Os limites intransponíveis da criação publicitária hoje
Os temas mais visivelmente sensíveis hoje estão ligados à diversidade. Mas é exatamente aí que marcas e empresas estão precisando se provar e, corajosamente, se engajar e ousar mais
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24 de setembro de 2021 - 13h48
A criação publicitária é um pedaço de arte feito negócio. Criativos são elaborados profissionais da imaginação. E imaginar é algo sem fim. Mas como estamos no mundo dos negócios e como somos bichos sociais, imaginar no mundo da propaganda precisa obedecer a certas regras.
E aí vive a maior contradição dessa atividade: criar sob limites. Crie, mas não transponha. Ouse, mas não abuse.
É como respirar com uma narina só. Olhar só com o olho esquerdo. Comer com a direita, sendo canhoto.
Vimos recentemente o episódio da peça criativa dos profissionais da W+K para o Clube de Criação. Caso clássico de responsabilidade inequívoca que todos nós, profissionais, devemos ter diante do ambiente em que vivemos, além de exemplo expressionista de como criar, neste negócio, tem limites que precisam, porque precisam, ser intransponíveis.
A intransponibilidade de limites criativos para quem atua na criação publicitária é um dado da planilha. Ok.
Mas onde fica o perímetro do permissível e do possível? E quem estabelece que é ali que o inferno começa? Dante?
Isso varia e oscila como um pêndulo de Foucault eterno, dependendo de quem paga seu salário, de como anda o mood da sociedade em que você vive, de como andam os negócios do seu cliente, de como você acordou hoje.
Os temas mais visivelmente sensíveis hoje estão ligados à diversidade. Mas é exatamente aí que marcas e empresas estão hoje precisando se provar e, corajosamente, se engajar e ousar mais. Os criativos são agentes dessa necessidade e desse compromisso. Cabe a eles dar forma e criar narrativas que avancem no posicionamento, mas não avancem sinais.
Curioso e necessário lembrar também que a criação, como elo da cadeia, depende dos outros elos da mesma cadeia para fazer o que precisa fazer. Há os insumos (o briefing, que alguém passa), há os canais (o plano de mídia, que alguém que viu a peça criada, executa) e há as instâncias de validação (a aprovação, que alguém, em última análise, assina em embaixo).
Quando alguma fronteira é indevidamente ultrapassada, em geral, trata-se de um deslize de co-autoria generosa, porque de todos. A criação imaginou, como tem que imaginar. Mas muitos outros agentes protagonizaram tantas outras ações e decisões igualmente relevantes.
Tudo na publicidade tem como objetivo o âmbito público, como o próprio nome revela, e o público é responsabilidade coletiva. Nesta indústria, tudo que se torna público tem responsabilidade compartilhada. A intransponibilidade também.
Herrar é umano. Mas há herros impossíveis de serem admitidos e quem pisou na bola precisa, profissionalmente, ser, de alguma forma, penalizado. Leis do mercado. E da ética nos negócios.
Para os criativos e para a criação, trata-se, num mundo cada vez mais prenhe de limites e novos códigos, de uma atividade que precisa lidar com uma sociedade que vive permanentemente à beira de um ataque de nervos. Alto risco. Que agora vai bem mais além do risco de romper com os padrões e tentar pensar fora da caixa, mas que incorpora também manuais e mais manuais de novas boas práticas. Um olho no peixe, outro no gato.
Fui diretor de criação por dez anos e acredito que a criação publicitária tem hoje um dos momentos mais promissores para o exercício da imaginação sem limites. O que é, afinal, a alma deste negócio: reinventar-se o tempo todo.
Hoje é possível para um criativo avançar sinais e se sair com uma ideia não de uma campanha, mas, quem sabe, de um novo negócio inteiro para seu cliente. E hoje, muito possivelmente, o cliente vai olhar com carinho e admiração se isso acontecer. Algo nada usual em passado não muito distante.
Mas lidar com esse jogo do decifra-me ou te devoro diariamente não é tarefa das mais fáceis. Nada desculpa nada, mas é como (mal comparando) erro médico: é sempre radical.
Novos erros virão. Novas punições (justamente ou não) ocorrerão. Novos códigos teremos que incorporar.
O que se deve preservar é a essência dessa que é, sem dúvida — com respeito a todas as demais — a mais fascinante das atividades da publicidade desde sempre. Aquela que tem no nome o verbo que deu origem a tudo que conhecemos e que, contraditoriamente ou não, é paga para testar os limites do intransponível. E se atirar em abismos.
*Crédito da foto no topo: JBKdviweXI/ Unsplash
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