O impacto das mulheres negras nos conselhos administrativos
Dirlene Silva, Lisiane Lemos e Viviane Elias Moreira refletem sobre a importância da maior presença de lideranças negras na alta gestão das empresas
O impacto das mulheres negras nos conselhos administrativos
BuscarDirlene Silva, Lisiane Lemos e Viviane Elias Moreira refletem sobre a importância da maior presença de lideranças negras na alta gestão das empresas
Lidia Capitani
20 de novembro de 2023 - 9h31
A representatividade de mulheres em conselhos administrativos de empresas no Brasil era de 16% em 2022, de acordo com estudo da ACI Institute, da KPMG. Quando é feito o recorte de raça, entretanto, a porcentagem é ínfima, segundo a mesma pesquisa. Embora as mulheres negras representem 28% da população brasileira, sua presença em conselhos não chega a 1%.
“O racismo estrutural é a resposta simples para as disparidades que enfrentamos”, diz Viviane Elias Moreira, COO da Zeka Educação Digital e membra do conselho consultivo da QIPS Consultoria em Saúde. “Se não reconhecermos que o racismo estrutural está em constante evolução, os espaços de tomada de decisão continuarão refletindo as lacunas que existem desde os anos 1500 neste país.”
Apesar das estatísticas, existe luz no fim do túnel. “Sou otimista por natureza”, diz Dirlene Silva, economista, membra do Conselho de Desenvolvimento Econômico Social Sustentável da Presidência da República e do Conselho do Futuro do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC). “Mesmo que algumas empresas ainda sejam conservadoras, vejo a transformação em andamento”, afirma.
Motivadas pela indignação sobre a falta de diversidade nos conselhos administrativos, um coletivo de mulheres se mobilizou para mudar esse cenário. Em parceria com a KPMG e a fundação Women Corporate Directors (WCD), nasceu o Conselheiras 101, programa de formação para mulheres negras e indígenas atuarem em conselhos administrativos. Criado em 2020, o projeto já formou a sua 4ª turma. O grupo fundador é formado por Lisiane Lemos, Marienne Coutinho, Ana Beatrix Trejos, Ana Paula Pessoa, Elisangela Almeida, Graciema Bertoletti, Jandaraci Araujo, Leila Loria e Patrícia Molino.
“O Conselheiras 101 nasceu da vontade de tornar o universo da governança corporativa mais inclusivo. Almejamos estabelecer um novo horizonte para a presença de mulheres negras nos conselhos de administração no Brasil”, afirma Lisiane Lemos, uma das cofundadoras do projeto e atual Secretária Extraordinária de Inclusão Digital e Apoio à Políticas de Equidade do Governo do Estado do Rio Grande do Sul.
Dirlene Silva participou da terceira turma do projeto, e conta um pouco sobre a experiência: “O impacto mais significativo para mim não foi apenas aprofundar meu conhecimento em governança corporativa, mas sim a oportunidade de estar em um ambiente com mais mulheres negras”. Nascida em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, a economista brinca que era “inesquecível” às pessoas com quem trabalhava, por ser, em muitos casos, a única mulher negra naqueles espaços.
Para Viviane Elias, dois fatores contribuíram para sua decisão de investir numa carreira como conselheira. “Primeiramente, a intenção de promover e fortalecer a compreensão da importância de uma cultura de riscos nas organizações”, afinal, sua especialidade é a gestão de riscos e crises. “O segundo motivo surgiu da provocação do Conselheiras 101, que desmistificou a crença de que não existiam mulheres negras capacitadas tecnicamente e com contribuições viáveis para assumir posições em conselhos”.
Lisiane Lemos já enxerga um novo panorama como resultado imediato do projeto: “O Conselheiras 101 desempenha um papel crucial no despertar de minorias, alinhando-se à ideia de Angela Davis de que mover uma mulher negra move toda a sociedade”. As alunas do curso também reforçam essa afirmação. Para Dirlene Silva, por exemplo, a iniciativa é um exemplo do significado de sororidade. São mulheres ajudando e promovendo profissionais negras.
Antes de iniciar o curso, Viviane Elias não sonhava em ocupar uma cadeira de conselheira, justamente por não se ver representada nesses espaços. “O ponto de virada foi reconhecer a solidez e a relevância da minha carreira, que me proporcionou os skills técnicos e soft skills necessários para assumir uma cadeira de conselho”, conta.
O projeto também destaca lideranças e executivas que já atuam no mercado, de modo a acelerar suas carreiras, promovendo a sensibilização da causa nos aliados. “Na primeira turma, mais de 60% evoluíram em suas carreiras. Isso demonstra resultados palpáveis de curto prazo, mas também antecipamos efeitos qualitativos em alianças, representatividade e nas carreiras dessas mulheres ao longo dos anos”, reflete Lisiane.
Numa viagem recente, Viviane conheceu a cidade de Palmares, no estado de Pernambuco, onde descobriu um dos primeiros conselhos brasileiros, o Conselho Preto do Quilombo dos Palmares, formado integralmente por pessoas negras. “Se Palmares fosse uma empresa, teria sido uma das maiores do Brasil na época, demonstrando que conselhos pretos podem ser altamente eficazes”, reflete a executiva.
Trazendo para o tempo atual, iniciativas como o Conselheiras 101 reforça que mulheres negras têm a capacidade técnica para ocupar uma cadeira em conselhos. “A principal bandeira que defendemos é a técnica. Na seleção, baseamos nossas decisões em pesquisas e conversas com headhunters sobre as necessidades atuais dos conselhos”, destaca Lisiane.
Em segundo lugar, a presença da mulher negra na alta gestão é um gatilho para a transformação da agenda de diversidade de uma empresa em toda a sua estrutura. “Ver uma líder preta discutindo negócios, potência e resultados, em vez de apenas questões operacionais, é uma poderosa ilustração da correção necessária em todos os níveis e cargos das organizações”, afirma Viviane Elias.
Lisiane Lemos ainda enxerga o potencial da diversidade para a inovação, afinal, a profissional tem em seu currículo as gigantes da tecnologia Google e Microsoft. “Sigo o princípio de que só podemos construir soluções efetivas quando as pessoas certas ocupam as cadeiras de risco. Considerando a composição do país, o número de líderes de lares e o impacto socioeconômico que geramos, construir indústrias, lideranças e soluções deve ser feito por quem vive essa realidade.”
Os dias dos conselhos totalmente brancos e masculinos estão contados. Manter os padrões tradicionais ou usar pessoas pretas como tokens já causa consequências para as organizações, segundo a gestora de riscos Viviane.
São consequências para além da reputação, e refletem até mesmo na sustentabilidade econômica e na vitalidade dos negócios. “Há 30 anos, ser sustentável significava apenas dar lucro, mas hoje é necessário um tripé: economicamente viável, ambientalmente responsável e socialmente inclusiva”, reforça Dirlene Silva.
Além de causar tais transformações, cada mulher negra trará consigo seu diferencial, pois pensa e age de maneira diferente, trazendo, também, suas próprias interseccionalidades. “Quando uma mulher negra assume uma cadeira, ela não traz apenas questões de gênero e raça para a mesa, mas busca proporcionar uma composição única que nenhum outro membro do conselho pode oferecer”, destaca Lemos.
É importante ressaltar a multiplicidade de vivências e perfis dentro da população negra, mas também vale analisar as características que compartilham entre si. Com uma vivência marcada pelo racismo, as pessoas negras carregam habilidades necessárias para sua sobrevivência, como a resiliência e a coletividade, hoje muito demandadas e procuradas pelas empresas, principalmente para posições de liderança.
O grande ganho de haver mulheres negras em conselhos é a humanização das pessoas pretas, possibilitando que elas também façam parte do processo de tomada de decisão, tirando-as do lugar da servidão e enxergando sua potência para agregar valor, conhecimento e resultados.
“A presença de pessoas diversas no conselho contribui para uma cultura organizacional mais inclusiva, promovendo um ambiente onde o sentimento de pertencimento é mais evidente. Essa cultura não apenas reflete a viabilidade da diversidade, mas também fortalece o comprometimento e a identificação dos colaboradores com a empresa”, complementa Viviane.
O primeiro passo para diversificar a composição de um conselho é admitir o problema. “Muitos conselhos homogêneos não admitem que têm um problema, mantendo a ideia de que ‘sempre foi bom assim’ e resistindo à mudança. Isso resulta em prejuízos significativos, como a perda de inovação e novos talentos. Também compromete o pensamento de longo prazo”, afirma Lisiane Lemos.
Em segundo lugar, os atuais membros devem considerar a forma como definem seus sucessores, afinal, muitos conselheiros assumem posições por meio do networking. “A resistência em considerar pessoas fora do círculo próximo para a sucessão é um entrave significativo. Isso resulta em prejuízos que vão além do aspecto técnico, envolvendo a perda de oportunidades de conhecer novas pessoas, expandir horizontes, ter acesso a conhecimentos diferentes e captar novos mercados”, diz a executiva.
Desse modo, a mudança só acontece após um desconforto. É preciso que as lideranças, em especial o presidente, assumam sua responsabilidade, se aliem à causa e abram seus horizontes para conhecer novas pessoas. O mundo da governança corporativa, em especial dos conselhos de administração, ainda é muito fechado. Por isso, eventos e formações com a perspectiva de diversidade têm esse papel de abrir portas e renovar o networking.
“Se alguém se sente perdido e não sabe por onde começar, incentivamos a entrar em contato com as cofundadoras do Conselheiras 101. Temos uma lista significativa de mulheres negras e indígenas prontas para iniciar esse caminho”, convida Lisiane.
Um ponto importante no processo de inclusão das mulheres negras nesses espaços é que isso faça parte da agenda de diversidade da empresa, evitando práticas como o “washing” e a tokenização. “A importância de não ter apenas um token é enfatizada, evitando sobrecarregar uma única pessoa com a responsabilidade de representar toda uma população”, destaca Viviane.
O conselho também precisa ser um lugar que ouça e valorize esses talentos, caso contrário, a empresa estará perpetuando o racismo corporativo e prejudicando a segurança psicológica dessas mulheres. Esse investimento é crucial para que a diversidade não seja uma moda passageira, mas parte fundamental da estratégia do negócio. Para Dirlene Silva, “É imperativo que as empresas compreendam, como parte do meu trabalho de sensibilização, que a diversidade não é apenas uma competência, tampouco caridade. Ela, de fato, promove uma sociedade mais justa e inclusiva, mas o principal benefício é a construção de empresas sustentáveis, pensando na longevidade”.
Outra questão a ser ressaltada é a tendência do mercado de apenas inserir essas profissionais em áreas como recursos humanos e diversidade, limitando papéis e deixando de aproveitar seus conhecimentos técnicos que podem agregar em outras áreas como engenharia, economia, riscos e vendas. “Enquanto esse entendimento não for internalizado nos conselhos, continuaremos patinando e perpetuando o ciclo do ‘washing’ ao invés de efetuar mudanças reais”, reforça Viviane.
“Em resumo, a construção dessa ponte para a diversidade no conselho é um esforço conjunto, onde ambos os lados contribuem com tijolo a tijolo. A realização reside na compreensão de que diversidade e inclusão não devem ser encaradas como responsabilidade da minoria, mas sim como um compromisso de toda uma sociedade que almeja ser melhor e se preocupa genuinamente com as pessoas”, conclui Lisiane Lemos.
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