Opinião

Trabalhei com câncer

Doença não pode ser tabu no ambiente corporativo, para que este se transforme em espaço de acolhimento

Miriam Shirley

Publicitária 24 de julho de 2023 - 14h00

Pedidos de demissão

a realidade de muitos pacientes que convivem com a doença e precisam seguir trabalhando (Crédito: Divulgação)

O trabalho preenche boa parte de nossas vidas. Dedicamos preciosas horas da nossa existência para o trabalho. Eventualmente, problemas que poderiam ser classificados como pessoais refletem no dia a dia profissional. Foi o que aconteceu comigo em 2017, quando fui diagnosticada com câncer.

À época, eu era VP de Midia na Publicis e a notícia veio como uma bomba. O que fazer? Como enfrentar? Como eu poderia trabalhar com câncer? Nessa hora, você começa a pensar nos filmes, campanhas e tudo mais que já ouviu falar sobre a doença. Eu não fazia ideia do que esperar. Quando comecei o tratamento, me sentia improdutiva e com medo de falhar nas entregas do dia a dia. Temia a reação das pessoas. Eu me perguntava: “Será que não serei vista como capaz?”.

Mas disse a mim mesma: preciso ter fé. Mas a fé não se constrói sozinha. Ela tem alicerces e um dos mais importantes é o apoio. Eu precisava de apoio, e ele veio. À época, 12 mulheres da agência fizeram um grupo no WhatsApp e a cada sessão de radioterapia, uma ia comigo. Esse tipo de atitude eu nunca esquecerei. A fé me salvou. O apoio me salvou. Encarar o câncer me salvou.

E meu objetivo é exatamente este: ressaltar a importância de falarmos sobre o assunto. Trabalhar com câncer não deve ser um tabu. Precisamos abordar os malefícios da doença e do seu tratamento, para que as pessoas que forem acometidas por este mal possam se sentir acolhidas.

De acordo com o INCA (Instituto Nacional de Câncer), são esperados 704 mil casos novos de câncer no Brasil para cada ano do triênio 2023-2025. Desses, 70% dos casos estão previstos para as regiões Sul e Sudeste. O câncer de mama em mulheres (Sul: 71,44/100 mil; Sudeste: 84,46/100 mil), o de próstata (Sul: 57,23/ 100 mil; Sudeste: 77,89/ 100 mil) e o de cólon e reto (Sul: 26,46/100 mil; Sudeste: 28,75/100 mil) são os três tipos mais incidentes nessas duas regiões.

Com base nessa previsão, é muito possível que você trabalhe com algum profissional que esteja enfrentando a doença. É importante dizer que muitas dessas pessoas acabam não falando sobre o seu diagnóstico no ambiente de trabalho por medo e pela sensação de incapacidade de lidar com a enfermidade e o stress do nosso mercado. Mas as grandes organizações, as holdings, as redes, todas as empresas precisam ter em mente que o câncer é uma realidade no mundo.

“Estou tendo o pior dia da minha vida”, “esse almoço não vai descer”, “acabei de vomitar no banheiro”, “não posso perder esse emprego”, são algumas frases que a campanha da iniciativa Working With Cancer mostra em seu filme principal. Uma comunicação poderosa e triste, mas que exibe a realidade de muitos pacientes que convivem com a doença e precisam seguir trabalhando.

Encabeçada pelo Publicis Groupe, a Working With Cancer quer desmistificar o estigma da doença no ambiente de trabalho. Uma das iniciativas mais recentes traz a criatividade como arma para alcançar este objetivo. Recentemente – num movimento que conta com líderes criativos de companhias como Edelman, IPG, Omnicom, WPP e o próprio Publicis Groupe – o movimento lançou o que, para mim, é um dos briefings mais importantes do ano.

Criativos de todo o mundo têm a oportunidade de responder o seguinte pedido: criar um programa, experiência ou campanha que desafie a cultura e possa eliminar o estigma e a insegurança do câncer no trabalho.

Estou ansiosa para ver os resultados que virão. A iniciativa Working With Cancer, vale lembrar, foi reconhecida com o Grand Prix for Good no Cannes Lions. Mas este prêmio não é só do Publicis Groupe, mas de todas as empresas envolvidas. Empresas que acreditam num mundo mais acolhedor e humano.

Responder este briefing é uma oportunidade para que criativos de todo o mundo façam a diferença. É uma oportunidade para acolhermos quem está passando pelo maior desafio de suas vidas.