Dylan Mulvaney: marcas têm poder de parar bullying contra pessoas trans
Artista e influenciadora transgênero comenta repercussão de sua parceria com a Bud Light, que, após reação de conservadores, mudou o direcionamento de suas campanhas
Artista e influenciadora transgênero comenta repercussão de sua parceria com a Bud Light, que, após reação de conservadores, mudou o direcionamento de suas campanhas
Isabella Lessa
13 de março de 2024 - 9h32
Em abril do ano passado, a artista e influenciadora transgênero Dylan Mulvaney ganhou mais projeção depois de ter protagonizado uma ação da Bud Light, da AB Inbev.
Com um post no Instagram, ela celebrava o aniversário de um ano de sua transição, segurando uma edição especial da lata de cerveja que estampava seu rosto.
O que se seguiu após a divulgação da campanha foi uma série de reações que reverberaram em forma de boicote por parte da ala conservadora dos consumidores da marca e, como consequência, tiveram impacto direto nas vendas do produto nos EUA.
A AB InBev perdeu mais de US$ 1 bilhão em vendas e perdeu o posto de cerveja mais vendida dos EUA.
E a resposta da Bud Light ao backlash passou longe de qualquer declaração sobre os direitos dos transgêneros. Ainda naquele mês de abril, a Anheuser-Busch InBev emitiu uma carta na qual o CEO da AB Inbev nos EUA, Brendan Whitworth, afirmou que a companhia “nunca teve a intenção de fazer parte de uma discussão que divide as pessoas”.
Pouco tempo depois, a cerveja veiculou a campanha “Easy Joy”, cujo intuito foi estimular os fãs da Geração Z a aproveitar momentos com os amigos.
Enquanto isso, Dylan lidou com a repercussão negativa da campanha em sua vida pessoal. “Ver todo o ódio que veio a partir de uma publicidade no Instagram foi tão desolador. Se tornou algo muito real, porque começaram a aparecer pessoas na minha casa, fui seguida e assediada em público. Nunca pensei que isso seria parte da minha vida diária”, contou Dylan em um painel conduzido pela ativista e presidente da Human Rights Campaign Kelley Robinson.
Segundo a influenciadora, a marca poderia ter colocado um fim ao bullying ao se posicionar contra discursos intolerantes. “Por trás dessas campanhas, muitas vezes não há uma pessoa trans que participe das conversas”, disse. “Sei que no universo da marca isso pode ser difícil, porque as coisas se movem muito rápido, mas acho que um passo extra nesse sentido pode evitar erros na comunicação”.
Ela inclusive disse que gostaria de ter sido envolvida pela Bud Light nos passos subsequentes à crise e até teve uma ideia para um comercial com tom conciliador e bem-humorado.
O filme seria ambientado em um cenário western em que uma pessoa trans e um cowboy se encaram em um bar, mas a presença da cerveja entre ambos deixa o clima amigável.
Dylan apresentou a ideia à marca, que não se interessou. “Seria algo para dar risada, eu tenho esse background em comédia. E, além disso, é algo que mostra que todos nós gostamos de cerveja, de skincare. Permita que a comunidade aponte sua marca como aliada, em vez de a empresa se autointitular como aliada”, avaliou.
Essa ideia extrapola a relação entre o creator e a marca, prosseguiu Dylan, porque o público LGBTQIA+ vai querer saber quais são os benefícios que a empresa oferece para seus funcionários trans, quais são as políticas internas.
“Não se fazer visível e não ter uma voz ativa sobre seu apoio não é uma opção. Então, temos de ter certeza que essas companhias estão fazendo as coisas certas internamente, mas também se posicionando firme e publicamente sobre assuntos importantes”, colocou.
Kelley Robinson, da Human Rights Campaign, chamou atenção para o fato de que, hoje, cada vez mais pessoas assumem abertamente como parte da comunidade LGBTQIA+, notadamente a Geração Z.
Por outro lado, existe um descompasso geral das marcas e dos negócios em relação a essa agenda. “Essa é uma marca que, sabendo quão poderosa a marca de Dylan é, pede ajuda a ela e quando as coisas se complicam um pouco, muda totalmente de posicionamento”.
A repórter Jo Yurcaba, que cobre pautas sobre LGBTQIA+ para a NBC News Digital, compartilhou que sua cobertura a respeito do caso de Dylan com a Bud Light se concentrou em abordar como a situação estava afetando a vida da influenciadora.
“Além disso, trouxemos perspectiva sobre como esse não foi um incidente isolado. Essa situação aconteceu no mesmo ano em que legisladores conservadores apresentaram mais de 500 propostas direcionadas à comunidade LGBTQIA+. E a Target também passou por um backlash parecido em sua campanha para o Orgulho. Isso não acontece em um vácuo”, analisou.
Há alguns dias, a jornalista cobriu a morte de Nex Benedict, adolescente trans de Oklahoma que morreu um dia após uma briga no banheiro da escola. O estado impede que estudantes trans utilizem banheiros de acordo com suas identidades de gênero.
Já Aaron Walton, CEO e cofundador da agência Walton Isaacson, trouxe um contraponto otimista: uma pesquisa da Glad aponta que 70% dos adultos que não são LGBTQIA+ consideram importante que as marcas que admiram demonstrem publicamente seu apoio à comunidade.
“Não quero ser Poliana sobre o tema, sei que há muita coisa acontecendo. Mas outro estudo da Harris Poll em parceria com a Fast Company mostra que 89% da nossa comunidade LGBTQIA+ está atentas às políticas de apoio das marcas e 65% estão dispostas a boicotar marcas que não as apoiam. Essa comunidade tem poder de consumo de US$ 3,9 trilhões”, disse.
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