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Opinião

Fiar com é preciso

Ficar em cima do muro é se colocar em um lugar de fragilidade. Por muito tempo se achou que o bom era agir assim, mas não é. Descer do muro é preciso


23 de maio de 2022 - 0h01

(Crédito: Elena Khus/Shutterstock)

Estamos vivendo um ciclo de desconfiança. Essa foi a conclusão do Edelman Trust Barometer de 2022. A pesquisa foi realizada em novembro do ano passado, em 28 países, com mais de 36 mil respondentes, numa amostra mínima de 1.150 entrevistas em cada país. Entre eles, as principais economias do mundo, com Brasil na amostra. Uma pesquisa robusta para nos dizer que neste exato momento de retomada e esforço de reinvenção da humanidade, 59% das pessoas desconfiam até que se prove o contrário, ou seja, não confiar é quase um padrão nas relações contemporâneas. Desde que o relatório 2022 foi divulgado, eu não paro de pensar no que isso pode significar para a humanidade no longo prazo.

Lembro sempre de uma citação do Stephen Covey no livro “O Poder da Confiança”, um de seus clássicos que me marcaram muito durante minha formação e início de carreira: “A confiança é a cola da vida, o ingrediente mais importante para a comunicação eficaz. É o princípio fundamental que mantém todos os relacionamentos.”

A confiança também nos permite avançar em direção ao outro sem ter certeza de que ele agirá do modo como esperamos, mas acreditando e esperando que isso aconteça. Confiar significa “fiar com”, tecer em conjunto. Neste exato momento do mundo, com todos os desafios que temos pela frente enquanto humanidade, mais do que nunca, fiar com é preciso.

Já a desconfiança é gasolina na fogueira da divisão, da separação, da polarização da sociedade, que acontece quando a gente se coloca dentro de grupos, que se fecham em pautas e convicções, sem abertura para o diálogo. Afinal, quem pensa diferente é inimigo. Enquanto nos fechamos em guerra pela alma da nação, passa boi e passa boiada. Quem poderia ajudar a mediar esse momento de desconfiança geral para que a nossa sociedade não paralise e siga em frente? Os governos? A mídia? O terceiro setor? As empresas? O que você acha?

Ainda nos resultados da mesma pesquisa, a percepção das pessoas é de que os governos e a mídia trabalham mais ainda para dividir a sociedade, o que pressiona as empresas e o terceiro setor a ampliarem seu escopo: 55% esperam que as empresas liderem sobre a emergência climática e humanitária; e 65%, que elas executem com sucesso planos e estratégias que gerem resultados efetivos. Em resumo, a sociedade espera que as empresas sejam agentes efetivos da regeneração socioambiental urgente.

Mas esse crédito não é um cheque em branco. 69% dos respondentes entendem que o setor privado não está indo bem na solução para a mudança climática, tampouco na resposta à pandemia, criticada por 57% na forma como vem sendo conduzida. Estamos de olho. Liderar a transformação social e ambiental passa a ser um business central em todo e qualquer negócio da nossa sociedade. Entendem por que ESG não é moda, nem papo? A sociedade quer a lógica da eficiência e da efetividade aplicada na solução dos problemas que a afligem, imediatamente. E quer apoiar isso com suas escolhas de consumo cada vez mais conscientes e bem-informadas. Consumo é voto.

Segundo o Radar da Antifragilidade, para prosperar nesse contexto de desconfiança e disrupção, além de um propósito bem delimitado, os negócios, as marcas e os líderes precisam declarar seus posicionamentos ideológicos e sua contribuição efetiva sobre as questões urgentes da sociedade. A famosa estratégia de neutralidade não existe mais, pois quando nos isentamos de algo, estamos fazendo uma escolha com base em pressupostos e ideias prévias, ou até consentindo com situações inaceitáveis no contexto atual. É importante assumir um posicionamento perante temáticas como vacina, equidade de gênero, diversidade, gap de salários, bem como aspectos ambientais, econômicos, políticos e tantos outros confiados à pauta da nossa comunidade global de negócios.

Em tempo, segundo o Edelman Trust Barometer, para 81% das pessoas, CEOs devem ser a cara dessa mudança e devem falar publicamente sobre questões de interesse geral, ainda que controversas. Em síntese, a sociedade quer mais liderança empresarial, não menos.

Portanto, ter um posicionamento claro para si e comunicar isso amplamente, para dentro e para fora da empresa, transmitirá confiança aos stakeholders. Todos saberão com quem estão lidando, o que esperar de você, quais são suas ideias ou iniciativas diante dos desafios do mundo. Consequentemente, você também passa a sentir mais segurança nas suas decisões, e elas estarão mais bem apoiadas pelos seus públicos de interesse. Assim, você pode se direcionar para ações afirmativas, tornando-se protagonista das mudanças que você deseja ver e compartilhando-as com as pessoas à sua volta. Ficar em cima do muro é se colocar em um lugar de fragilidade. Por muito tempo se achou que o bom era agir assim, mas não é. Descer do muro é preciso.

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