Alexandra Gurgel: “Não precisamos mudar para ser alguém relevante” 

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Alexandra Gurgel: “Não precisamos mudar para ser alguém relevante” 

A escritora, influenciadora e ativista contra a gordofobia conta como é ser uma mulher de sucesso fora do padrão e dá dicas inspiradoras de carreira e autoestima 


24 de junho de 2022 - 14h29

Alexandra Gurgel é escritora, ativista, influenciadora e fundadora do Movimento Corpo Livre (Crédito: Divulgação)

Para Alexandra Gurgel, ser uma mulher fora do padrão com autoestima e uma carreira de sucesso aos 33 anos é um sonho. Durante sua infância, nos anos 1990, ela era vista como uma menina inadequada de corpo gordo, e tudo ao seu redor endossava isso — das princesas nos desenhos animados às consultas médicas. Desde criança, então, acreditava que só poderia ser alguém relevante se perdesse peso. “Quando eu tinha 9 anos, meus pais me levaram a um médico e ele disse para mim: ‘Ninguém vai te querer porque você é gorda, você vai ter que ser magra'”, recorda. Ela passou a odiar seu corpo. 

Foi aos 26 anos que, depois de flertes com transtornos alimentares, problemas emocionais e algumas crises graves, Alexandra parou de se odiar, passou a ter amor-próprio e foi se tornando uma fonte de inspiração para milhares de pessoas que passam pelo mesmo que ela. Hoje, seu Instagram conta com mais de 1 milhão de seguidores e ela é a principal voz contra a gordofobia no Brasil. “Fico muito feliz que a minha história dê um gás nesse assunto necessário que não para de crescer e ser relevante, para que as pessoas possam realmente ser mais livres e cada vez mais elas mesmas”, diz. 

Confira abaixo nossa entrevista com a escritora, ativista e influenciadora que em 2018 fundou o Movimento Corpo Livre, grupo com o propósito de que todos os corpos tenham os mesmos direitos, acessos e respeito, e que fala sobre aceitação, diversidade corporal e autoestima. No Instagram, a comunidade tem mais de 420 mil seguidores. Alexandra também é autora dos livros “Pare de se odiar: Por que amar o próprio corpo é um ato revolucionário” e “Comece a se amar”, lançado em 2021. 

 

Que características ou habilidades você considera essenciais em uma mulher que empreende? Como você as desenvolve e as alimenta regularmente? 

Determinação e acreditar em si mesma. Quando somos mulheres empreendedoras, é muito comum que a gente queira desistir, que se ache louca, como se ser a própria chefe e ter o próprio negócio não fosse para gente. Nós, mulheres, já somos criadas para acreditar que somos menos, que não merecemos o melhor e os lugares ocupados por homens. Mas as coisas estão mudando cada vez mais, então vencer essa barreira e acreditar que “eu posso”, “eu consigo” e ir atrás das coisas que queremos é muito importante. No fim das contas, só você pode fazer as coisas por si mesma. Então é preciso ter uma dose muito grande de fé em si própria.  

Eu desenvolvo isso regularmente lembrando de onde vim, de onde estou, do meu caminho. Quando passo por situações difíceis, gosto de recordar que não foi fácil e de entender que já passei por outros momentos parecidos, e todos eles me fizeram chegar até aqui e me ajudaram a aprender e entender que, cara, não é fácil, ninguém ensina para gente, não nos vemos nesse lugar, mas é possível. 

Você já teve algum tipo de sentimento de autossabotagem? Como lida com essa situação e que dicas dá para mulheres que se sentem assim nos projetos, áreas e lugares em que atuam? 

Com certeza. É algo muito comum. E é justamente isso: algo não dá certo, não vai como imaginamos, e temos vontade de desistir. Acabamos lutando contra nós mesmas e nos tornando nossa pior inimiga. A gente se sabota. Acontece isso comigo até hoje, independentemente de eu estar em um momento de sucesso na minha carreira, de estar crescendo e conseguindo me manter relevante na internet ao longo de vários anos.  

É muito fácil entrar nesse lugar da autossabotagem, de não conseguir nos ajudar a se reerguer, mas infelizmente temos que parar para pensar que isso acontece com todas nós e que precisamos, antes de tudo, acolher nosso sentimento e o que estamos vivendo, porque não adianta apenas falar que vai dar tudo certo. Não precisa ser 8 ou 80. Nosso caminho é um percurso, não existe uma linha de chegada. Claro, temos nossos objetivos, nossas metas, mas conquistamos as coisas um dia de cada vez. Então, acho que o principal é entender que você não é a única que está passando por isso e que as coisas vão mudar aos poucos. Você precisa acreditar em você e confiar. Lembrar dos seus momentos de conquistas e celebrar. Acho que entramos num mood de ir atrás de tudo, de estabelecer metas e conquistar um milhão de coisas, e quando nos damos conta, não estamos celebrando esses passos dados. E aí é como se eles não tivessem acontecido, você fica sempre infeliz e acaba se sabotando sem perceber o quanto já evoluiu e caminhou. Quando a gente se sabota, temos dificuldades de celebrar nossas conquistas. 

Você diz abertamente que passou 26 anos se odiando até o amor-próprio se tornar uma constante em sua vida. Que dicas dá para mulheres que se sentem como você já se sentiu?  

A primeira coisa é: a culpa não é sua. Se você se sente mal com seu corpo, se não gosta dele, é porque foi ensinada desde pequena a não gostar de si mesma e a querer ser diferente do que você é. Quando pensamos na construção social da mulher, ela é criada desde a barriga para usar rosa, ser delicada, casar virgem. Então toda essa heterossexualidade compulsória, toda essa obrigação de seguir uma heteronormatividade faz com que a gente queira seguir esses padrões. Se sou uma menina e falam para mim que o certo é ser bonita, e ser bonita é ser princesa, e ser princesa é agradar o olhar masculino do menino, eu vou fazer de tudo para me encaixar tanto socialmente — nos meus comportamentos, atos e atitudes – como na minha imagem para esse olhar. E aí entendo que eu tenho que ser magra, padrão, educada, bela, recatada e do lar.  

Enfim, existe toda essa construção, e precisamos entendê-la para que possamos compreender que a culpa não é nossa. A sociedade é criada e educada desse jeito. E aí quando olhamos os conteúdos da televisão, da publicidade e dos desenhos, tudo corrobora com o que a sociedade diz. 

Eu, que fui criança nos anos 1990, quando entendo o que vivi lá atrás, realmente, não tinha como. Tudo ao meu redor dizia que o certo era ser magra. Quando eu tinha 9 anos, meus pais me levaram a um médico e ele disse para mim: “Ninguém vai te querer porque você é gorda, você vai ter que ser magra”. E eu, com aquela idade, ouvi isso de um médico. Já é cruel passar por isso adulta, imagina pequena, e ainda vindo de um profissional da saúde? E as coisas ao meu redor indicavam que ele estava certo, porque eu só via princesas magras nos desenhos. Na televisão, nas revistas e nos quadrinhos, só existia esse padrão. Tudo condizia com o que ele falava. Então somos criadas para ser de um jeito e seguir essa norma.  

Se você se sente assim, entenda que a culpa não é sua, que é possível sair dessa. Você não está sozinha porque infelizmente não é um problema único e exclusivo seu, mas é possível sair disso a partir do momento em que a gente se empodera e entende que tem esse poder de viver a vida e ter o corpo que quiser. E nada disso é romantização da obesidade e de doenças, porque ser gorda não significa ser uma pessoa com doença, e ser magra não significa ser a Gisele Büdschen. É, sim, uma romantização da liberdade. É sobre ser quem você quer, ter o seu corpo e não precisar ser diferente do que você é.  

Para você, qual é o caminho para a autoaceitação, ou ao menos para chegar mais perto dela? 

Entender que a culpa não é sua e que você não está sozinha e, aos poucos, se conectar com o seu corpo e consigo mesma. Se você odeia a sua imagem, se você passa na frente do espelho e se ignora, tomando até um susto, se você não se conhece direito, trabalhe isso e tente entender o que acontece. Às vezes não conseguimos compreender isso sozinhas, precisamos de uma terapeuta, de uma nutricionista para averiguar o que nosso emocional tem a ver com nossa imagem e porque nos sentimos mal. Ou você pode ser também obcecada pela sua imagem, vive na frente do espelho, olhando para cada milímetro do seu corpo… enfim, existem várias situações que podemos mudar.  

Por isso o nome do meu primeiro livro é “Pare de se odiar”. Primeiro, precisamos parar de nos fazer mal, de ficar sem comer, de nos mutilar, de fazer várias cirurgias plásticas sem saber o que estão injetando e fazendo com nosso corpo. Devemos ter amor ao nosso corpo antes de qualquer coisa. Primeiro, a gente para de se odiar, se entende, pensa na nossa rede de apoio e em quem está ao nosso redor. Às vezes estamos em um meio tóxico, com pessoas abusivas. Em outras, estamos em um ambiente em que não podemos gostar de nós mesmas porque ninguém gosta de si mesmo e é impossível fazer diferente naquela dinâmica. Então existe todo um contexto para a história de cada uma. 

Meu segundo livro, o “Comece a se amar”, que, como o próprio nome diz, é uma ousadia de ser um guia para ajudar as pessoas a se amarem, foi feito a partir da minha história, e de como eu comecei de fato a desenvolver esse amor. E isso acontece com você lidando com isso todos os dias. Não é fácil, porque você tem inseguranças, fraquezas e momentos em que se sente mal, vira a sua pior inimiga e quer desistir. Mas a diferença é que você sabe como é se sentir bem consigo mesma e consegue acessar esse sentimento de se amar, e aí se permite ser feliz. Você para de esperar a “barriga tanquinho” e o corpo perfeito para sair na praia e ir para o carnaval. É sobre viver agora.  

Qual é o principal desafio de uma mulher com o corpo “fora do padrão” na carreira? 

São diversos. Desde o básico, como arrumar uma roupa para o trabalho. Dependendo da carreira em que você está, é muito difícil. Uma posição de executiva, por exemplo, em que você tem que arranjar um terninho. As pessoas fora do padrão são vistas e lidas pelas marcas de moda como secretárias, mães ou avós. As coisas estão mudando aos poucos, mas você não tem muitas opções de carreira e, por isso, não se vê em muitos lugares. Para você fazer um look, precisa importar roupa, comprar nas lojas de fora que fazem tamanhos maiores, mas que são questionáveis com seus processos e meios de produção.  

Então é assim: a pessoa já tem essa questão da roupa, que a afeta muito, porque impacta diretamente em sua autoestima, e fica abalada. Mas pode ser que ela já esteja para baixo também porque, por exemplo, não cabe na cadeira do escritório e precisa pedir para ter uma especial, de tamanho maior, e isso gera um constrangimento. Pode ser que ela tenha um uniforme para usar e não caiba nele, e precise pedir que ele seja feito sob medida. Às vezes, você nem passa no processo de emprego porque não cabe no uniforme, pois a empresa pode exigir que o candidato tenha certo tamanho de corpo e imagem. São vários casos desde que você começa um processo seletivo, como a gordofobia, o preconceito, as pessoas rindo de você, falando de você, comentando do seu prato de comida e da sua imagem. Claro, pessoas magras também podem viver muitas dessas coisas, mas quando alguém já tem a autoestima afetada e abalada, é mais complicado.  

É claro que existem casos de pessoas gordas e fora do padrão que são incríveis e têm uma carreira bem-sucedida, mas será que podemos contá-las nos dedos das duas mãos? Há histórias, mas ainda são poucas, até porque essas pessoas não são vistas como disciplinadas e confiáveis. Inclusive, grandes publicitários e empresários já falaram que não contratam candidatos gordos porque são indisciplinados, então existe um estereótipo de que pessoas com esse perfil são fracassadas e não tomam jeito porque, caso contrário, seriam magras e teriam disciplina ao comer. É uma moralização da comida, pois associa o ato de comer a ser gorda e deixa de fora a genética e o fato de que as pessoas podem ter corpos fora do padrão. 

Além disso, acho que como o corpo gordo tem esse estereótipo e nunca é enaltecido no lugar de sucesso, muitas pessoas fora do padrão nem se consideram em certas carreiras e têm dificuldade de se arriscar e ter coragem de falar “eu posso ir lá”, sabe? Porque existe a questão da autoestima intelectual, que todas nós já vivemos, e ainda há a autoestima da imagem, de entender que você e seu corpo não podem chegar lá. É justamente a falta de poder que surge nesse contexto. A mulher não sente que ela pode, então às vezes ela nem tenta. 

Como é ser uma mulher gorda com autoestima e uma carreira bem-sucedida aos 33 anos? Para você, o que te fez chegar aonde está? 

É um sonho. Nunca me vi nesse lugar. Desde criança, quando me imaginava nessa idade, eu seria magra, porque só assim teria sucesso, sabe? Então eu vivo um plot twist do que imaginei para minha vida. É uma realização. Desde que me aceitei, aos 26 anos, mudei muito e venho mudando. Inclusive, tenho emagrecido. Claro, continuo sendo uma mulher gorda, porque passei todo esse tempo sem fazer dieta. Sou anti-dieta restritiva, pois isso me machucou muito ao longo da vida. Ter a vida que tenho hoje, em que eu posso falar sobre corpo livre e viver essa liberdade e positividade sobre minha aparência, é incrível. Você não precisa achar tudo maravilhoso, mas pelo menos pare de se odiar, sabe? Com o Movimento Corpo Livre, temos uma comunidade viva sendo trabalhada diariamente. São mais de 400 mil pessoas apenas no movimento que pensam desse jeito. Vanguardistas, mas com gentileza. Um olhar de gentileza e amor para seus corpos. 

Para mim, o que me fez chegar aonde estou é ter acreditado em mim mesma e ter entendido que outras pessoas também passavam pela história que eu passei e se identificariam comigo. E elas me tornaram uma voz para elas mesmas, uma líder de comunidade. Então eu fico muito feliz que a minha história dê um gás nesse assunto necessário que não para de crescer e ser relevante, para que as pessoas possam realmente serem mais livres e cada vez mais elas mesmas. Minha máxima atual é “bora viver”. Durante a pandemia, foi “bora viver um dia de cada vez?”. Estamos vivos, então vamos viver. Não esperar ter o corpo perfeito para começar algo. O corpo perfeito é o que a gente tem agora, pois ele chegou até aqui e sobreviveu 100% nos nossos piores e melhores dias.  

Então, resumindo, o que me fez chegar até aqui é ser quem eu sou, continuar sendo e não ter medo de mudar, crescer e amadurecer. Mas, ao mesmo tempo, não precisar mudar para conseguir ser alguém relevante. Essa era a minha máxima de antes, porque eu achava que eu só seria alguém quando tivesse uma estética totalmente diferente. 

Quais mulheres inspiradoras você segue, lê e observa? Como elas te inspiram? 

Para ler, gosto muito da Margaret Atwood e da Judith Butler. A Rihanna também é uma grande inspiração para mim, tanto nas músicas como nos negócios, pois é uma mulher preta empreendedora que fez bases para mais de 50 tons de pele negra e se preocupou com isso. Ela é, literalmente, uma rainha e heroína de Barbados. Uma mulher incrível que faz muito pela nossa sociedade.   

Me inspiro muito em mulheres do meu dia a dia. Minhas melhores amigas, minha mãe… pessoas que lutam e não desistem delas mesmas. Eu me cerco de mulheres poderosas, incríveis e que estão sempre em busca de ser quem são. Mesmo com os medos, elas não desistem e continuam. É isso que me inspira. É aquela coisa: quanto mais as mulheres brilham, mais eu gosto. Quando outra mulher brilha, as pessoas costumam se comparar, sentir inveja, achar que seu brilho não é tão bom quanto, mas o legal é quando uma ilumina a outra, pois todas essas luzes viram um farol.  

Também acompanho muito o trabalho da Samantha Almeida, que é diretora de criação da Globo. Ela é incrível. Tudo o que ela faz e está proporcionando de mudanças para a sociedade é sensacional.  

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