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Como o tarifaço já afeta o varejo brasileiro?

Jorge Gonçalves Filho, presidente do Instituto para Desenvolvimento do Varejo, comenta os reflexos iniciais para o mercado interno, preocupações e previsões acerca do cenário

i 26 de agosto de 2025 - 6h05

Há quase um mês, entraram em vigor as tarifas de 50% sobre as exportações brasileiras para os Estados Unidos. Ainda que o governo norte-americano tenha isentado quase 700 itens das novas taxas, muitos produtos seguem sendo afetados pelas sanções comerciais, como é o caso de frutas, carne bovina, café, pescados, couro, entre outros.

O governo brasileiro chegou a anunciar um pacote de contingência ao tarifaço. Entre as medidas emergenciais está a criação de uma linha de crédito de R$ 30 bilhões iniciais do Fundo Garantidor de Exportações (FGE), sobretudo voltadas aos pequenos negócios que exportam ao parceiro norte-americano.

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Jorge Gonçalves Filho, presidente do IDV: “É uma oportunidade comercial interna que surge” (Crédito: Divulgação)

No que diz respeito ao varejo brasileiro, ainda não foram percebidos reflexos no mercado interno, indica Jorge Gonçalves Filho, presidente do Instituto para Desenvolvimento do Varejo (IDV). Apesar disso, classifica o cenário como “preocupante”, não somente em relação às operações de comércio exterior, mas, principalmente, às eventuais consequências internas, como o desemprego e a suspensão de investimentos produtivos, que poderão comprometer o futuro da economia brasileira, diz.

Em entrevista ao Meio & Mensagem, o presidente do IDV detalha as impressões sobre o cenário econômico que se traça, estabelece previsões para o varejo e possíveis efeitos sobre a confiança do consumidor.

Meio & Mensagem – De que maneira as redes de varejo deverão sentir os impactos das tarifas sobre itens que não foram isentos pelo governo norte-americano?

Jorge Gonçalves Filho – Já trabalhei com exportações, e conseguir um cliente no exterior requer a construção de relacionamento, estudo de linhas de financiamento, aprovações técnicas, jurídicas e governamentais no país de destino e confiança mútua; e, normalmente, começa-se com pequenos volumes. O desafio que os exportadores têm pela frente é gigantesco. Outro dia ouvi o pessoal do setor do agro comentando que daria para segurar as frutas nas árvores sem colher por algum tempo. O fato é que o tempo está passando, e as frutas terão que ser colhidas ou perdidas.

Também há a questão do pescado, do gado, entre outros produtos que, para mantê-los, geram enormes custos. Quem não conseguir redirecioná-los rapidamente para outro mercado externo, muito provavelmente terá de vendê-los para serem consumidos no Brasil. Isto poderá ajudar no aumento do consumo, embora com preços mais baixos, dado ao aumento da oferta, o que também ajudará na inflação. Porém, será uma situação temporária. Para produtos de consumo, talvez dure de 6 a 10 meses. Já para produtos industrializados, o problema é muito maior, e a realocação no exterior deve ser ainda mais demorada.

M&M – Apesar do barateamento de produtos no mercado interno à primeira vista, qual deverá ser, no curto prazo, o próximo passo sentido pelo varejo?

Gonçalves Filho – A eventual oferta de produtos que seriam exportados no mercado interno deve criar novas parcerias fornecedor-varejo e, ao final, será bom para ambos. Exportar é bem complexo. É uma oportunidade comercial interna que surge, e se a economia brasileira não arrefecer, mais os esforços de desenvolvimento de novos clientes no exterior, em um prazo não muito longo este momento estará superado.

M&M – O varejo brasileiro tem reivindicado a isonomia tributária frente a players asiáticos. Com a existência de tensões comerciais entre China e EUA, e este com o Brasil, é possível que o varejo brasileiro estreite relações com o mercado chinês, como outros segmentos já vêm fazendo? Como essa aproximação seria possível, beneficiando o varejo e o consumidor locais?

Gonçalves Filho – Esta pergunta deve ser vista “à luz da isonomia tributária e da equidade concorrencial”. Há vários comentaristas econômicos dizendo que a Ásia vai olhar para o Brasil, e frente as dificuldades que está encontrando de vender para os Estados Unidos irá despejar os produtos no país. Sob o olhar imediatista do consumidor, poderá gerar aplausos porque há o risco de chegarem produtos subfaturados — o que vale é a realidade, o preço final, com ou sem subsídios dos governos asiáticos — visando a enquadrar o produto nos US$ 50, ou, mesmo se for acima, para se pagar menos impostos. Logo, artifícios para pagar menos tributos, além de, por lei, já pagarem apenas 44,6% de impostos, metade da carga tributária que pagamos, em média, no Brasil, que é de 92%. Total falta de isonomia tributária.

Há ainda os produtos que chegam sem qualquer certificação, mesmo para os que exigem certificação, sem etiquetas ou informações em compliance com as regras do mercado interno para quem produz e comercializa no Brasil. Total falta de equidade concorrencial. E por que comentei no início “sob o olhar imediatista do consumidor”? Porque esta abertura de mercado, esta política desbalanceada entre o que vem do mercado externo e o que se produz e é vendido no mercado interno, a médio prazo, gera desemprego e redução de investimentos, algo que já acontece, e isto prejudica por demais a própria população.

M&M – No final de julho, varejo e indústria se uniram em manifesto “antitarifaço” — antes das tarifas entrarem em vigor. Que medidas por parte do governo seriam aceitáveis para garantir a sustentabilidade dos negócios afetados?

Gonçalves Filho – Para esta pergunta não tenho uma resposta específica. Há muitos fatores envolvidos. De imediato, o vice-presidente Geraldo Alckmin iniciou um trabalho importantíssimo, e acredito que o fruto será a retirada de muitos produtos da lista de taxação com 50%. Tem muito a ser feito, e há questões institucionais complexas, como a soberania nacional, a independência entre os poderes e até os movimentos políticos. Torço para que, rapidamente, se encontrem as soluções necessárias.

M&M – Como a queda de confiança poderá impactar o consumo e, consequentemente, as varejistas caso a situação das tarifas se mantenha?

Gonçalves Filho – Diretamente, as taxações sobre os produtos brasileiros não devem abalar a confiança no mercado interno. O mercado interno brasileiro é grande, e teriam que existir outros fatores para abalar a confiança, tais como queda da renda, restrição do crédito ao consumo, aumento significativo do desemprego etc. No curto prazo, provavelmente estes fatores, no mínimo, se manterão nos patamares atuais