Opinião
Nosso legado a curto prazo tem nome: geração Nem-Nem
Estamos perdendo um tempo enorme em discussões filosóficas de como é difícil lidar com a geração Z no mercado de trabalho e ignorando o abismo que estamos criando
Nosso legado a curto prazo tem nome: geração Nem-Nem
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3 de maio de 2024 - 14h22
O resultado de um networking virtuoso me trouxe a reflexão sobre o que quero deixar como meu legado para a sociedade. O super líder inspirador André Caldeira me apresentou ao livro “Como ser um bom ancestral: A arte de pensar o futuro num mundo imediatista”, do Roman Krznaric. Ao terminar o primeiro capítulo, a reflexão sobre meu legado social veio por meio da frase viral “haverá sinais”.
O principal sinal (e no meu ponto de vista o mais preocupante) é a tão famosa geração Nem-Nem, formada, basicamente, por pessoas que não estudam e nem trabalham, e é mais um reflexo da sociedade brasileira que estamos “fingindo que não estamos notando”, sobretudo no que diz respeito a gênero, raça e classe. O país do futebol no ranking de geração Nem-Nem ocupa o segundo lugar, atrás apenas da África do Sul.
Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 10,9 milhões de jovens brasileiros entre 15 e 29 anos se encaixam nessa denominação, o que representa 22,3% – ou um em cada cinco – desta faixa etária. A maioria desses jovens são pobres (61,2%) e mulheres (63,4%). Quase metade (43,3%) são mulheres pretas ou pardas.
Nestes indicadores fica claro e transparente que estamos, de forma massiva, perpetuando as vulnerabilidades sociais oriundas da herança do processo escravocrata do nosso país e somente atualizando a termos modernos o indicador que nunca mudou: ser mulher, preta ou parda é sobre permanecer de forma massiva na base da pirâmide.
Pensem comigo: se uma parcela significativa da população jovem não está participando da educação ou do mercado de trabalho, isso representa um desperdício de talento e potencial econômico para o país. Se a saída para grandes problemáticas é a educação, como vamos propor esse diálogo para essas jovens, de que é necessário investir no poder da transformação que só a educação pode proporcionar, se elas precisam trabalhar desde cedo para gerar renda e ajudar o acesso às necessidades básicas da sua família? Caímos novamente em um paradoxo, pois se não acessam a educação, também não vão acessar o mercado de trabalho.
A real é que educação e trabalho não funcionam de forma independente. São quase como indissociáveis. E isso você já sabe, ou não teria chegado em sua posição atual na empresa, correto? A provocação, portanto, é que você, enquanto empresa, tem um papel fundamental para reverter este cenário, transformando este potencial desperdício de talentos em massa que estamos construindo em pleno 2024 num bom ancestral, diminuindo assim os obstáculos e pré-concepções que criamos para estes jovens até agora.
O primeiro passo é entender que a geração Nem-Nem existe e que os contextos são os mais variados possíveis. Estamos perdendo um tempo enorme em discussões filosóficas de como é difícil lidar com a geração Z no mercado de trabalho e ignorando o abismo que estamos criando para as gerações Z e Alfa (sim, nossos adolescentes de 14 anos já entram nessa estatística ano que vem). Este abismo está inclusive atrelado à diminuição da população brasileira constatada no censo em 2022.
Tomarmos as nossas vivências de geração X como ponto de partida para definirmos que a população Nem-Nem é composta por jovens que não se esforçam é extremamente danoso para a mudança destes indicadores. A geração “nem-nem” pode ampliar as disparidades sociais e econômicas existentes, já que aqueles que têm acesso a recursos e oportunidades podem continuar avançando, enquanto outros ficam presos em ciclos de pobreza e marginalização.
Ter consciência das distintas realidades fará com que a sua empresa esteja aberta às intersecções e entendimento de novas perspectivas para acesso aos mais diferentes perfis desta geração. Criatividade, disrupção e estratégia são parte dos valores desta geração, e as perspectivas diferentes que eles podem somar se tornam contribuições relevantes para as empresas.
Eu tenho um case para provar meu ponto, e ele se chama Paula Salles. A Paula, na época em que nos conhecemos, era uma jovem preta e periférica que cursava o último ano do ensino médio e estava a meses de entrar para a estatística da geração Nem-Nem. Eu a conheci num programa chamado Junior Achievement, e quando tivemos a oportunidade de contratar um jovem aprendiz, eu consegui que ela fizesse uma entrevista. Paula foi muito bem, se destacou e, contra algumas forças internas da empresa que achavam que ela não estava no perfil, ela teve acesso a oportunidade.
Hoje, é uma das jovens potências 30+ , atuando na área de capital humano, com passagens por grandes multinacionais de tecnologia e já visitou mais de 3 países representando sua empresa. O mais incrível: uma oportunidade que possibilitou a ascensão de um talento e mobilidade social em todo o seu núcleo familiar. Aquela jovem do ensino médio hoje é uma executiva com MBA e outros jovens periféricos se inspiram nela.
Infelizmente a Paula é cada vez mais um caso isolado se observarmos os jovens que estão esperando mais bons ancestrais que estejam dispostos a criar oportunidades para eles. Quando vejo o potencial de jovens que estão em projetos maravilhosos, como o Instituto de Oportunidade Social (IOS), me pego refletindo o que falta para convencer a todos que a construção do legado corporativo é sobre as ações que são realizadas no presente das empresas.
Este texto é uma das minhas formas de começar a agir como bom ancestral, deixando um convite a você: topa ser um bom ancestral também? Estou falando sobre se tornar um bom ancestral para 10,9 milhões de pessoas que, se nomearmos os números os chamamos de filhos, filhas, sobrinhos, sobrinhas, netas, netos, afilhados, afilhadas, primos, primas. Ou seja, chamamos de família.
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