelo post. O resultado de videocase. O esforço de noites mal dormidas (quando dormidas) para se criar Leões em cativeiro, em vez de valor, para quem, no final das contas, paga a conta. É uma perspectiva dura, mas que reflete, a meu ver, um jeito antigo de se definir sucesso. Uma linha tênue, mas visível, que faz com que um Leão não signifique nada ou signifique muito para um anunciante.

E, digo isso, porque pela primeira vez, acho que consigo compreender melhor essa história toda. Ao ganharmos dois Leões nessa edição do Festival, caíram algumas fichas, que antes, apenas na posição de voyeur, eu não conseguia entender.

1- Se é importante para as pessoas é importante para a gente. Pense bem, nosso mercado é só isso: pessoas trabalhando com pessoas. O único diferencial é ter as melhores pessoas dando o seu melhor por uma causa comum. Desse modo, se ganhar um Leão é importante para nossa agência e parceiros, deveria ser importante também para nós anunciantes. Eu sei que os caras são pagos para serem o mais criativo possível. Mas acreditar que alguém vai criar bem somente porque é pago por isso é racionalizar algo que não é racional.

2- Leão criado em cativeiro é muitas vezes falta de desfio bom. E falta de desafio bom é muitas vezes falta de profissional de marketing bom.

3- Leão requentado no micro-ondas tem gosto de plástico. Enquanto as referências forem as fórmulas dos festivais passados, construiremos, se tivermos sorte, um bom passado hoje. Ninguém tem medo do case que alguém já fez, e, isso é sintomático. O plágio, mesmo inconsciente (se é que isso existe) é tão triste quanto leões enjaulados num zoológico.

4- Ninguém tem medo do case que não existe. Aqui uma escolha: se refugiar na segurança do fantasma já exorcizado ou a coragem para se aventurar fora da bolha do mercado publicitário. Ser o melhor de todos no videogame (e se contentar) ou correr o risco de dar certo onde importa, lá na vida e na conversa das pessoas (de verdade e não somente nas linhas tortas da veiculação leonina).

5- Criatividade gera negócio. Se você não acredita nisso, continue com briefings broxantes ou demita suas agências.

6- A cultura da predestinação é a zona de conforto dos perdedores. Ficar esperando a genialidade alheia é antigo. Achar que só você é criativo é insegurança ou burrice ou os dois. A personificação do sucesso é cafona e mentirosa. O mundo é colaborativo, pressupor que a publicidade não precisa ser, é uma baita arrogância.

7- Ame-a ou deixe-a. Publicidade sem paixão é igual sopa morna.

8- Fazer boa publicidade sobre coisas boas é mais apaixonante. Fazer de verdade é ainda mais.

9- Tente não atrapalhar. Eu fiz muito pouco pelo case que ganhamos. O briefing não foi meu. A ideia não foi minha. Chegou tudo praticamente pronto. Meu único mérito foi não atrapalhar. E, às vezes (muitas vezes), é isso que se espera da liderança.

10- Não acredite em tudo que você vê (principalmente em sua timeline). Vale para a vida, vale para as premiações. O videocase é uma ode às virtudes, uma coletânea do que deu certo. O post da vitória é só alegria. O que deu errado não é glamouroso, mas é, muitas vezes, o maior aprendizado e o atalho para se aprender a caminhar criativamente, antes de todo mundo e com as próprias pernas.  Leões e criatividade se misturam, mas podem até se anular — “matar o leão de cada dia” é notável, mas é jobeiro. “Fazer um Leão a cada dia” é criar valor para o negócio e, sobretudo, é manter a chama da boa propaganda sempre acesa dentro da gente — sem ela tudo fica chato, burocrático e incapaz de inspirar alguém a ler para uma criança ou fazer qualquer transformação para melhor.

Eu amo fazer o que eu faço e não poderia estar melhor acompanhado — gente legal, apaixonada e faminta por fazer história. Para mim, só assim é possível. Só assim vale a pena.  Ganhar um Leão em Cannes para preencher a prateleira não significa nada, nos ilude e sai caro. Mas, acredite, quando ele é a decorrência genial do que precisava efetivamente ser feito, significa muito e sai barato.

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