O papel dos homens na agenda de equidade de gênero

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O papel dos homens na agenda de equidade de gênero

Para que organizações avancem na pauta, especialistas — e a própria história — apontam que lideranças, ainda predominantemente masculinas, devem agir intencionalmente e com rapidez


27 de maio de 2024 - 14h26

Por Andrea Assef

Um dos grandes perigos do excesso de uso de algumas expressões na agenda da diversidade é o seu desgaste e esvaziamento. Já aconteceu com “empoderamento”, “protagonismo”, “lugar de fala”, entre outras. Para tirar as aspas de “aliado” (quando o assunto é o papel dos homens na luta pela equidade de gênero nas empresas), e mantê-lo fora dessa lista, é preciso transformar a palavra em ação.

Estudos e especialistas sobre equidade de gênero em ambientes corporativos são unânimes em apontar que ser aliado não basta, é preciso agir intencionalmente, com mais rapidez e a partir do topo da liderança. “Enquanto os líderes, que ainda são predominantemente homens brancos, não abraçarem, de fato, a agenda da equidade de gênero e compartilharem o poder com mais mulheres em cargos de liderança, o movimento será limitado”, afirma Isabela Venturoza, antropóloga e facilitadora de grupos reflexivos com homens.

Para a antropóloga Isabela Venturoza, líderes precisam abraçar, de fato, a agenda de equidade de gênero (Crédito: Marília Aguiar)

Um estudo da Promundo-US, em parceria com a Kantar TNS, revelou que enquanto 77% dos homens disseram fazer tudo o que podem para alcançar a paridade de gênero, somente 41% das mulheres concordaram com isso. E mais: 60% dos entrevistados (entre homens e mulheres) afirmaram que é raro encontrar homens se manifestando abertamente contra a discriminação de gênero. A pesquisa foi realizada em 2019, com 1.201 adultos com idades entre 25 e 45 anos, de todas as regiões e principais grupos étnicos dos Estados Unidos.

Como CEO, é importante assumir a causa e ser um aliado efetivo para que essa transformação aconteça. Sem o interesse genuíno da alta liderança, a pauta da diversidade, como um todo, e a da equidade de gênero, em específico, não se tornam uma prioridade e não avançam”, afirma Filipe Bartholomeu, CEO da AlmapBBDO.

Além de ter o Pacto Global da ONU como cliente, a AlmapBBDO é signatária e o próprio Bartholomeu foi convidado, em 2022, para ser uma Liderança com Impacto e porta-voz do Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS) 10, pela redução das desigualdades, que tem como uma das premissas a inclusão social, de gênero, de raça, entre outras. “Em 2020, tínhamos 43% de mulheres em posição de liderança. Atingimos 50% em 2021 e, em 2024, temos 57% de mulheres nas posições de liderança da AlmapBBDO”, diz.

Filipe Bartholomeu, CEO da AlmapBBDO: sem o interesse genuíno da alta liderança, a pauta da diversidade e da equidade de gênero não avançam (Crédito: Mariana Valverde)

Assim como Bartholomeu, Hugo Rodrigues, presidente do conselho do McCann Worldgroup para WMcCann, Craft e Aldeiah, sabe que a intencionalidade em cada processo de recrutamento é o que faz toda a diferença na busca verdadeira pela equidade de gênero e pela diversidade em geral. “A partir da minha chegada na WMcCann, no final de 2017, passamos a ter a maioria de mulheres também nas lideranças – hoje, elas estão em 63% em cargos de liderança –, e, como presidente do conselho, indiquei a Renata Bokel para a presidência da agência WMcCann em 2023”, recorda Rodrigues.

Mudança cultural

O estudo Women in Business 2024, realizado pela consultoria global Grant Thornton, aponta um aumento ínfimo, de 1,1%, no percentual de cargos de liderança ocupados por mulheres, passando de 32,4%, em 2023, para 33,5%, em 2024. O levantamento ouviu cinco mil pessoas em cargos de CEOs e diretores executivos, em empresas de 28 países, entre outubro e novembro de 2023. Nesse ritmo lento, a consultoria acredita que só haverá equidade de mulheres em cargos de gestão sênior em 2053.

Desanimador? Sim, mas há duas boas notícias. A primeira é que o caminho é sem volta e o mercado publicitário brasileiro, de uma maneira geral, acordou e tem corrido atrás desses avanços nos últimos anos. Afinal, não são tantos os setores de negócios brasileiros, hoje, que podem dizer que têm mais de 50% a 60% de sua alta liderança formada por mulheres. E a segunda é que a pesquisa da Grant Thorton revela que a América Latina tem o maior percentual de cargos C-Level ocupados por mulheres, com 36% (sendo que os pesquisadores se basearam nos dados de apenas dois países, Brasil e Argentina), enquanto as outras regiões (Europa, América do Norte, Oriente Médio e África) ficaram em torno dos 33,5%.

Intencionalidade em cada processo de recrutamento é o que faz toda a diferença, afirma Hugo Rodrigues, presidente do conselho do McCann Worldgroup para WMcCann, Craft e Aldeiah (Crédito: Divulgação)

“Para envolver os homens na luta pela diversidade e inclusão de gênero nas organizações, se faz necessária a criação de uma cultura organizacional que valorize e incentive a participação ativa de todos, independentemente do gênero. Além disso, é importante garantir a inclusão dos homens no diálogo sobre diversidade e inclusão, para que sintam que também têm um papel importante a desempenhar nesse esforço”, afirma Luciana Nicola, diretora de relações internacionais e sustentabilidade do Itaú Unibanco.

Segundo ela, o Itaú Unibanco tem colocado em prática uma série de iniciativas com a finalidade de incentivar a diversidade na instituição. A discussão permeia diversas áreas do banco, ampliando a agenda com a participação em fóruns sobre inclusão. “Temos nos dedicado, também, no engajamento da liderança, por meio da inclusão do tema em comitês, seminários e workshops”, explica.

Desde 2017, o Itaú Unibanco faz parte do Bloomberg Gender-Equality Index (GEI), que reúne 485 companhias globais. Trata-se de um índice feito para medir o desempenho de empresas de capital aberto e negociadas em bolsa de valores — independentemente de seu valor de mercado e setor — que se dedicam a reportar dados relacionados a gênero.

Luciana Nicolau, diretora de relações internacionais e sustentabilidade do Itaú: é preciso incluir homens nos diálogos sobre inclusão e diversidade (Crédito: Divulgação)

Quando o psicanalista francês Jacques Lacan disse a famosa frase “A mulher não existe” — e provocou a fúria de uma parte das feministas —, ele não estava negando a existência física das mulheres, mas, sim, questionando a ideia de uma identidade feminina universal em um mundo erguido pelo patriarcado. Ou seja, a mulher não existe porque essa construção de mulher foi feita pelo homem.

Desconstrução social

Na opinião de Venturoza, a própria transformação da frase de Lacan em um aforismo é reflexo da narrativa masculina sobre a história das mulheres. “Isto é o que já está no pensamento de mulheres e feministas há séculos. Pensadoras em diferentes registros provocaram as sociedades pelas quais passaram com a ideia de que enquanto homens, mulheres e outros, somos construídos no social, pela cultura, em processos de simbolização, pela linguagem”, afirma.

E essa construção do feminino passa pela experiência pessoal de cada um. “Tive a sorte de ser liderado por mulheres desde o meu nascimento: minha mãe foi quem me ajudava na educação, mesmo com os limites de não ter se formado; minha avó foi minha grande mentora e guia na vida; minha bisavó, que morreu aos 91 anos e teve 13 filhos, foi quem ajudou os filhos, netos e bisnetos na formação e conduta”, conta Rodrigues. Para ele, toda essa vivência fez com que sempre visse mulheres de forma igual. “Quando cheguei na presidência da Publicis, em 2013, lançamos o Publicis Plural, e em pouco tempo tínhamos mais mulheres no board do que homens”, lembra.

“Nossa principal missão é fazer o homem realmente refletir sobre seu modo de agir consigo, com o outro e com a sociedade”, afirma Pedro de Figueiredo, fundador do Memoh (“homem” escrito de trás para frente), negócio social que tem como principal objetivo debater um dos assuntos mais importantes da sociedade contemporânea, que é a desconstrução da masculinidade tóxica. “Já passou da hora de nós, enquanto homens, assumirmos nosso lugar na história e estar junto na luta por uma sociedade equânime”, diz Figueiredo.

Para Bartholomeu, o grande desafio hoje, além de continuar atraindo novas mulheres para a agência, é o engajamento e a retenção das colaboradoras em toda a sua jornada profissional na empresa. “Por exemplo: algumas mulheres serão mães. Isso é um fato. Então, temos que promover um ambiente acolhedor para as mães, mas também cobrar dos pais que assumam seu papel na parentalidade e criar mecanismos para isso, como o aumento da licença para não aumentar o gap”, afirma o CEO da AlmapBBDO.

“Homens também têm gênero. Mas o homem não entende isso porque não se sente parte da conversa, já que se enxerga como o ser universal, a referência da humanidade”, ressalta Figueiredo.

O Memoh é uma iniciativa que funciona em três frentes: promovendo encontros virtuais que debatem as questões que giram em torno da masculinidade, produzindo conteúdos e prestando consultorias corporativas. “Fazer um evento na empresa não muda a vida de ninguém; é preciso um comprometimento constante, no dia a dia. E, sim, é claro que vamos perder privilégios, mas precisamos estar do mesmo lado que as mulheres”, afirma.

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