Rompendo fronteiras: a jornada internacional de uma mulher negra
Minha trajetória global começou de maneira inesperada, mas muito desejada. Nunca tinha colocado o pé fora do Brasil
Rompendo fronteiras: a jornada internacional de uma mulher negra
BuscarMinha trajetória global começou de maneira inesperada, mas muito desejada. Nunca tinha colocado o pé fora do Brasil
2 de janeiro de 2024 - 15h28
Minha jornada global começou de maneira inesperada, mas muito desejada. Trabalhando por cinco anos em uma empresa francesa de petróleo, sem ainda ter alcançado uma posição gerencial, vi uma oportunidade que mudaria minha vida: uma vaga para controller financeiro na Normandia, França. Até então, eu nunca tinha colocado o pé fora do Brasil.
Eu era a primeira pessoa negra que eles receberam como expatriada. E o CEO dizia que eu era um case de sucesso de expatriação.
Mas, por parte de muitos brasileiros, eu ouvia muito: “nossa! Ah, você vai casar com um francês”. Eu costumava ficar muito irritada com isso, pois aquela era a oportunidade profissional da minha vida e queriam me limitar a isso.
Rouen, na Normandia, foi meu lar entre 2008 e 2010. Lá fiz novos amigos e adquiri diferentes hábitos culinários e hobbies, como jogar golfe e esquiar. Também já perdi as contas de quantos museus e exposições eu visitei e tantas viagens que fiz.
A aventura seguinte foi em Paris, em um projeto global de TI entre o final de 2010 e 2012. Eu trabalhava em uma equipe internacional com mais de 15 nacionalidades, responsável pela entrega da implantação de ERP (sistema integrado de gestão empresarial) para atender negócios do mundo inteiro, que iam desde fábricas até a construção de navios e plataformas de petróleo.
E Paris? Ah, Paris é uma festa! Tive a sorte de além de trabalhar muito, poder desfrutar de uma cidade vibrante e de companhias maravilhosas. Eu morava em uma pequena ilhota no Rio Sena, a Ilê de Saint Louis. Tornei-me uma parisiense típica, mas sem perder a brasilidade.
Após dois anos em Paris, surgiu a oportunidade de explorar o mundo ainda mais: a Malásia. Lá, encarei o desafio de gerenciar uma equipe diversa, composta por chineses, indianos e malaios. Inicialmente, enfrentei um certo machismo, mas aprendi a evitar o confronto direto, e soube ser política, buscando alianças locais essenciais para meu sucesso.
Porém, nem todos os momentos foram fáceis. Um episódio perturbador ocorreu quando o pneu do meu carro furou a caminho do trabalho. Dois homens que me ajudaram a trocar o pneu se aproximaram de mim de forma ameaçadora, mas uma mulher chinesa me resgatou da situação, levando-me a um lugar seguro. Esse episódio me fez perceber a vulnerabilidade e o perigo potencial que eu enfrentava como mulher estrangeira na Malásia.
A gota d’água veio em uma noite, quando tive uma síndrome de pânico. Aí percebi que meu bem-estar emocional estava em jogo. Apesar de valorizar a experiência profissional, decidi que era hora de voltar ao Brasil. Meu retorno marcou o fim de uma fase intensa, mas também o início de uma nova jornada de autoconhecimento e valorização das minhas raízes e da segurança.
Decidi, então, buscar novas oportunidades, e logo consegui uma posição em uma empresa americana em São Paulo. Naquela época estabeleci um objetivo claro: alcançar a posição de liderança máxima em finanças. Queria ser uma CFO. E me tornei.
O ano de 2023 marcou uma nova fase de transformação em minha vida. Uma cirurgia inesperada e uma transição de carreira me levaram a reavaliar minhas prioridades e resgatar sonhos antigos. Um desses sonhos, cultivado desde a época na França, era estudar na Insead (sigla em francês para Instituto Europeu de Administração de Empresas). Optei por um programa conjunto com Tsinghua, a principal universidade da China, Apesar dos desafios financeiros – o investimento correspondia ao valor de um apartamento em uma zona nobre de São Paulo – e da falta de bolsas ou financiamentos acessíveis para pessoas negras em programas de MBA executivo, decidi avançar com recursos próprios e uma dose de coragem.
A pergunta que mais ouvi foi “Por que a China?”. Eu ouvia isso incrédula, e minha resposta usual era “Por que não a China?”. A China é o maior parceiro comercial de praticamente todo o mundo!
Em agosto de 2023, iniciei uma jornada abrangente que vai até 2025, com aulas na China, Singapura, Abu Dhabi e França. Decidi viver em Pequim por três meses para uma imersão completa.
As aulas com professores considerados celebridades na China me proporcionaram um entendimento aprofundado sobre os negócios no país, desvendando os planos sociais e econômicos do Partido Comunista e a posição chinesa em relação a eventos globais, como a guerra na Ucrânia e as agitações políticas em outros países. Essa experiência me revelou que muitas das informações que eu tinha sobre a China não correspondiam à realidade. Uma das experiências mais marcantes foi participar de um evento com o vice-presidente da Comissão Europeia, onde presenciei um discurso histórico dirigido à elite chinesa. Ver essa apresentação noticiada mundialmente no dia seguinte me fez perceber a importância do que eu estava vivenciando.
A adaptação cultural foi relativamente fácil para mim. Mas o desafio da língua chinesa foi considerável. Perdi a independência que tanto prezava, incapaz de realizar tarefas simples sem assistência. Os chineses adoram fazer ligações de voz, acho que acabei recuperando este hábito. Outros hábitos como a comida mais saudável, com muitas sopas e molho picante, compartilhar o prato no restaurante, tomar água morna e dar presentes foram adicionados.
Pequim me surpreendeu com sua vibrante cena cultural. A cidade também me encantou com seus locais históricos, como a Cidade Proibida e os hutongs, que são bairros antigos cheios de cafés, bares e restaurantes escondidos, oferecendo uma experiência gastronômica ímpar. E como as pessoas são estilosas. Um desfile de moda a céu aberto.
Minha passagem por Pequim foi inesquecível, repleta de aprendizados e descobertas e oportunidades comerciais já engatilhadas. Depois de Pequim, já tive aula em Cingapura, e minha próxima parada será os Emirados Árabes, mas já estou ansiosa para retornar à China em março de 2024. Esses três meses não foram apenas um período educativo, mas uma verdadeira imersão cultural que profundamente enriqueceu meu entendimento sobre a China e o mundo.
E pensar que essa jornada só está começando.
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