Por casamentos duradouros
Precisamos falar de remuneração justa, antes de analisar as demais práticas condenáveis e admiráveis da indústria
Precisamos falar de remuneração justa, antes de analisar as demais práticas condenáveis e admiráveis da indústria
18 de novembro de 2024 - 14h00
Em um mercado de prestação de serviços como o nosso, todo mundo quer saber o que o cliente busca. Mas, recentemente, aqui no Meio & Mensagem, o Alexandre Zaghi Lemos inverteu essa lógica e perguntou a líderes das 50 maiores agências do País quais práticas elas, as parceiras estratégicas, mais valorizavam nos clientes. As respostas mostraram que, entre as dez principais características, remuneração justa ficou em terceiro lugar.
Os demais atributos citados estavam diretamente ligados a valores humanos: ousadia e inovação, em primeiríssimo lugar, parceria, criatividade, respeito, transparência, longevidade de relações, coragem e sinergia. Provavelmente, se a pesquisa fosse feita com os clientes, todas essas características também apareceriam entre as mais desejadas em uma agência. Porque, como em um casamento, as relações anunciante-agência tendem a refletir os dois lados da mesma moeda. Se um lado desequilibra, o outro vai junto.
Por isso, como em todo casamento, é preciso falar claramente sobre dinheiro. Falar sobre a questão da remuneração justa antes de analisar as demais práticas levantadas como admiráveis ou condenáveis na pesquisa. Isso porque, quando esse tema não está bem resolvido, surgem vários outros pontos de tensão: pressões que resvalam em queixas em relação ao clima organizacional; discordâncias sobre o escopo de trabalho, que abrem margem para um sentimento de falta de transparência de ambos os lados; e a tal falta de sinergia, como se agências e clientes não estivessem unidos pelos mesmos objetivos.
Até mesmo os atributos de ousadia, inovação, criatividade e coragem ficam comprometidos quando a relação financeira está desajustada. Afinal, quem se arrisca quando tem o seu valor constantemente questionado ou subestimado? É curioso notar que, ao longo dos anos, lidamos tão mal com o tema da remuneração que ele quase se tornou tabu. E tenho a sensação de que começamos a erguer a partir daí um muro silencioso também em relação a outras práticas que dizem respeito a todos nós.
Somos corresponsáveis e movidos pela mesma missão – a de construir grandes marcas e negócios. Queremos o mesmo resultado. Fui cliente por muitos anos e era minha responsabilidade ter uma agência motivada que fosse parceira estratégica de negócio. E o ROI vinha quando o negócio crescia e as marcas estavam fortalecidas. Quando isso não acontecia, ou algo não estava bem, antes de pensar em “sair do casamento”, sentávamos com a agência para entender o que estava errado, o que precisava ajustar de cada lado e juntos desenhávamos um plano. Não tem outro jeito de ter uma relação saudável: é preciso investir nela.
Se você quer produzir o melhor carro, o melhor xampu, o melhor medicamento, provavelmente está investindo nas melhores tecnologias, na fábrica mais moderna, em pesquisa e desenvolvimento. Costumo fazer analogia com as fábricas, já que vim da indústria bens de consumo. A “fábrica” da comunicação é feita de gente. E para termos as pessoas mais talentosas, apaixonadas e criativas precisamos dar a elas desafios interessantes, mas também remuneração, benefícios, perspectiva de carreira. Essas pessoas recebem dissídio, aumentos de salário, promoção. Se o cliente não está cuidando do time da agência como cuida do seu time interno, algo está errado.
E não estou dizendo que não há a possibilidade de rever custos. Quantas vezes como CMO tive que cortar investimentos, mudar estratégia entre marcas, ajustar o rumo? Mas isso tem que vir acompanhado de uma revisão de escopo, de entrega e de time. Senão a expectativa se mantém, mas o time fica mais enxuto ou júnior e, invariavelmente, o serviço piora. Conclusão, num curto prazo de tempo, o anunciante vai querer mudar de agência.
Clientes corajosos e inovadores buscam parceiros que resolvam problemas de negócios com soluções criativas e eficazes. Parceiros estratégicos que olhem para um desafio a partir de novos e diferentes ângulos. É preciso liberdade e segurança, gente talentosa, investimento em inovação e tecnologia para se chegar até aí. E para isso nada como relações fortes que se baseiam em transparência e respeito. Essa é uma construção diária, que depende dos dois lados. Só assim a agência ou o cliente ideal deixam de ser utópicos e podemos estabelecer relações equilibradas, gerando casamentos duradouros.
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