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Pais influenciadores ajudam a ressignificar a paternidade

Criadores ampliam debate sobre igualdade de responsabilidades, mas ainda buscam impactar mais homens 

i 9 de agosto de 2025 - 12h19

Durante décadas, a paternidade no Brasil esteve associada ao papel de prover e à ideia de que “ajudar” nas tarefas domésticas e no cuidado com os filhos já era um mérito. Hoje, uma geração de pais influenciadores tem contribuído para a desconstrução desse modelo ao mostrarem, para milhões de pessoas, que criar filhos é uma responsabilidade integral e um prazer também para os homens. 

De diferentes maneiras, linguagens e origens, criadores como Jorge Freire (@nerdpai), Marcos Piangers (@piangers), Tadeu França (@otadeufranca), Thiago Queiroz (@thiagoqueiroz) e Pedro Fonseca (@peubfonseca) têm usado redes sociais, livros, palestras e projetos para defender uma parentalidade mais igualitária.  

Mas ainda há muito a ser feito. Ao contrário do que pode parecer, a audiência deles ainda é, em sua maioria, feminina. Mesmo assim, ao exporem, sem filtros, os desafios e as alegrias do cuidado diário, eles alcançam outros homens. Quando não encontram resistência, os inspiram a se envolverem mais e, assim, ajudam a transformar o imaginário parental. 

Pioneirismo  

Os primeiros pais influenciadores nas redes sociais abriram caminho para um mercado que hoje é mais diverso, mas ainda em evolução. No início, há mais de 10 anos, falar sobre paternidade de forma aberta e profunda era visto como algo incomum. É o que lembra Thiago Queiroz, escritor e psicanalista conhecido pelo Paizinho Vírgula, blog sobre paternidade que fez há 13 anos. 

“Criei o blog porque me sentia solitário e não tinha com quem falar de paternidade. A ideia era compartilhar meu dia a dia. Eventualmente, as coisas começaram a tomar corpo e voz. Muitos homens começaram a acompanhar meus textos justamente porque se identificavam.” 

Thiago Queiroz (Crédito: Divulgação)

Thiago Queiroz, escritor, psicanalista e criador do blog Paizinho Vírgula (Crédito: Divulgação)

Pai de quatro filhos, Thiago compartilha em suas redes sociais conversas sobre a importância do cuidado paterno, do afeto e do respeito na criação e na construção de uma masculinidade saudável. Apenas no Instagram, ele tem 325 mil seguidores. 

Já Jorge Freire, publicitário que desde 2009 fala sobre sua rotina como pai com referências à cultura pop e tecnologia no Nerd Pai, lembra que, quando começou, havia apenas dois outros homens falando sobre paternidade na internet. As mães já eram centenas. “Era como entrar em uma convenção de Star Wars vestido de Gandalf: eu estava fora de lugar, mas sabia que tinha algo importante para dizer.” 

(Crédito: Divulgação)

Jorge Freire, publicitário e criador do Nerd Pai (Crédito: Divulgação)

Com aproximadamente 36 mil seguidores no Instagram, seu conteúdo desmonta a ideia de que estar presente é “ajudar” a mãe. Ele defende que políticas como a ampliação da licença-paternidade são fundamentais para mudar esse cenário: “Cinco dias não dão nem para entender onde ficam as fraldas na casa. É impossível criar vínculo e apoiar a mãe nesse tempo”. 

Mudanças e futuro

Para Marcos Piangers, autor do best-seller “Papai é Pop” (Belas Letras) e criador de conteúdo desde 2012, a principal mudança de lá para cá foi social e cultural, e isso também impactou marcas, produtos e empresas.  

“Em 2005, quando minha primeira filha nasceu, não tinha trocador de fralda no banheiro masculino, nenhuma boneca falava ‘papai’ e não havia pais em reunião escolar, só mães. Ou seja, a sociedade tinha mudado, mas a cabeça das pessoas ainda não.” 

(Crédito: Divulgação)

Marcos Piangers, autor do best-seller “Papai é Pop” e criador de conteúdo (Crédito: Divulgação)

Hoje, com 2,6 milhões de seguidores no Instagram, ele avalia que as discussões geradas pelos criadores de conteúdo sobre paternidade foram fundamentais para essa mudança.  

“Cada vez mais, vejo pais participativos. Já temos trocadores no banheiro dos homens em muitos lugares e há empresas com licença-paternidade de 20, 40, 120 dias, e até de 6 meses. Então, há iniciativas de todos os lados dando condição e incentivo para os homens participarem.” 

Piangers ressalta que essa mudança vai muito além da paternidade e impacta a sociedade como um todo. “Quanto mais pessoas falarem a respeito e quanto mais bons pais inspirarem outros homens, mais teremos uma sociedade em que mulheres são mais respeitadas, crianças são mais bem cuidadas e homens são mais equilibrados. Porque o homem está doente.” 

Se depender dele, esse ideal está cada vez mais próximo. Marcos tem mais de um milhão de livros vendidos, já palestrou em três continentes e seus vídeos na internet ultrapassaram meio bilhão de visualizações. Em 2022, “Papai é Pop” foi transformado num filme estrelado por Lázaro Ramos e Paolla Oliveira, disponível na Amazon Prime Video. 

Resistência masculina

Apesar de produzirem conteúdos que dialogam diretamente com questões masculinas, o público desses pais influenciadores segue sendo majoritariamente feminino. Segundo eles, há resistência de outros homens, seja por preconceito, desconforto ou por enxergarem a paternidade ativa como algo que não lhes diz respeito. 

Tadeu França, que também é ator, apresentador e MC, começou a produzir conteúdo para o TikTok sem planejamento, na pandemia. Ele conta que, desde o começo, seus vídeos sobre igualdade parental em linguagem de humor crítico de esquete sempre alcançaram mais mulheres e recebem resistência de muitos homens. 

“Conteúdo sobre a desconstrução da masculinidade é o que mais engaja meu público. Principalmente porque meu perfil é seguido majoritariamente por mulheres, são mais de 80%. Elas têm a sobrecarga de fazer uma curadoria e mandar minhas publicações para o marido negligente, ou para aquele que está tentando aprender alguma coisa. Elas enviam para dar uma indireta.” 

(Crédito: Divulgação)

Tadeu França, ator, apresentador, MC e criador de conteúdo (Crédito: Divulgação)

Ainda assim, Tadeu, que tem mais de 320 mil seguidores no TikTok, diz que alguns homens vão até ele. “Conquistei cada seguidor masculino que chega até mim ‘na unha’. Já recebi muitos relatos de homens que começaram terapia depois de me seguir, por eu falar sobre saúde mental. Também ouço que salvei o casamento de alguns.”  

A resistência também aparece na forma de comentários depreciativos, os “hates”. “Alguns haters falam que eu estava acabando com o casamento deles do tanto que a mulher mandou meus vídeos como indireta. Muitos homens não se interessam em seguir perfis que falam de paternidade, trazem reflexões e mexem nos próprios privilégios.” 

Para Thiago Queiroz, há uma ambiguidade entre a audiência de algumas publicações produzidas por ele e quem deveria consumi-las de fato. “Conteúdos em que faço mais críticas à paternidade são mais engajados por mulheres do que por homens. Na verdade, eles não costumam assisti-los. É contraditório, porque se meu papel é falar sobre isso com eles e, quando falo, pouquíssimos veem, como continuo falando e para quem estou falando de verdade?” 

Missão de inspirar

Apesar dessas barreiras, Piangers enxerga toda essa discussão como parte de um movimento maior de libertação emocional masculina. “O homem estava preso a uma única emoção publicamente aceita: a raiva. Ele tinha que mostrar sua masculinidade por meio da negação do medo, nojo, tristeza e até da alegria. Precisamos nos permitir sentir essas emoções e levar isso para a relação com os filhos.” 

Para ele, nunca houve tantos pais participativos mostrando isso na internet ou em obras culturais. “Toda semana faço o prefácio de algum livro sobre paternidade. Na última Flip, vi muitos autores que usam a relação com o pai como inspiração para a produção artística. Então, sim, acho que estamos cada vez mais em alta. É gradativo e lento, como toda mudança social.” 

Marcos cita o jornalista e pai norte-americano Paul Raeburn, especializado em ciência, que faz uma pergunta sincera em seu livro Do Fathers Matter? (Os pais importam?, em tradução livre): será que o pai é importante? De acordo com a pesquisa dele, a resposta é positiva: homens cuidadores vivem mais, brincadeiras com pais preparam melhor o filho para o estresse da vida real e esse contato constante leva a menos agressividade. 

Segundo o estudo, filhos com pais presentes têm 80% menos chances de serem presos e 75% de engravidar na adolescência. Também aumenta a resiliência, autoconfiança, independência e desempenho escolar. E, para ele, o mais importante: pais que tiram licença-paternidade se mantêm conectados com os filhos por toda a vida, e esposas de pais participativos têm a média salarial maior. Em geral, o rendimento de mulher aumenta 7% para cada mês que o pai tira de licença.   

Por isso, o papel de influenciar outros pais a serem presentes se torna fundamental. “Um pai inspira outro pai e leva ao aumento dessa prosperidade”, resume. 

Necessidade de mudança

Mesmo com avanços, os influenciadores reconhecem que há um longo caminho para que a paternidade seja vivida de forma plena. Jorge Freire diz que a presença do pai ainda é vista como algo extraordinário, e não como o básico esperado. 

“Quero ver um cenário em que os pais estejam tão envolvidos no dia a dia dos filhos quanto as mães, desde o banho e a lição de casa até conversas profundas sobre sentimentos e escolhas de vida.” 

Para chegar lá, ele cita mudanças práticas, como a licença-paternidade ampliada e obrigatória, para que o pai possa criar vínculo desde o nascimento; empresas e gestores que compreendam que a vida familiar de um funcionário não é um “imprevisto”, mas parte da rotina; além de espaços públicos adaptados para todos os cuidadores, não apenas para mães, incluindo banheiros de família e áreas de amamentação que acolham pais também.  

Por fim, Jorge menciona a necessidade de uma mudança cultural que valorize o cuidado como parte da masculinidade, e não como algo que a diminui. “Se conseguirmos avançar nesses pontos, teremos uma geração de crianças que crescerá com referências paternas mais presentes, afetivas e participativas, e isso vai mudar toda a estrutura social que conhecemos.” 

Piangers acredita que o maior problema está na licença-paternidade. “Desde que comecei, vi muitas mudanças, mas o que não mudou nesses últimos anos foi a licença. Continua 5 dias, menos do que o Carnaval. Precisamos mudar isso no Brasil.” 

Thiago complementa: “acho que temos um movimento, mas ainda há muito a andar, porque se olharmos para fora da nossa bolha, vamos ver que a paternidade continua sendo bem tradicional, machista e patriarcal”. 

Piangers completa: “Imagino um Brasil em que mais homens estejam no parquinho, na escola, de mão dada com seus filhos. Isso não diminui ninguém, pelo contrário, amplia quem somos”. 

Força das comunidades

No ano de nascimento do primeiro filho de Pedro Fonseca, de Brasília, ele lembra que não fazia a menor ideia de que isso o levaria a uma carreira e a um propósito de vida. 

“Eu era um homem de 33 anos, autocentrado, arrogante e vaidoso que, ao me deparar com a chegada de um filho, pensei que teria boas histórias para contar. O que não sabia é que o parto de João era minha partida. Ele estava chegando e eu, como me conhecia até ali, estava indo embora.” 

Depois do nascimento do filho, ele resolveu criar um blog com cartas que escrevia para ele, chamado Do Seu Pai. Em seguida, vieram seus outros filhos, o blog virou livro, e a obra virou sua carreira e missão diária: o cuidado familiar. 

(Crédito: Divulgação)

Pedro Fonseca, fundador da Rede Amparo, idealizador da Bienal da Criança Brasileira e criador de conteúdo (Crédito: Divulgação)

Hoje, pai de quatro filhos e com mais de 29,8 mil seguidores no Instagram, ele defende que o envolvimento masculino seja visto como parte do desenvolvimento saudável das crianças e da sociedade. Sua missão é criar conexões entre famílias, educadores e poder público, ampliando a discussão sobre direitos da infância e a importância da participação paterna. 

Pedro também é fundador da Rede Amparo e idealizador da Bienal da Criança Brasileira, e vê as redes sociais como um terreno fértil para o que elas têm de mais promissor socialmente: a criação de comunidades.  

“Tudo isso me levou a pensar que, para além do que o provérbio africano nos ensina, de que ‘é preciso uma aldeia para criar uma criança’, também é verdade que é preciso uma criança para nos lembrar que podemos ser, apesar de adultos, uma aldeia.”