Pare de vender sonhos perfeitos
A não ser que você trabalhe em uma grande rede de padarias, eu imploro: não prometa sonhos perfeitos; isso não é coisa de marketeiro
A não ser que você trabalhe em uma grande rede de padarias, eu imploro: não prometa sonhos perfeitos; isso não é coisa de marketeiro
23 de novembro de 2020 - 13h49
“Isso é coisa de marketeiro”. Se algum conhecido usar essa frase, você acha que ele está falando sobre algo bom ou ruim? Pela minha experiência, em 90% das vezes, isso está associado a mutreta ou lorota. Temos que admitir: a reputação dos marketeiros não é nada boa. Apesar de ajudarmos a salvar resultados, nossa imagem está muito longe da que foi justamente conquistada pelos bombeiros, por exemplo. Provavelmente, estamos no mesmo nível dos vendedores de carros usados ou dos advogados de porta de cadeia. Em parte, isso se deve à atuação de alguns profissionais de marketing político (uma matéria que me impressiona, devo confessar). Mas não é só por isso. O uso de exageros, manipulações de opiniões e técnicas de persuasão questionáveis colocam a nossa credibilidade em cheque.
Tempos atrás, o presidente de uma das faculdades mais respeitadas do Brasil me chamou para conversar e revelou, francamente: “Os jovens de hoje não querem mais ser como você”. O número de inscrições para os cursos relacionados à propaganda e marketing estão desabando. Mas isso não acontece com os outros cursos. Entre as suas conclusões, ele me dava a entender que a nova geração quer fazer algo com um propósito maior e que não vê isso em uma profissão que fica tentando enganar as pessoas. Fiquei chocado.
Quem nunca viu um anúncio que passa uma mensagem do tipo “Venha para o mundo encantado das famílias perfeitas e felizes consumindo essa gelatina” ou “Faça parte do seleto grupo de pessoas que vencem na vida usando esse aplicativo”. A gente gosta de fazer isso. A verdade é que quem trabalha com publicidade consegue ver facilmente uma fábrica de autoconfiança em um creme dental.
Não estou tentando acabar com a mágica da comunicação, nem com o uso perfeito de palavras bonitas, convincentes e agradáveis, que esclareçam a beleza por trás dos produtos, gerando desejo e interesse pelas suas verdadeiras qualidades. Mas uma coisa é explorar muito bem todos os atributos positivos de uma girafa e outra é apresentá-la como uma zebra. Aí está o limite da ética, da integridade e de uma publicidade bem feita.
Sou um crítico do marketing “mentiroso”. Não porque duvide que ele gere mais vendas. Mas porque acredito que isso não seja cumprir o nosso papel da melhor forma. É uma questão de tempo para que os consumidores percebam as inverdades que são faladas nas propagandas e destruam o crédito de uma marca. Uma reputação que demorou anos para ser construída e que pode ser perdida em segundos.
Quanto mais usamos de padrões éticos questionáveis oferendo promoções enganosas, criando falsas promessas e fingindo ser quem não somos, maior o desserviço que estamos fazendo para o consumidor, para a profissão e, principalmente, para a nossa própria consciência. Alguém pode até achar legal usar de espertezas que consigam provocar bons resultados no curto prazo e deixar a bomba estourar nas mãos de outra pessoa. É possível se safar assim. Mas estou menos preocupado com as vendas e mais com o exemplo que estou deixando.
Ouso dizer que, pelo menos, 20% de tudo que os olhos e ouvidos dos brasileiros “consomem” ao longo do dia foram criados, produzidos, veiculados ou influenciados por um orçamento de marketing. Um dinheiro que tem os seus objetivos. E profissionais que têm os seus valores. Se soubermos usar isso com responsabilidade, conseguiremos fazer muito mais do que bater metas de vendas. Temos a oportunidade de influenciar a sociedade, criar bons hábitos e estabelecer referências positivas.
Aqueles minutos em que anunciante e agência concordam em uma mensagem que será amplamente divulgada são muito importantes. Ainda que seja uma decisão coletiva, todos que participam do processo têm uma chance de influenciar, ponderar vantagens e desvantagens e lembrar o que é correto. É nessa hora que você ajudará o mercado a ser mais íntegro e a nossa classe a ser mais respeitada, mostrando para os jovens que nosso trabalho faz uma diferença positiva no mundo e reforçando seu legado pessoal.
A não ser que você trabalhe em uma grande rede de padarias, eu imploro: não prometa sonhos perfeitos. Isso não é coisa de marketeiro.
*Crédito da foto no topo: Ajwad Creative/iStock
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