O futuro do streaming
Ótimo conteúdo não é o único fator para liderar esse mercado
Ótimo conteúdo não é o único fator para liderar esse mercado
13 de novembro de 2019 - 16h15
Nos últimos meses, muitas pessoas com quem tenho conversado me fazem a pergunta de US$ 1 milhão: “Qual é o futuro do streaming?”. Duvido que alguém tenha essa resposta, mas, como trabalhei em quatro dos cinco maiores estúdios de Hollywood e lancei o serviço de streaming Fox+ no Brasil, me sinto tentado a opinar.
É consenso que, dificilmente, haverá espaço para muitos players nesse mercado, já que o modelo de negócios dos estúdios está baseado em um pagamento de assinatura mensal e consumidores têm muitas contas para pagar todo mês com itens de entretenimento, além de filmes e séries, como música, games e livros.
Também escuto que muitas pessoas irão concentrar seu rico dinheiro na assinatura de Netflix e Disney, baseado no conteúdo produzido até hoje, e que, portanto, eles serão os grandes vencedores dessa corrida ao pote de ouro do streaming.
Mas focar somente em conteúdo nos dá uma resposta relativa para a grande pergunta. Precisamos olhar para os outros fatores que, aliados ao conteúdo, formam os pilares dessa indústria: tecnologia, investimento e distribuição.
Se olharmos primeiro para a referência do mercado, o que fez da Netflix a grande vencedora até agora? Uma combinação explosiva de ótimo conteúdo com uma tecnologia de ponta que faz com que o consumidor tenha sempre uma grande experiência e eles tenham uma base de dados fantástica que permite identificar hábitos e preferências dos seus consumidores em escala global.
Mas nem tudo são flores para os líderes: seus acionistas não vislumbram lucro a médio prazo, já que a empresa continuará investindo cerca US$ 20 bilhões por ano na produção e aquisição de filmes e séries, para que seus consumidores nunca pensem em deixar de pagar sua mensalidade.
Ora, se uma companhia dá pouco lucro e aumenta muito seus custos, seu endividamento aumenta. Com a possibilidade de perder algumas séries e filmes de grande audiência de seu catálogo para seus donos originais, precisará investir ainda mais em produção de conteúdo de alta qualidade, e a conta ficará difícil de fechar.
E a Disney? A empresa tem se destacado nos últimos anos por produzir os maiores blockbusters do cinema, seu pipeline de filmes continua muito forte e suas franquias adoradas pelos fãs permitem o desenvolvimento de uma infinidade de séries e filmes, garantindo receitas futuras.
Ela também poderá escolher se irá lançar seus filmes nos cinemas ou no streaming para manter seus assinantes cativos e, se a isso juntarmos as produções de Fox e ESPN, temos uma programação de qualidade para agradar um público amplo. O combo desses conteúdos e sua força global de marca devem ser suas maiores fortalezas.
Mas a corporação tem dois grandes problemas para resolver:
1. O alto endividamento após ter que pagar um sobrepreço pela Fox, o que poderá fazer com que acionistas pressionem o CEO Bob Iger para diminuir custos e investimentos, afetar sua produção de novos conteúdos e até mesmo fazer com que tenha que distribuir seus produtos para os concorrentes para fazer caixa.
2. A empresa ainda não entrou no mercado de streaming (exceto nos EUA, Canadá e Holanda), e não se sabe que nível de tecnologia será empregado no seu serviço. Todos sabem que o início da implantação do serviço pode gerar muitas dores de cabeça e reclamações de consumidores pelo mundo (lembrem de HBO Go e Game of Thrones).
E os outros estúdios, que nunca fizeram investimentos nas suas marcas-mãe e agora terão que investir dinheiro para vender diretamente ao consumidor?
A AT&T, dona do conteúdo da Warner Media (filmes da Warner e programação da Warner, CNN, TNT, Cartoon e Esporte Interativo), e que tem aquele que parece ser o leque mais amplo de programação, sofre também com um endividamento gigantesco de US$ 180 bilhões após a compra da Warner e DirecTV.
Sua tecnologia também é uma incógnita, já que seu único serviço de streaming, o HBO Go, teve uma performance ruim quando foi exigido durante a última temporada de Game of Thrones. Não se pode ignorar uma companhia dona de marcas como Harry Potter, DC Comics, Cartoon Network, Big Bang Theory e Supernatural e licença de campeonatos com a Champions League, mas com essa dívida, pode ser que tenha que se desfazer das suas maiores franquias para fazer caixa.
A Comcast — dona da Universal, Dreamworks e NBC — apesar de seu ótimo conteúdo e seus parques para sustentar as franquias e seu negócio a longo prazo, parece estar entrando muito tarde na guerra. Além de sua tecnologia ser uma incógnita, também sofre com o enorme endividamento após a compra da Sky na Europa.
A Viacom — dona da Paramount e CBS, e que chegou a lançar os primeiros filmes da Marvel e Dreamworks — também não parece ser uma das protagonistas desse mercado no futuro. A empresa se perdeu durante a gestão anterior de Philippe Dauman, que preferiu colocar o dinheiro na recompra de ações para inflar seus ganhos ao invés de investir em conteúdo e aquisições.
No mercado local, não podemos esquecer da Globoplay, serviço da maior empresa de TV do País, que tem penetração de mais de 90% nos lares brasileiros e conhece seu target como ninguém. As duas questões-chaves aqui são: será que consumidores pagarão uma mensalidade para assistir um conteúdo que sempre tiveram de graça e como competir em investimento e tecnologia com players gigantes e de escala globais?
Mas, talvez, a maior ameaça ao domínio do mercado por Netflix e Disney venha justamente de empresas pouco conhecidas pela produção de conteúdo e muito pelo seu desenvolvimento tecnológico de ponta: Amazon e Apple.
A Amazon tem uma presença fortíssima nos EUA e mais 18 importantes mercados pelo mundo como Reino Unido e Japão, e graças ao serviço Prime, que dá direito a assinatura do Prime Vídeo, já tem mais de 100 milhões de assinantes.
Sua tecnologia de ponta tanto para o streaming quanto para áreas distintas como varejo, cloud, assistente de voz e inteligência artificial, pode fazer com que rapidamente desenvolva e adquira conteúdos sob demanda para seu público. No último Emmy, já levou prêmios principais, mas ainda não teve nenhum sucesso de alcance global que levasse seu serviço a um outro patamar.
A empresa tem um endividamento até grande, mas encontrou o caminho da lucratividade recentemente e dinheiro parece não ser um problema para o time de Jeff Bezos.
E, finalmente, a Apple, que estreia seu serviço de streaming agora em novembro com grandes estrelas e produtores de Hollywood. O conteúdo mostrado na última conferência foi apenas OK, mas é importante lembrar que a empresa liderada por Tim Cook vendeu quase 1 bilhão de iPhones nos últimos cinco anos para um público que está acostumado a pagar mais por qualidade. Para se ter uma ideia, aproximadamente 80% do lucro da venda de celulares no mundo fica com a Apple. Com o advento do 5G, os telefones ganharão ainda mais importância para visualizar o conteúdo. A Apple sabe promover muito bem seus serviços e, nos EUA, já é líder no mercado de streaming de música superando o Spotify.
Apesar da empresa focar seu investimento em tecnologia para melhorar o hardware, ao contrário de Google e Amazon que que focam no software, não podemos duvidar de alguém que tem mais de US$ 200 bilhões (!!!) em caixa, prontinhos para serem investidos em conteúdo e aquisições.
Isso tudo sem falar na hipótese de Facebook e Google também decidirem entrar no jogo com todo seu capital, tecnologia e incrível banco de dados com informações detalhadas sobre consumo de seus usuários.
Do meu lado, acredito que as empresas com melhor tecnologia e dinheiro para investir irão prevalecer, pois poderão comprar o conteúdo das outras empresas e saberão identificar o que os consumidores querem, o que me faz apostar na Apple e Amazon no longo prazo.
O fato é que, com a estreia dos serviços da Apple e Disney (a partir de 1º de novembro), veremos as estruturas do mercado de entretenimento se movendo em novas direções e impactando consumidores. Assim como os grandes filmes de Hollywood, assistiremos a uma história que deixará heróis e vilões pelo caminho, com grandes reviravoltas, e cuja desfecho vale muito mais que US$ 1 milhão.
**Crédito da imagem no topo: Onfokus/iStock
Compartilhe
Veja também
Quando a publicidade vai parar de usar o regionalismo como cota?
Não é só colocar um chimarrão na mão e um chapéu de couro na cabeça para fazer regionalismo
Marketing de influência: estratégia nacional, conexão local
Tamanho do Brasil e diversidade de costumes, que poucos países têm, impõe às empresas com presença nacional o desafio constante de expandir seu alcance sem perder de vista a conexão com as comunidades