Como a influência de moda pode ser inclusiva, com Luiza Brasil
A comunicadora reflete sobre as transformações que o jornalismo e a influência de moda passaram desde a blogosfera até as redes sociais
Como a influência de moda pode ser inclusiva, com Luiza Brasil
BuscarA comunicadora reflete sobre as transformações que o jornalismo e a influência de moda passaram desde a blogosfera até as redes sociais
Lidia Capitani
12 de dezembro de 2023 - 14h50
Luiza Brasil é um dos nomes de referência quando o assunto é moda no Brasil. A jornalista e pesquisadora de moda e comportamento foi pioneira na criação de conteúdo digital, por meio da sua plataforma Mequetrefismos, criada em 2013, em que aborda as relações entre moda, beleza, comportamento, raça e inclusão. Hoje, ela é colunista da Vogue Brasil, mas já colaborou para os principais veículos de moda e comportamento brasileiros, como GNT, Forbes, Glamour e Elle.
Recentemente, lançou seu primeiro livro, “Caixa Preta”, publicado pela Globo Livros em 2022. Nele, a autora reúne textos que escreveu em suas colunas ao longo do tempo, abordando temas como o feminino, negritude, relacionamentos, pertencimento e autoestima.
Nesta entrevista, Luiza Brasil fala sobre sua trajetória como influenciadora digital, sua relação com a moda e as principais transformações da comunicação e do jornalismo do segmento nos últimos anos.
Como você resumiria sua trajetória profissional?
Sou de Niterói, formada em jornalismo pela PUC-Rio. Entre 2008 e 2010, quando iniciei minha carreira profissional, as redes sociais ganharam destaque. Percebi que o universo digital e a internet teriam um papel crucial na comunicação. O momento era marcado por discussões sobre convergência de mídia e a transição do analógico para o digital.
Como uma profissional jovem, eu tinha mais familiaridade com as plataformas digitais do que muitos nomes mais experientes. Então, comecei a trabalhar em agências e redações, com foco na internet, blogs e redes sociais, e acabei me consolidando no território da moda. Nessa fase, participei ativamente do projeto digital que inseriu a consultora de moda Costanza Pascolato no universo das redes sociais, tornando-me estrategista digital e assessora dela.
Esse caso de sucesso abriu portas para oportunidades em grandes veículos como Vogue, Elle e Glamour. Enquanto isso, na minha comunidade online, abordava temas como racialidade, inclusão e gênero, e assim conquistei maior visibilidade. Posteriormente, em 2022, fundei o Mequelab, um braço institucional que oferece soluções em moda e comunicação. Por meio de conexões, roteiros e estratégias, busco promover mais pertencimento e pluralidade no mercado de trabalho.
Quando você começou a se interessar por moda e o que ela significa para você hoje?
Esse vínculo com a moda sempre esteve presente em minha vida. Enxergo a moda não apenas no contexto digital, marcado pelo consumo, looks e tendências, mas como um elemento fundamental no processo de construção da minha identidade. Desde cedo, percebi a moda como uma ferramenta de libertação, não de opressão.
Meus pais desempenharam um papel crucial nesse entendimento, proporcionando uma consciência do meu lugar identitário como mulher negra. Mesmo em um contexto socialmente privilegiado, com acesso a oportunidades de estudo, eles sempre destacaram a importância de eu reconhecer minha negritude, tornando-a um ponto de diferenciação, não de distanciamento em relação aos padrões existentes.
A moda se transformou, assim, em uma ferramenta de cura e autoconhecimento. Ao perceber que essa possibilidade não era exclusiva a mim, mas poderia ser estendida a muitas pessoas impactadas pelos padrões estéticos e pela mídia, decidi criar a plataforma Mequetrefismos em 2013. Essa comunidade se tornou um espaço de discussão sobre moda, comportamento, cultura e estilo de vida, mantendo como premissas fundamentais a inclusão e a diversidade racial.
Falando sobre o Mequetrefismos, como ele surgiu?
O Mequetrefismos nasceu como uma resposta diferenciada ao panorama das redes sociais e da blogosfera da época, antes mesmo de o termo “influência” se popularizar. Ao contrário da abordagem individual predominante nas redes, a proposta da plataforma sempre foi centrada no coletivo. Essa perspectiva continua norteando o projeto até hoje.
A plataforma busca ampliar as narrativas, proporcionando espaço para pessoas negras falarem sobre diversos temas, desde decoração até moda masculina e empreendedorismo. A ideia é desafiar estereótipos e expandir a consciência em torno das nossas racialidades, mostrando que elas não se limitam a espaços de pobreza e precarização, como muitas vezes são retratadas. Pessoalmente, mantenho conexões com diferentes esferas de acessibilidade, incluindo o luxo e o premium. Quero não apenas evidenciar a possibilidade de acesso a esses lugares, mas também compartilhar como podemos transitar entre eles sem excluir.
E o MequeLab?
O MequeLab surge em 2022 como uma extensão natural da minha trajetória, aproveitando não apenas minha experiência digital, mas também minha habilidade estratégica, de planejamento. Sempre me dediquei a pesquisas e mapeamento de comportamento, não apenas no âmbito da moda, mas explorando diversas camadas da nossa sociedade.
Anteriormente, atuava como consultora autônoma, fornecendo esses serviços para grandes empresas e outros projetos. Mas comecei a perceber que minha bagagem de experiência poderia transcender minha atuação individual. Vi a oportunidade de transformar essa expertise em algo maior, desenvolvendo uma empresa capaz de oferecer serviços que estimulem conversas e narrativas inclusivas e complementares ao que já existe no mercado.
Quais são os maiores desafios de ser um influenciador digital hoje?
Atualmente, percebo uma lacuna significativa na falta de regulamentação da nossa profissão. Existem disparidades marcantes em termos de pagamento, dinâmica de trabalho e orçamento, aspectos que precisam ser analisados com mais atenção e cuidado.
Outro ponto crucial é a tendência de muitas pessoas de não construir uma marca consolidada, ficando à mercê dos movimentos dos algoritmos. Isso as torna reféns de uma estrutura sobre a qual não têm controle.
Optei por seguir um caminho diferente, indo além de apenas seguir as tendências momentâneas do algoritmo. Prefiro criar algo que chamo de “always in”, não “always on”. Essa abordagem significa que, ao me manter consiste dentro da minha linha editorial, construo uma marca forte, poderosa e influente para aqueles que me acompanham. Isso é mais valioso do que estar constantemente sujeito às oscilações do algoritmo ou de modismos temporários.
Falando sobre jornalismo de moda, o que mudou de 15 anos atrás para hoje?
Tenho observado uma transformação significativa nas relações com a moda ao longo dos últimos 15 anos, especialmente desde o surgimento das blogueiras e da cultura do “look do dia”. Antigamente, a dinâmica era mais estática, baseada principalmente em imagens sem movimento, onde a audiência era conquistada com uma boa produção visual. Hoje, no entanto, percebo uma demanda crescente por mais profundidade e conexão. O público está mais exigente, deseja mergulhar nas vidas das personalidades, entender os processos e fazer parte da experiência.
Considerando minha formação em redação digital, compreendo a importância de ajustar o formato ao tempo disponível do leitor. Antes, as pessoas liam facilmente um review de três minutos nas redes sociais. Hoje, com a dinâmica acelerada, preciso transmitir uma tendência de moda de maneira clara em vídeos de 90 segundos. Essa adaptação é fundamental para atender às demandas do público contemporâneo sem perder a profundidade do conteúdo.
Adaptar-se aos formatos é um desafio constante na moda, uma indústria que precisa equilibrar as fórmulas e formatos tradicionais com as exigências de um público cada vez mais imerso no contexto e nos detalhes da moda, dos desfiles aos comportamentos sugeridos por esse segmento.
Por fim, pode recomendar três produtos culturais?
Tem uma série que estou acompanhando atualmente e considero muito relevante, chamada “Primeiro as Damas – Mulheres no Hip-Hop”. Ela aborda a entrada de mulheres no hip hop norte-americano, o que acho extremamente interessante, pois discute o desafio de pertencimento em um cenário predominantemente masculino. Essas mulheres construíram produtos de moda e cultura significativos para o país a partir de suas imagens e repertórios visuais.
Quanto aos livros, recomendo “A Arte de Entrevistar”, de Barbara Walters. A obra, além de ser valiosa para quem trabalha com moda, é uma excelente ferramenta para quem atua em comunicação de maneira geral. O foco nas técnicas de entrevista e na curiosidade do entrevistador é uma fonte rica de autoconhecimento. A leitura foi fundamental para eu compreender meu papel como comunicadora.
A terceira dica que gostaria de recomendar é um documentário “O Evangelho segundo André Leon Talley”. André Leon Talley foi um dos primeiros editores de moda no papel que conhecemos hoje. Sua história, apesar de ter vivido num período diferente do meu, serve como inspiração para compreender a criatividade e a articulação de interesses com inclusão e diversidade, especialmente no universo da moda e do editorial.
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