Opinião

Impactos das tarifas de Trump no ecossistema digital

Tarifa a produtos brasileiros acende alerta no setor digital e ameaça avanços em tecnologia e marketing

Rodrigo Neves

Presidente Nacional da AnaMid e CEO da VitaminaWeb 6 de agosto de 2025 - 13h46

A decisão unilateral do presidente Donald Trump de aplicar uma tarifa de 50% sobre todos os produtos brasileiros exportados aos Estados Unidos a partir de 1º de agosto de 2025 marca um novo capítulo nas relações comerciais entre os dois países — e lança incertezas importantes sobre o futuro do mercado digital brasileiro, que engloba marketing, tecnologia e inovação.

Embora à primeira vista a medida pareça direcionada a commodities e bens industriais, os efeitos indiretos e sistêmicos sobre o ecossistema digital são relevantes e merecem atenção imediata.

Um contexto comercial contraditório

Trump justifica a medida alegando que os EUA sofrem déficits comerciais com o Brasil, mas dados de entidades como Amcham, CNI e FGV apontam o contrário: desde 2009, os EUA mantêm superávit com o Brasil. Além disso, 79% das exportações brasileiras ao mercado norte-americano são compostas por bens industriais e de alto valor agregado — um perfil diferente do que ocorre, por exemplo, na relação comercial com a China.

Em 2024, cada R$ 1 bilhão exportado aos EUA gerou 24 mil empregos e R$ 3,2 bilhões em produção local no Brasil, segundo estimativas do setor. Tarifas dessa magnitude colocam em risco esse círculo virtuoso de geração de renda e emprego.

Impacto direto: restrições ao comércio de tecnologia e plataformas digitais

Na carta oficial divulgada pela Casa Branca, Trump afirma que a decisão está relacionada a supostos “ataques do Brasil ao comércio digital de empresas americanas”, citando restrições impostas a plataformas como Google, Meta e Amazon Ads por decisões judiciais ligadas à LGPD e à atuação do STF. A menção à abertura de uma investigação com base na Seção 301 da Lei de Comércio dos EUA acende o alerta para possíveis retaliações adicionais.

A ameaça de novas barreiras pode afetar diretamente a presença e os investimentos das big techs no Brasil, com potencial revisão de suas estratégias de expansão regional. Além disso, softwares de automação, CRM, análise de dados e soluções de cloud computing — amplamente utilizados por empresas brasileiras — podem ter seus custos inflacionados caso o Brasil adote medidas tarifárias de retaliação.

Aumento do custo de hardware, infraestrutura e riscos para startups internacionalizadas

Um dos impactos indiretos mais imediatos está na cadeia de equipamentos utilizados por agências, startups e empresas martech. Muitas delas dependem de servidores, computadores e sistemas embarcados importados, cuja aquisição pode se tornar significativamente mais cara se houver contramedidas tarifárias por parte do Brasil. Produtos como servidores, equipamentos de rede e workstations podem sofrer aumentos de preço, dificultando operações que envolvem inteligência artificial, computação em nuvem e desenvolvimento de software.

O cenário também impõe novos desafios às cerca de 3 mil empresas brasileiras com presença nos EUA, especialmente startups que utilizam as cidades de Delaware ou Miami como portas de entrada para a internacionalização. A tarifa gera insegurança jurídica, elevação de custos logísticos e redução da competitividade.

O setor de produtos digitais, como games, softwares, conteúdos educacionais online e mídia licenciada, também pode ser prejudicado. Caso essas soluções passem a ser classificadas como “produtos” pela estrutura tarifária americana, tornam-se potenciais alvos da sobretaxa. Isso comprometeria a competitividade de produtos digitais brasileiros em um dos maiores mercados do mundo.

Barreiras afetam também o marketing internacional e são ameaças à inovação

O setor de marketing digital e publicidade programática também sente os reflexos da medida. Plataformas brasileiras que exportam mídia, soluções DMP/CDP, tecnologia de dados e serviços criativos para os EUA enfrentam o risco de cancelamento de contratos, aumento das exigências de compliance e dificuldades adicionais para operar via ferramentas hospedadas em solo americano.

O risco de retaliação cruzada também pode afetar o tráfego de dados transfronteiriços e o uso de plataformas amplamente utilizadas por empresas brasileiras, como HubSpot, Marketo, AWS, Azure, Google Cloud e APIs de IA generativa fornecidas por empresas como OpenAI, Anthropic e Perplexity.

O Brasil vive um momento estratégico de amadurecimento digital. No entanto, tarifas como as impostas por Trump podem interromper parcerias com centros de pesquisa nos EUA, reduzir o apetite de fundos de venture capital, e inibir o avanço de tecnologias emergentes como IA generativa, blockchain e Web3. Além disso, podem desestimular a participação de empresas brasileiras em programas de incentivo à inovação, como o SBIR/STTR norte-americano.

Preocupação no mercado digital brasileiro

O mercado e a indústria digital brasileira veem com preocupação o uso de critérios políticos e ideológicos como justificativa para sanções econômicas que ameaçam a integridade de um ecossistema digital dinâmico, democrático e gerador de valor para ambos os países. O setor digital brasileiro representa hoje 8% do PIB nacional, emprega mais de 500 mil pessoas direta e indiretamente, e é um dos principais motores da nova economia baseada em dados, experiências e tecnologia.

Portanto, é imprescindível que o governo brasileiro trate o setor digital como estratégico em sua resposta diplomática e econômica e que softwares, licenças digitais, dados e plataformas tecnológicas sejam excluídos de qualquer eventual retaliação tarifária;

As tarifas anunciadas por Trump são um sinal de alerta. Mesmo que não incidam diretamente sobre softwares ou serviços digitais, o risco sistêmico para o ecossistema brasileiro é real e imediato. É hora de proteger o que construímos nas últimas duas décadas em marketing, tecnologia e inovação. O mercado digital não pode ser moeda de troca em disputas políticas. O futuro do Brasil passa pela economia do conhecimento e a AnaMid seguirá atuando para defender e representar essa visão.