Campanha da Vivo, relações tóxicas e o vício digital
O comercial é um espelho não apenas da nossa relação exagerada com o celular, mas também das dinâmicas abusivas que muitas vezes normalizamos
Campanha da Vivo, relações tóxicas e o vício digital
BuscarO comercial é um espelho não apenas da nossa relação exagerada com o celular, mas também das dinâmicas abusivas que muitas vezes normalizamos
30 de abril de 2025 - 12h30
(Crédito: Reprodução/YouTube)
Você já deve ter visto o novo comercial da Vivo. Confesso que, toda vez que ele passa, minha respiração para e o alerta de gatilhos é imediatamente acionado. A campanha “É tempo de mudar seu tempo com o celular” mostra uma jovem em um relacionamento tóxico — mas o parceiro, nesse caso, é o próprio celular. A voz do aparelho, carregada de chantagem emocional e manipulação, diz frases como: “Você precisa de mim”, “Você não vive sem mim”, “Ninguém vai te entender como eu”, “Não vai me responder?”. A trilha sonora, uma versão da música Jealousy, Jealousy, de Olivia Rodrigo, reforça a mensagem sobre os efeitos nocivos da comparação constante nas redes sociais.
Meu estômago virou. Aquelas frases não eram estranhas para mim. Eu já as ouvi — não de um objeto, mas de alguém com quem dividi minha vida. Frases que, a princípio, pareciam preocupação ou amor, mas que, com o tempo, se revelaram formas sutis de controle. E quando ouvi essas mesmas palavras vindas de um celular, em uma propaganda, percebi o quanto o abuso emocional pode se disfarçar — seja em relações humanas ou digitais.
A campanha da Vivo é um espelho. Não apenas da nossa relação exagerada com o celular, mas também das dinâmicas abusivas que muitas vezes normalizamos. É assustador como o vício em tecnologia e um relacionamento tóxico compartilham a mesma linguagem: o medo da perda, a culpa, a vigilância constante, a falsa sensação de que não podemos viver sem aquilo. Estudos citados na campanha indicam que 45% dos jovens brasileiros, entre 15 e 29 anos, relatam que o uso intenso de redes sociais impacta negativamente sua saúde mental, contribuindo para o aumento da ansiedade e da depressão.
A mensagem é clara: é tempo de mudar nossa dinâmica com o celular. A campanha se torna ainda mais interessante quando vem justamente de quem entrega esse serviço — o que dá ainda mais peso ao convite para refletirmos sobre nossa dependência digital e buscarmos um equilíbrio mais saudável em nossa relação com a tecnologia.
Quantas vezes você já se sentiu culpado(a) por não responder uma mensagem imediatamente? Quantas vezes ficou angustiado(a) ao ver a vida “perfeita” dos outros nas redes sociais? E quantas vezes tentou se afastar do celular, mas sempre voltou, como quem retorna para algo que sabe que faz mal, mas que parece impossível de deixar?
Dependência emocional e vício digital têm algo em comum: nos colocam em ciclos. Ciclos de prazer imediato e vazio duradouro. Ciclos de promessas de mudança que nunca se cumprem. Ciclos de autoestima minada, comparações constantes e necessidade de validação.
O celular, nesse contexto, vira quase um relacionamento possessivo. Ele te chama o tempo todo. Te distrai. Te cobra presença. Te afasta de si mesmo.
E quando a Vivo transforma esse aparelho em um ex possessivo, ela nos dá um alerta importante: talvez seja hora de dar um tempo.
Dar um tempo não é fugir. É se reencontrar.
Estou há cerca de 20 dias afastada das redes sociais. É verdade que não se trata apenas de um detox digital — há uma estratégia de reposicionamento por trás dessa ausência —, mas veio a calhar. Precisei dar um basta em um relacionamento real. E agora percebo que, em muitos momentos, também preciso dar um tempo do digital. Sair da lógica de conexão constante para encontrar uma conexão mais valiosa comigo mesma.
Dar um tempo não é um rompimento com o mundo. É um reencontro com aquilo que é essencial. Com o silêncio. Com a respiração. Com o toque real. Com o olhar presente. É lembrar que amor não controla, não sufoca, não exige sua atenção 24 horas por dia.
Se você também já se sentiu preso(a) em algo que parecia indispensável, mas que só te fazia mal, talvez seja hora de repensar.
É tempo de mudar o tempo com o celular.
É tempo de mudar o tempo com tudo aquilo que te prende.
É tempo de viver relações — com pessoas, com a tecnologia, com você mesmo — mais livres, mais leves, mais reais.
Porque, sim, há vida depois do “você não vive sem mim”.
E ela pode ser linda.
Seja gentil com você mesma. Tenha coragem. Viva.
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