Desativar barragens é investimento de branding
Ações da Vale priorizam gestão de imagem frente à impacto financeiro
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4 de fevereiro de 2019 - 17h30
A Vale anunciou que irá fazer o descomissionamento das suas barragens que possuem estruturas similares àquelas da barragem de Brumadinho e Mariana, responsáveis pelas maiores tragédias ambientais que se tem notícia no País.
O custo disso é bastante alto: cerca de R$ 5 bilhões, num plano de três anos, e redução de aproximadamente 10% da sua capacidade produtiva. O anúncio da medida fez disparar a cotação do minério de ferro na China, o principal comprador global, e pode impactar os resultados da Vale para os próximos anos. Somados os custos de desativação e a perda de faturamento em função da redução da capacidade produtiva, esse deve ser o maior valor em imagem de marca já investido no Brasil.
Mas poucos considerariam esse investimento como sendo de imagem de marca. A verdade é que estamos muito acostumados a entender branding como uma ferramenta de comunicação, como um processo de conexão com um consumidor, e não como um processo de gestão que leva em consideração um conjunto maior e mais complexo de stakeholders.
Essa correlação entre branding e comunicação (especialmente publicitária) é antiga e errada. Ela vem de um pensamento especialmente da indústria de bens de consumo, voltada para o consumidor final, que entende que uma marca mais simpática aos olhos dos consumidores gera maiores vendas. Ainda que esse efeito seja verdadeiro, o fato é que marca é muito mais do que isso.
Essa visão limitada de branding, presente até hoje na maioria das empresas e, especialmente, nas agências de publicidade e design, faz com que muitos confundam a prática do branding com a prática de planejamento de comunicação. E que projetos de branding sejam pensados sem o entendimento completo da estratégia empresarial.
É importante notar que mesmo após uma crise de imagem, muitas empresas acabam não sendo tão impactadas em suas vendas e seus negócios, como seria de se esperar. Casos recentes, como o da Volkswagen e Zara, nos trazem esse indicativo.
A Volkswagen, deliberadamente, manipulou relatórios de emissão de poluentes em seus carros e mesmo que o preço de suas ações tenha reduzido durante o desdobramento do episódio, suas vendas aumentaram desde então, e a companhia recuperou a liderança global de vendas sobre a Toyota.
A Zara teve repetidos casos de envolvimento com trabalho escravo por meio das confecções contratadas por ela, especialmente no Brasil. Apesar do furor inicial com as notícias, não percebemos qualquer prejuízo ao seu negócio no Brasil como resultado direto disso. Ela continua a aumentar o número de lojas no País.
Esses casos mostram que, ainda que a maioria dos consumidores recriminem práticas nocivas ao meio ambiente e sociedade, isso nem sempre se traduz em uma mudança de comportamento de compra. E nesses dois exemplos a escolha da compra estava diretamente nas mãos do consumidor. Já em mercados B2B, onde essa escolha é indireta, esse efeito tende a ser ainda menor.
No caso da Vale, que produz insumo para siderúrgicas que só no final da cadeia irá impactar o consumidor, a repercussão da tragédia ao grande público tende a ser marginal. É difícil conceber que algum consumidor vá seguir a cadeia de produção de um automóvel ou geladeira para se certificar que o ferro presente no produto não se originou de uma mina da Vale.
A tragédia de Mariana teve um efeito nulo nos negócios da empresa no médio prazo. As ações da Vale, na época, tiveram uma queda. Mas essa queda se mostrou momentânea. A variação dos preços das ações acabou sendo mais influenciada pelo preço da cotação do minério de ferro mundialmente do que pela repercussão da tragédia. O caso de Brumadinho, apesar de todo o impacto em vidas humanas, infelizmente, não teria razões para ter um desfecho diferente. Ainda na semana passada, as ações da Vale já reverteram parte dos prejuízos dos primeiros pregões pós Brumadinho.
Se essas ações propostas pela Vale não têm respaldo diretamente comercial, todo esse investimento está sendo feito para que ela melhore sua imagem de marca.
O CEO da Vale aprovou as medidas custosas para reparar a imagem da companhia não focada em seus clientes, pois, se o ferro tiver a qualidade e o preço esperado, eles continuarão a comprar.
O que está em jogo aqui é a imagem perante às comunidades em que ela está presente, a percepção da imprensa, do governo e da sociedade brasileira. Veja que a questão da recuperação da imagem não está relacionada apenas a ações publicitárias. Ela está relacionada a ações efetivas, que de fato impactam a vida de pessoas, cidades e estados que estão envolvidos com a empresa. É muito diferente essa ação proposta pela Vale (caso seja concretizada) do que a campanha que a Samarco fez após Mariana, num dos mais canalhas esforços de publicidade já vistos no Brasil.
Essas ações, aparentemente efetivas, reduzem o medo dos cidadãos que moram próximos às outras centenas de barragens da Vale. Reduz a preocupação de prefeitos de cidades que são em grande parte sustentadas pelos impostos pagos pela Vale, reduz a preocupação do governo de Minas Gerais, que recebe um valor bilionário em imposto da companhia, e do governo federal, que verá a opinião pública reduzir a pressão por regulamentações, inspeções e sobre o próprio governo em si. Em suma, as ações criam um ambiente mais propício ao incremento de negócios da Vale. Essa, essencialmente, é a função da marca.
E, para conseguir cumprir essa função, a marca deve ser capaz de ser muito mais do que um esforço de comunicação, mas se transformar numa filosofia de gestão empresarial. Isso é o que a Vale, talvez sem se dar conta disso, está fazendo nesse momento. Um investimento bilionário em ações reais e efetivas para melhorar a imagem da marca, e com isso, melhorar o seu ambiente de negócios.
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