Sete passos para implementar a equidade de gênero nas empresas
O processo é complexo e vai além de números no quadro de funcionários e salários iguais. Envolve a promoção de ambientes inclusivos, letramento e intencionalidade
Sete passos para implementar a equidade de gênero nas empresas
BuscarO processo é complexo e vai além de números no quadro de funcionários e salários iguais. Envolve a promoção de ambientes inclusivos, letramento e intencionalidade
Lidia Capitani
28 de julho de 2023 - 10h31
Nos níveis de entrada do mercado de trabalho, 46% dos cargos são ocupados por mulheres no Brasil. Subindo a hierarquia para a diretoria, este número cai para 35%. Já no topo da carreira, as mulheres ocupam apenas 23% das posições de C-level, de acordo com o estudo “Gender Equity in the Workplace”, do LinkedIn. No pior dos cenários, essa conta não fecha em menos de 131 anos – tempo determinado pelo Fórum Mundial Econômico para vencermos as disparidades de gênero no mundo, segundo o Global Gender Gap Report 2023.
São inúmeros os desafios que as mulheres enfrentam. Desde a falta de incentivo, diferença salarial, baixa autoestima e síndrome da impostora até relatos de assédios, mecanismos de preferências em promoções ou aumentos e micro agressões, que se caracterizam por interrupções durante as falas até a exclusão de eventos sociais fora do escritório. A nova lei de igualdade salarial cria mecanismos de punição para empresas que remuneram pessoas do mesmo nível e cargo de modo diferente. Entretanto, a equidade de gênero precisa avançar mais em outros aspectos.
Em entrevista com Nadja Brandão, Diretora Executiva da {reprograma}, iniciativa de impacto social que ensina programação para mulheres em situação de vulnerabilidade social e econômica, e Renata Moraes, CEO e fundadora da ImpulsoBeta, elencamos ações e iniciativas que as companhias podem tomar para reduzir as disparidades de gênero em suas estruturas. Confira abaixo os principais passos para uma jornada bem-sucedida de implementação de uma política que realmente promova a equidade de gênero.
O primeiro passo é realizar um censo interno que analisa minuciosamente a representatividade de mulheres e grupos minoritários em cada área e departamento da empresa. Por vezes, as empresas têm muitas mulheres em posições de base, e cada vez menos em cargos mais elevados. Ou ainda, as profissionais estão concentradas em uma área específica.
“A partir daí, já é possível estabelecer um planejamento estratégico que inclui desde abrir um diálogo constante sobre o tema até desenvolver políticas afirmativas, a fim de promover direitos iguais a todos os colaboradores, bem como programas de desenvolvimento de talentos”, exemplifica Nadja Brandão.
Antes de passar para o planejamento, é preciso entender as razões da empresa para executar um plano de ação para a equidade de gênero. Isso alimenta a motivação para continuar trabalhando nessas políticas e também ajuda a medir resultados. “Neste sentido, as motivações podem ser diversas, desde fortalecer a reputação corporativa, entrar em um novo mercado ou simplesmente expandir a diversidade do seu time interno para representar a sociedade em que está inserida”, afirma Brandão.
Sabendo quais as motivações, é preciso entender aonde a organização quer chegar e como alcançar esse objetivo, o que requer estabelecimento de metas e planejamento. As metas, portanto, serão estabelecidas a partir do apetite da alta liderança, sempre baseada em números reais. “Para eu me comprometer com metas, eu tenho que cruzar com planos de negócio”, afirma Moraes. “Tudo que é importante para o negócio tem meta. Caso contrário, quando precisamos priorizar grana, tempo e recursos de qualquer tipo, deixa de ser prioridade”, continua.
Logo, as metas precisam de atualização constante e alinhamento com o time, o que envolve compartilhar os motivos e objetivos. “O passo seguinte é a definição de indicadores que sinalizam se elas estão ou não sendo atingidas, a fim de mensurar avanços, corrigir rotas e acompanhar a evolução”, reforça Nadja Brandão.
Como ressaltado pela pesquisa do LinkedIn, as mulheres ainda enfrentam dificuldades para acessar certas posições no mercado de trabalho. As razões podem ser inúmeras, porém existem marcadores importantes que dificultam o ingresso das mulheres no mercado como a maternidade. Infelizmente, ainda há relatos de mulheres sendo demitidas logo após o retorno da licença, ou ainda, entrevistas de emprego que questionam se a candidata é mãe ou tem intenções de ser.
“Para aumentar o número de mulheres nos mais diversos níveis de uma organização, um ponto de partida é implementar ações que quebrem possíveis obstáculos que impeçam a força feminina de crescer dentro do ambiente de trabalho, como apoio às colaboradoras gestantes e mães, a criação de programas de mentoria e comitês focados em debater liderança feminina, a criação de um canal de denúncia e combate à discriminação de gênero e o apoio ao equilíbrio entre vida profissional e pessoal, por exemplo”, diz a Diretora do {reprograma}.
Um ponto é identificar se as ações são equânimes, como provoca Renata Moraes. “Minhas políticas de benefícios incluem homens e mulheres? Nesse sentido, por exemplo, tem empresas em que o homem pode incluir uma mulher no plano de saúde e o oposto não é verdadeiro, porque existe a crença de que quem deve sustentar a família é o homem”, relata.
Outro exemplo que a especialista traz é de empresas que possuem creche, porém apenas as funcionárias mulheres podem levar seus filhos, os homens não. Ou ainda, planos de saúde que não incluem rotinas, especialistas e procedimentos específicos dos corpos femininos. Em contrapartida, já existem startups que buscam promover benefícios corporativos para a fertilidade, por exemplo.
Em relação a contratações, a especialista Renata Moraes adverte sobre vagas e descrições que tenham simbolismos excludentes. “Vagas que têm o nome no masculino foram historicamente ocupadas por homens”, o que reflete vieses subentendidos de quem ocupará o espaço. Outra preocupação são as formas de divulgação desta vaga. “Se a maneira de divulgar não é aberta e só inclui indicações por quem já trabalha na empresa, a tendência é de indicarem outros homens que fazem parte do network. É importante divulgar ativamente em lugares que vão chegar a perfis que você queira atrair”, diz a especialista.
Além de aumentar a diversidade dos candidatos e garantir que a descrição abranja diferentes perfis sociais, Moraes também reforça a importância de uma banca de recrutadores diversos. “Quando eu chamo mulheres para serem entrevistadas por homens, eles podem querer testar ela, mas quando são outros homens, sem perceber, eles não testam tanto esse candidato. A barra é mais baixa”, reflete.
Sem um time engajado, não há cultura que se sustente. Além das ações de seleção e retenção de talentos já citadas, é importante pensar em como o ambiente receberá as novas contratações. “A equipe precisa estar alinhada com a cultura da organização. Neste sentido, é essencial criar um conjunto de iniciativas, como capacitações e processos que reforcem os valores comportamentais desejados. Desta forma, a mudança ocorrerá de dentro para fora e, assim, os funcionários estarão preparados para receber novos colaboradores e promover um ambiente livre de preconceitos”, diz Brandão.
Nesse ponto, a liderança precisa ser um espelho dessa cultura inclusiva. Por isso, programas de letramento são capazes de formar líderes que influenciam e refletem os valores e comportamentos desejados. “Se a meta é ter um ambiente corporativo de respeito e não discriminatório, a liderança não pode, por exemplo, deslizar em micro agressões disfarçadas de brincadeiras”, reforça Nadja. Nessa questão, é importante ter atenção aos assédios morais e sexuais que costumam ocorrer. Como, por exemplo, exigências e dinâmicas que testem ou duvidem da capacidade daquela mulher de executar certo trabalho.
Hoje, a diversidade, equidade e inclusão viraram atributos de negócio, que, inclusive, são cobrados pela própria Bolsa de Valores. Entretanto, Renata Moraes faz uma provocação: “poucas empresas estão entendendo que mudança de comportamento é um negócio de médio prazo. Tudo que fazemos de maneira automática como liderança, a gente aprendeu. Agora, as pessoas precisam de novos repertórios”.
Uma cultura inclusiva começa por canais de compliance efetivos e líderes capacitados, de acordo com Nadja Brandão. Iniciativas que promovem equidade vão desde programas de desenvolvimento de carreira e equiparação salarial até aderência às licenças parentais. “Se eu não tenho uma política que incentive os homens da minha empresa a serem pais, isso é contrário à equidade de gênero. Esse homem também precisa ser humano em integral e não é só um provedor, assim como a mulher não é só cuidadora”, destaca Renata Moraes.
“Com relação ao assédio moral e/ou sexual, a tolerância precisa ser zero e a punição efetiva”, reforça Brandão. “Assédio sexual acontece em todos os níveis da hierarquia e o mais difícil de combater é quando ocorre no topo. Isso exige canais de denúncia mais robustos. Porque tratar denúncia de operário, de analista é uma coisa, tratar denúncia de diretor e de sócio é outra”, continua Moraes.
Outra ferramenta que ajuda a identificar pontos de melhoria, são as pesquisas de clima. “A inclusão é a sensação que as pessoas têm de fazer parte ou não. E isso tem maneiras mais subjetivas de mensurar, como por exemplo, uma pesquisa de clima, que tem perguntas sobre pertencimento, quanto tempo eu quero ficar na empresa, e assim, eu posso fazer recortes por grupos sociais”, explica Renata.
Por meio da escuta ativa, é possível encontrar os gargalos que dificultam a permanência dessas mulheres. No exemplo das mães, Nadja destaca um equívoco comum: “a flexibilidade é importante, mas sempre vale perguntar o que elas querem. Muitas empresas se surpreendem ao conversar com as mães sobre o assunto, pois, muitas vezes, elas querem que os companheiros assumam mais a responsabilidade e, neste sentido, é crescente a discussão sobre o aumento da licença paternidade, por exemplo”.
Compartilhe
Veja também
Sabrina Wagon: “No audiovisual, o Brasil tem tudo para ser uma Coreia”
CEO da Elo Studios fala sobre sua jornada profissional, avalia o cenário do setor no País e aponta tendências
Por que 2024 foi ano de avanços para mulheres em startups?
Empreendedoras fazem uma retrospectiva sobre o setor e refletem sobre o cenário das profissionais do ecossistema de inovação