Já fez o juramento de Hipócrates?
Quantas vidas a mais teriam sido salvas se os publicitários tivessem conseguido convencer mais pessoas a usarem máscara, lavarem as mãos e a manterem o distanciamento social?
Quantas vidas a mais teriam sido salvas se os publicitários tivessem conseguido convencer mais pessoas a usarem máscara, lavarem as mãos e a manterem o distanciamento social?
Hipócrates nasceu na ilha grega de Kos, em 460 a.C. Nasceu ou teria nascido, porque os cartórios de registro civil ainda não tinham sido inventados. O que é certo é que ele cresceu e se tornou o “pai da medicina”. Ainda hoje existe na minúscula ilha a “Árvore Plana de Hipócrates”, um plátano escorado por andaimes, onde o grego teria ensinado medicina aos seus alunos. A fama de Hipócrates, assim como o tal plátano, sobreviveu ao tempo e chegou aos dias atuais. Quem já foi a uma formatura de medicina sabe que um dos momentos mais esperados é o “juramento de Hipócrates”.
De acordo com a versão de 1983 (há uma mais recente, de 2017), o formando promete consagrar a vida ao serviço da humanidade, exercer a sua arte com consciência e dignidade, colocar a saúde do doente como primeira preocupação, entre outras juras igualmente nobres.
Guardadas as devidas proporções, este é o mesmo juramento que todo publicitário que começa a trabalhar com pharma e healthcare deveria fazer. Porque, mais importante do que lucro ou reconhecimento, o negócio (que, sim, movimenta milhões de dólares e tem abocanhado cada vez mais prêmios) é sobre ter um impacto positivo na vida das pessoas.
Mesmo sem fazer formalmente o juramento, ou sequer trabalhar em healthcare e pharma, muitos publicitários já fizeram trabalhos com a mesma “consciência e dignidade” e consagraram a sua vida ao serviço da humanidade.
No fim dos anos 1990 e começo dos 2000, a Arnold e a Crispin Porter & Bogusky uniram-se para atender a American Legacy Foundation. Além das agências terem uma conta de US$ 150 milhões – US$ 225 milhões (na altura), puderam criar a campanha “Truth”, que ganhou todos os prêmios possíveis e imagináveis, com execuções brilhantes como o Singing Cowboy e a sitcom Fair Enough. Reconhecimento e grana já estariam de bom tamanho. Mas uma campanha como essa foi capaz de salvar milhares, talvez até milhões, de vidas, ensinando os adolescentes a desconfiarem da indústria tabagista. Mais healthcare, impossível.
A Master, em Curitiba, fez um relevante trabalho para o Ministério da Saúde ao longo de quase uma década. Prevenção ao câncer de mama (com o anúncio “junte A com B” e com a Cássia Kiss), uso da camisinha (com o comercial do “Bráulio”, da “Kelly Key” e muitos outros), conscientização sobre o HIV (com a experiência social “Cadeira”), combate ao tabagismo (com o filme “Traficante”). Essas e outras campanhas deixaram o dono da agência feliz, os criativos satisfeitos e, mais do que isso, mudou a vida das pessoas.
Mais recentemente, a Ogilvy de São Paulo colocou “a saúde do doente como primeira preocupação” quando criou a VR Vaccine para o laboratório Hermes Pardini e fez as crianças perderem o medo da agulha, ou quando convenceu os torcedores do Sport de Recife a doarem os seus órgãos, fazendo com que a paixão pelo Leão da Ilha não morresse com eles. É health, sem ser health. É Cannes, mas também é Hipócrates puro, sem faculdade de medicina antes.
No último Clio Health, o Grand Clio foi para a AMV BBDO, para uma campanha criada pelos brasileiros Diego Cardoso e Caio Giannella, “Viva la Vulva”, para Libresse. Uma grande ideia, capaz de fazer pelas mulheres o que muitas horas no ginecologista não foram capazes de fazer: que elas aceitassem e amassem a própria vagina. Conheço os criativos, e tudo bem que o horário das agências em Londres é mais tranquilo, mas tenho certeza de que eles não tiveram tempo de cursar a faculdade de medicina depois do trabalho. E nem precisaram. Os dois ajudaram a saúde das mulheres sem nunca terem vestido um jaleco branco.
Se as palavras no juramento de Hipócrates já eram importantes antes, agora passaram a ser urgentes e necessárias. Quantas vidas a mais teriam sido salvas se os publicitários tivessem conseguido convencer mais pessoas a usarem máscara, a lavarem as mãos, a manterem o distanciamento social? Quantas vidas ainda podem ser salvas se conseguirmos levar mais pessoas a vacinarem-se contra a Covid-19?
O mundo precisa cada vez mais de publicitários que acreditem no juramento de Hipócrates, que repitam aquelas palavras todos os dias e que acreditem no seu significado. Estejam eles trabalhando em agência especializada em healthcare ou não. Porque, como pudemos aprender duramente, sem saúde não há negócio que sobreviva.
*Crédito da foto no topo: iStock
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