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Gabriela Terra, da Go Magenta: “Cansei de ser futurista”

Fundadora da consultoria defende o “agorismo” como antídoto ao fetiche da indústria por tendências

i 28 de julho de 2025 - 14h51

Gabriela Terra, fundadora e CEO da Go Magenta (Crédito: Divulgação)

Gabriela Terra, fundadora e CEO da Go Magenta (Crédito: Divulgação)

Com duas décadas de carreira que atravessam o surgimento das redes sociais, o auge das agências digitais e os bastidores da construção de grandes marcas, Gabriela Terra, fundadora e CEO da Go Magenta, aprendeu a olhar para o agora para avançar.  

Formada em publicidade, ela começou abrindo contas corporativas para marcas no Twitter e no Facebook quando “a internet ainda era mato” e, com o tempo, migrou da criação de conteúdo para a estratégia, passando por agências como DM9, consultorias como a FutureBrand, e projetos de rebranding de larga escala, como o da Oi, em meio à crise da operadora.  

Sua inquietação e sede por consistência a levaram a fundar a Go Magenta, consultoria de insights e estratégia de marca que nasceu em rede e hoje conta com 23 funcionários na atuação em pesquisas proprietárias e reposicionamentos de marca com profundidade. “Marca não é só publicidade, é ponto de contato”, diz. 

Nesta entrevista, Gabriela fala sobre os aprendizados em meio à pandemia sobre tendências e futuro, e como a indústria da comunicação deve olhar mais para o agora em tempos incertos. 

M&M O mercado é obcecado pelo futuro. Essa visão de tendência, dos relatórios, ainda é muito valorizada. O que levou você a adotar um olhar mais voltado para o presente? 

Gabriela Terra  Eu brinco com o termo “agorista”. Falo muito em reunião que cansei de ser futurista. Acho que estamos tentando rebatizar o passado o tempo inteiro. Culpo também um pouco os profissionais da área, porque na fúria de produzir conteúdo e trazer sempre uma novidade, damos nomes novos para comportamentos antigos. Vejo quem fale da tendência de nostalgia, por exemplo, da volta aos anos 2000, de jovens com cybershot, como se fosse um grande movimento. Mas não é tão diferente dos millennials dos anos 2000, com uma vitrola e um disco de vinil do Caetano. Meu pai ficou indignado que paguei caro num Ray-Ban igualzinho ao que ele tinha nos anos 1970. Então, para mim, esse é um ponto onde exageramos no que chamamos de futuro, porque estamos sempre botando uma fé de que no futuro as coisas vão dar certo. A história de que a geração Z está parando de beber, por exemplo, para mim também é um pouco desse nosso fetiche pelo futuro. É jogar numa geração próxima aquela mudança de comportamento que não conseguimos bancar agora. Esquecemos que fazemos o futuro agora, literalmente. Não existe nenhuma mudança que vá se perpetuar se ela não começar a ser feita no presente.  

M&M E como seria essa mudança de olhar para o presente? 

Gabriela – Temos que começar a ser mais intencionais hoje se quisermos mudar alguma coisa. Outro ponto é que tratamos todas as tendências como se fossem lineares. Esquecemos que tendências caem. Um exemplo é a indústria do tabaco. No último ano, houve um aumento no número de fumantes no Brasil pela primeira vez desde 2007. Estava em queda. Até então, muitas pessoas estavam convictas de que o cigarro iria acabar. Mas será que ia acabar mesmo? Surgiu o vape, teve um hype, depois foi demonizado, proibido, e o cigarro voltou. Então, assim, temos que parar de tratar as coisas que não sabemos com certeza absoluta. O futurismo, essa coisa de prever o futuro, nasceu do mercado financeiro, mas a partir da economia. E se nem eles conseguem prever o futuro, porque estão tentando há anos e muitas vezes não sabem onde investir e qual moeda comprar, somos nós que vamos conseguir prever o comportamento humano e saber se as pessoas vão parar de fumar ou não, por exemplo? Não conseguimos. O futurismo vende o “future proof”, mas o “future proof” não existe. Não tem como colocar alguma coisa à prova de futuro. Quem poderia prever a pandemia? Aliás, a pandemia foi um golpe baixo para quem tenta prever o que vem pela frente, porque ninguém estava esperando. E aí alguns começaram a ver que não dá para tentar prever nada.  

M&M Como transformar o presente em um campo fértil para um insight estratégico de uma ação que vai acontecer no futuro, considerando a instabilidade que vivemos?   

Gabriela O ideal seria fazer planos de longo prazo, mas isso é cada vez mais inviável. O prazo está curto. Por isso falo do “agorismo”. Há décadas, fala-se muito sobre carros voadores. Hoje, o silêncio sobre eles é ensurdecedor, por mais que saia uma ou outra coisa a respeito. E isso não é piada, né? Agora, só falamos sobre inteligência artificial. E, sobre isso, há um ponto importante: com IA, muitos resultados são horrorosos. As pessoas falam: “mas imagina quando evoluir…”. Mas não está evoluído. Vamos parar de imaginar como vai evoluir e pensar no agora. Hoje, ainda está horrível, sabe? Quando falamos de marcas, é difícil não meter o louco e abraçar que essa incerteza é uma realidade inegável. Aquela coisa do mundo VUCA [conceito que descreve um ambiente caracterizado por Volatilidade, Incerteza, Complexidade e Ambiguidade], que a vimos na prática na pandemia, estamos vendo com a política externa. E tentar criar estratégias de curto e médio prazos que sejam consistentes faz mais sentido, porque nosso campo de visão só alcança, realmente, o agora. Não dá para fantasiar sobre o futuro, porque tudo sobre o futuro é fantasia. 

M&M Quais práticas pessoais e hábitos você cultiva para manter sua curiosidade ativa? 

Gabriela – Faço poucas coisas intencionais, porque já sou curiosa. Não sei como se torna uma pessoa assim. Mas o trabalho é essencial. Estudar coisas que não sei. A Go Magenta me permitiu muito isso, porque às vezes você está no trabalho e não pode escolher isso. Trabalhar em projetos diferentes é um ganho muito grande. Tentar não repetir. Se você está repetindo, é importante ao menos não repetir o jeito. Procura uma fonte diferente, um jeito diferente, e troca a ordem do que você está fazendo. Vai escutar outras fontes. Mesmo quando você está no mesmo projeto, não se acomodar é importante. Isso pode parecer simplista, mas estamos muito acostumados a fórmulas. Elas são boas para ficarmos no conforto, mas elas não nos provocam a fazer novas sinapses. Então, assim, é procurar um livro diferente, uma viagem, um hobby. Curiosidade é sobre fazer coisas diferentes. E não temos que sair da nossa zona de conforto, mas tornar nossa zona de conforto maior. Porque a zona de conforto é boa. A ideia é botar mais coisa dentro dela. 

M&M Você fala sobre como a gente consegue chegar a tensões culturais a partir do desconforto. Como você identifica esses pontos de tensão?

Gabriela – Um bom exemplo disso é a recente notícia sobre o aumento do consumo de leite animal. Isso é só um dado de consumo. Mas se você começa a tentar levantar a hipótese do porquê isso está acontecendo, chega a lugares interessantes. Somos tridimensionais. Temos cabeça, bolso, corpo. Então conseguimos, a partir desse ponto de mudança, pensar no que isso significa nas outras dimensões. A cotação do leite está aumentando. Para mim, isso tem a ver com o fato de que estamos obcecados por proteína, sobretudo lá fora. Mas isso está começando a chegar no Brasil. As pessoas estão falando da pipoca com alta proteína, por exemplo. Já o leite vegetal tem baixa proteína. Então, se na dimensão mental há esse estímulo da alta proteína e como o leite vegetal tem baixa fonte proteica, isso impacta a indústria. Até os anos 1990, não existiam produtos com zero gordura. Depois, lá pelos anos 2000, começou a ter. Até então, a pessoa nem olhavam para a proteína nos rótulos dos produtos, mas elas vão passar a se preocupar com isso. A gente brinca com a história da cotação do ovo, e acho que agora estamos entrando na cotação do leite. E aí entramos no outro ponto: leite vegetal é muito mais caro e estamos em tempos de crise. Parece que sou uma louca, mas se a gente trabalha naquela indústria, é preciso entender isso melhor. É possível pensar em aumentar a informação sobre proteína na embalagem do leite, por exemplo. Investir em relacionamento com o médico… e assim por diante. 

M&M Você disse que tem olhado para tensões culturais pouco exploradas no Brasil. Quais seriam elas? 

Gabriela – Estamos olhando para saúde social, epidemia da solidão e relações não-românticas entre pessoas como primeiras relações. São coisas ainda muito gringas. Não há muitos dados que puxem para o Brasil. É uma coisa que queremos mapear por aqui mesmo. 

M&M – É possível identificar uma tensão cultural macro atual no Brasil? Se sim, qual seria? 

Gabriela – Vamos partir do principal: o Brasil é um país em desenvolvimento extremamente desigual. Então, quando falamos de carros voadores, é importante pensar que ainda há passagem aérea sendo comprada no papel em algum lugar do país. Não estamos nem 100% digitalizados ainda, há uma parte da população desbancarizada… são muitas camadas. A desigualdade social é muito grande. Trabalho muito com indústria do entretenimento, e muito se fala que ninguém mais assiste TV. E, assim: não, gente. Muitas pessoas assistem TV. A grande maioria, na verdade. Então, precisamos fazer o exercício de sair um pouco na bolha. Para além disso, se eu pudesse tratar alguma coisa como tendência, há o aumento do conservadorismo, muito puxado pela extrema direita e pelos evangélicos. Mas não podemos tratar as coisas como verdades absolutas.  

Além disso, se tem uma coisa que dá para observar como recorte do agora é o orgulho brasileiro de si mesmo. Antes, esse orgulho existia, mas vinha do discurso de que o Brasil domina a internet, de que somos ótimos de memes, samba, caipirinha, praia e somos o povo mais legal do mundo. Mas agora estamos valorizando o que é produto e produção cultural nossa. Tivemos um boom no cinema na primeira onda do Walter Salles, com Central do Brasil. Depois, passamos por um tempo de apagão de alguns anos, onde tudo era filme de comédia. A pandemia estendeu isso mais ainda. Mas agora temos o cinema de volta, as séries, puxadas pelo Globoplay, e as novelas, que voltaram com tudo.  

M&M Você não gosta de falar sobre o futuro, mas, para você, para onde estamos caminhando? 

Gabriela Sempre digo que as coisas são pendulares, e acho que a gente pendulou demais e agora estamos buscando o meio termo, digamos assim. Quando vemos absurdos acontecendo, a gente joga para o outro lado. Mas não apenas quando há absurdos. Então, assim, para toda tendência, há uma contratendência, e isso faz com que as coisas se joguem de um lado para o outro. Estávamos passando por um movimento estigmatizado como movimento woke. O que aconteceu? O conservadorismo fez uma onda de volta. Agora podemos conseguir, com sorte, chegar em meios do caminho. Pelo menos esse é o ideal, sabe? Mas, de novo, não dá para ter certeza do futuro.