O dobro de Copas

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Opinião

O dobro de Copas

A FIFA estuda o interesse e viabilidade de realizar seu principal evento a cada dois anos


13 de outubro de 2021 - 10h15

Copa do Mundo (Crédito: Divulgação/Rafael Ribeiro/CBF)

Na década de 1930, quando a Copa do Mundo foi lançada, viajar para um outro continente era uma aventura cara e demorada. A única forma de convencer as Federações Nacionais de Futebol a participarem daquele novo campeonato mundial, era organizar um a cada quatro anos. Na época, ninguém questionou o formato, que já funcionava bem com os Jogos Olímpicos desde 1896.

Mas com o sucesso das primeiras edições, o aumento do interesse internacional pelo esporte e a democratização das viagens internacionais nas décadas seguintes, algumas mudanças começaram a acontecer.

A primeira foi no número de equipes. A partir de 1954, na Suíça, 16 países passaram a disputar o evento. O número aumentou posteriormente para 24 seleções em 1982 na Espanha e 32 em 1998 na França. Na Copa do Mundo da América do Norte em 2026, participarão 48 seleções.

A disponibilidade e qualidade das transmissões também evoluíram muito. Até 1950, na Copa do Brasil, só era possível acompanhar as partidas pelo rádio. As transmissões ao vivo dos jogos na TV começaram em 1954. Em 1970, pudemos ver a melhor seleção de todos os tempos ser campeã no México em cores, pela primeira vez. Nos eventos recentes, graças à expansão das redes de banda larga, foi possível assistir as partidas em nossos computadores e celulares.

A Copa mudou muito em outras áreas também. Regras foram adaptadas para agilizar o jogo; a tecnologia usada nos uniformes e bolas diminuiu o desgaste dos jogadores, deixou o jogo mais rápido e os chutes mais precisos; os sensores instalados no campo passaram a informar o juiz se a bola entrou ou não no gol; a tecnologia VAR (ainda muito criticada) foi lançada para diminuir os erros de arbitragem; etc. A experiência de um torcedor na Copa do Mundo da FIFA em 2018 nada lembrou o que nossos bisavôs vivenciaram no Uruguai em 1930.

Apesar de tanto progresso, algo se manteve imutável: a frequência quadrienal.

Mas nas últimas semanas a FIFA criou um grupo de estudo para avaliar o interesse e viabilidade de realizar seu principal evento a cada dois anos. A simples proposta de estudar o assunto foi suficiente para despertar a alegria de uns e a ira de muitos outros.

Os que gostam da ideia, justificam de muitas maneiras. O dobro de Copas também dobra o número de oportunidades para países que pouco ou nunca participam de se classificarem. Mais Copas têm o potencial de dobrar as receitas de televisão e aumentar bastante as de patrocínios. Maiores receitas para a FIFA aumentam os valores distribuídos para os países para programas de desenvolvimento do futebol, infraestrutura, etc. Diferentemente dos ricos países europeus, a maioria das Federações na África, Ásia e nas Américas dependem muito dos recursos da FIFA. Quanto mais Copas, melhor eles poderão fazer os seus trabalhos.

Os opositores falam de tradição, calendário, integridade dos jogadores e governança.

Dobrar o número de Copas, segundo este grupo, poderá banalizá-la. A Copa é tão valiosa exatamente porque acontece a cada quatro anos. Dobrar sua frequência diminuirá seu valor comercial. Assim como os produtos de luxo, a Copa precisa ser consumida em pequenas doses. Precisa ser rara. A única forma de manter esta exclusividade é deixar tudo como sempre foi.

Mais importante do que o medo da banalização, entretanto, é o impacto real dessa mudança no calendário mundial do esporte. A nova Copa coincidirá com os Jogos Olímpicos de Verão (onde o futebol é um dos esportes) e com as competições continentais (como a Copa América, UEFA Euro, etc.). As eliminatórias para essa nova Copa requererão que as ligas de futebol nacionais também sejam interrompidas com mais frequência, impactando as receitas e operações locais.

Os principais jogadores terão que jogar mais partidas aumentando o desgaste, o risco de contusões e o seu desempenho nos clubes que os empregam e pagam seus salários.

Finalmente há o problema da governança do futebol. A FIFA, organização que mais faturará com a mudança, é justamente a responsável por definir as regras do esporte, proteger os jogadores, apoiar as Federações nacionais, facilitar o trabalho das Ligas a organizarem os campeonatos através de um calendário com pouca interferência, etc. Mudar a frequência da Copa do Mundo, aumentando as suas receitas, faz parte do trabalho da FIFA, mas ao mesmo tempo, a torna responsável por uma infinidade de problemas que ele é responsável por combater.

Todos nesse ecossistema lutam, abertamente ou nos bastidores para defender os interesses de suas organizações. Quem defende a mudança, são justamente os que mais se beneficiarão financeiramente. Os que resistem, são os que mais tem a perder em receitas e poder.

As marcas ainda não se posicionaram. Apesar de, na superfície, um maior número de Copas oferecer mais oportunidades de negócios, todas estão esperando para ver o preço da mudança. No fim das contas são os patrocinadores e parceiros de mídia que terão que pagar essa conta.

As próximas semanas serão decisivas para o futebol mundial. Vale a pena acompanhar o que acontece em Zurique.

*Crédito da foto no topo: Reprodução

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