Mídia

Netflix e Paramount: quem leva a Warner?

Uma quer os ativos de streaming e cinema; a proposta da outra abrange toda a empresa

i 16 de dezembro de 2025 - 6h03

Lembra da série House of Cards, da Netflix? Foi a produção fundamental que fez com que a Netflix escalasse de um simples serviço de distribuição para produtora de conteúdo e que provou que poderia competir com os grandes estúdios de Hollywood.

Agora, há duas houses of cards – Netflix e Paramount Skydance – na disputa de uma terceira, a Warner Bros. Discovery (WBD).

Netflix e Warner: a oferta da empresa abrange o streaming e estúdios de cinema da WBD (Crédito: Divulgação/Arte MM)

Netflix e Warner: a oferta da empresa abrange o streaming e estúdios de cinema da WBD (Crédito: Divulgação/Arte MM)

A oferta da Paramount pela Warner abrange todas as empresas da WBD, inclusive a TV paga (Crédito: Divulgação/Arte MM)

A oferta da Paramount pela Warner abrange todas as empresas da WBD, inclusive a TV paga (Crédito: Divulgação/Arte MM)

E as cartas têm sido trocadas, efetivamente.

Nesta segunda-feira, 15, os dois CEOs da Netflix – Ted Sarandos e Greg Peters – apresentaram, por carta, os argumentos para a aquisição da WBD após a rival Paramount Skydance ter feito oferta hostil.

Com isso, Peters e Sarandos querem suavizar as preocupações do setor sobre a perda de empregos e o fim dos lançamentos nos cinemas.

Dessa forma, ambos afirmaram estar comprometidos com o lançamento dos filmes da Warner Bros. nos cinemas.

A Netflix, é bom lembrar, quer apenas o streaming (HBO e HBO Max) e os estúdios de cinema da Warner.

Carta da Netflix

A carta vem a público após preocupações de produtores, inclusive de Hollywood, de que a Netflix priorizaria o modelo focado em streaming, que é o seu core original.

Em outra ocasião, na verdade, Sarandos já havia dito que a ida ao cinema era uma “experiência ultrapassada”.

Agora, no entanto, a posição é outra:

“Não priorizamos o cinema no passado porque esse não era o nosso negócio na Netflix”, escreveram os coCEOs.

“Quando este acordo (com a Warner Bros.) for concluído, estaremos nesse negócio”, asseguraram.

Os dois CEOs também prometeram que não haverá “nenhuma sobreposição ou fechamento de estúdios” em meio a preocupações de que o mega acordo com a WBD venha reduzir empregos em uma indústria já impactada pela ascensão das plataformas de streaming e da inteligência artificial.

“Esse acordo é sobre crescimento”, colocaram na carta.

“Estamos fortalecendo um dos estúdios mais icônicos de Hollywood, apoiando empregos e garantindo um futuro saudável para a produção de filmes e séries”, completaram.

Temor regulatório

A Netflix tem um temor a mais que é se os órgãos reguladores aprovarão qualquer acordo.

Peters e Sarandos apontaram para dados de participação de audiência da Nielsen que sugerem que uma combinação Netflix-Warner teria porcentagem de participação de audiência menor do que o YouTube ou do que a possível fusão entre Paramount e WBD.

A senadora democrata Elizabeth Warren, de Massachusetts, chamou a oferta da Paramount de “um incêndio antitruste de grandes proporções”.

A democrata, de fato, já havia classificado a proposta da Netflix como um “pesadelo antimonopólio”.

Se o negócio for aprovado, a Netflix assumirá o controle de um dos estúdios mais antigos e tradicionais de Hollywood em uma das maiores transações da história da mídia.

Ainda, a empresa também passará a controlar a HBO, que um dia foi sua inspiração de modelo de streaming e conteúdo.

Carta da Paramount

Nesse jogo de cartas, na quinta-feira passada, 11, a Paramount Skydance enviou carta assinada pelo CEO David Ellison aos acionistas da WBD na qual são elencados pontos pelos quais a empresa deve optar pela oferta da Paramount, e não pela da Netflix.

Assim, os destaques desta carta são:

– Os trechos em que Ellison aponta que a oferta da Nettlix é US$ 18 bilhões menor do que a da Paramount;

–  O argumento de que a Netflix perdeu aproximadamente um quarto de sua capitalização de mercado (US$ 110 bilhões) desde seu último relatório trimestral;

– Que a transação da Netflix deixa os acionistas da WBD com 100% do risco do plano independente da Global Networks (que agrega a parte da TV paga que a Netflix não contemplou em sua oferta).

A Paramount, como se sabe, quer adquirir todas as empresas da WBD, inclusive a operação de TV.

Na segunda-feira passada, 8, de fato, a Paramount Skydance fez oferta hostil para adquirir a WDB depois de ter perdido a corrida para a Netflix, cuja oferta foi feita na sexta-feira, 5.

Paramount faz quarta oferta

Até então, a Paramount havia feito três ofertas, rejeitadas pela WBD.

Agora, a oferta da Paramount é de US$ 30 por ação, o que equivale a US$ 108,4 bilhões.

Já a proposta da Netflix, de fato, foi de US$ 82,7 bilhões, ou US$ 23,25 por ação.

A oferta é respaldada por financiamento do acionista da família Ellison (que controla a Oracle) e do private equity RedBird Capital, além de compromissos de dívida de US$ 54 bilhões do Bank of America, Citi e Apollo Global Management, segundo comunicado da própria Paramount.

Parte do financiamento de capital vem de parceiros financeiros externos do Oriente Médio, inclusive o Fundo de Investimento Público da Arábia Saudita, a L’imad Holding Company PJSC de Abu Dhabi e a Qatar Investment Authority.

Genro de Trump

Ainda, outra parte deriva de Affinity Partners, de Jared Kushner. Kushner é genro do presidente dos EUA, Donald Trump, cuja administração apoia a aquisição da WBD pela Paramount.

Além dos valores diferentes, as propostas da Netflix e Paramount têm outra distinção.

A Netflix, de fato, anunciou acordo para adquirir apenas os ativos de estúdio e streaming da WBD.

A Paramount, por sua vez, deseja comprar a totalidade da Warner Bros. Discovery, ou seja, estúdios, streaming e as redes de TV da empresa, como CNN e TNT Sports.

Oferta hostil

Em negócios corporativos, a aquisição hostil ocorre quando uma empresa tenta adquirir outra sem o consentimento da administração da empresa-alvo.

A transação se distingue de aquisição amigável que é acordada mutuamente pelos conselhos de administração e acionistas de ambas as empresas.

Por que a Paramount e a Netflix querem a Warner?

A Warner Bros, que tem suas raízes há cerca de um século, tem vasto acervo de conteúdo, que vai desde clássicos como Looney Tunes e Casablanca até Friends, Superman e Harry Potter.

A divisão da HBO é conhecida pela alcunha “televisão de prestígio” e inclui séries famosas como Os Soprano, Sex and the City, Game of Thrones e Succession, entre muitas outras.

Mas a WBD tem sofrido bastante pressão, já que o streaming online tem revolucionado as indústrias de cinema e televisão em nível global.

Para a Netflix, que é o maior player da indústria de streaming, com mais de 300 milhões de clientes (veja quadro abaixo), comprar a divisão de filmes e streaming fortaleceria sua oferta de filmes, além de evitar possíveis concorrentes que quisessem colocar as mãos no conteúdo da Warner.

Netflix, ao adquirir Warner Bros. Television, Warner Bros. Motion Picture, DC Studios, HBO e HBO Max, se isola na liderança do streaming e reforça acervo de produções famosas (Crédito: Arte MM)

Netflix, ao adquirir Warner Bros. Television, Warner Bros. Motion Picture, DC Studios, HBO e HBO Max, se isola na liderança do streaming e reforça acervo de produções famosas (Crédito: Arte MM)

Escala global

A Paramount, por outro lado, busca um parceiro que lhe dê escala para competir com gigantes da indústria como a própria Netflix e Disney.

Analistas dizem que uma parceria pode trazer benefícios também para as redes tradicionais de TV por assinatura da Warner que enfrentam dificuldades.

As redes tradicionais da Paramount incluem marcas como Nickelodeon, CBS e Comedy Central.

Já a Warner tem CNN, Food Network e uma variedade de canais esportivos.

Quem tem chances de vencer?

Ambos os acordos levantam preocupações com a concorrência e espera-se que enfrentem tanto os reguladores dos EUA quanto os da Europa.

O plano da Netflix gerou alertas de que daria ao player dominante do streaming ainda mais poder sobre atores e roteiristas, além de pressionar os cinemas locais.

Mas a parceria Paramount-Warner também deixaria a empresa no controle de uma fatia significativa dos esportes e entretenimento infantil.

Como o acordo afeta os consumidores?

Nem a Netflix nem a Paramount oferecem sinais de como incorporariam a Warner em suas ofertas atuais ou aproveitariam a oportunidade para lançar novos tipos de pacotes de streaming.

Quando se trata de preços, aumentar a oferta da Netflix pode permitir que cobre mais dos clientes.

Mais de 70% dos clientes do HBO Max nos EUA também assinam a Netflix.

O que pensa a concorrência?

Na semana passada, o CEO da Disney, Bob Iger, deu pistas do que acha do negócio, seja com a vitória da Netflix ou da Paramount.

“É bom ser observador, e não participante disso”, disse Iger ao canal de TV da CNBC, momento em que falava em entrevista conjunta com Sam Altman, da OpenAI, sobre o investimento de US$ 1 bilhão e acordo de licenciamento da Disney com a empresa de tecnologia.

Iger, que deve deixar o comando da Disney no ano que vem, referiu-se à aquisição de US$ 72 bilhões da maior parte da Fox em 2017.

Essa aquisição deixou a Disney com uma enorme dívida que afetou a empresa durante o fechamento dos parques temáticos e outras restrições relacionadas à pandemia.

Fragmentação da mídia

Portanto, no ambiente midiático fragmentado de 2025, essa possível fusão entre Warner e seus dois interessados parece um cenário diferente, pelo menos para Iger e sua própria plataforma Disney+.

“Acho que, se eu fosse um regulador analisando essa combinação, analisaria algumas coisas”, disse.

Para o CEO da Disney, de fato, antes de tudo, deve se analisar qual é o impacto para o consumidor.

“Será que uma empresa acabará com a alavancagem de preços que pode ser considerada negativa ou prejudicial para o consumidor e com uma quantidade significativa de assinaturas de streaming ao redor do mundo, isso realmente dá à Netflix vantagem sobre o consumidor, que pode não ser necessariamente saudável?”, questionou.

E complementou: “Além disso, analisaria qual pode ser o impacto no que chamarei de comunidade criativa, mas também no ecossistema da televisão e do cinema, especialmente do cinema.”

“Esses cinemas, que obviamente exibem nossos filmes mundialmente, operam com margens relativamente pequenas e exigem não só volume, mas também interação com esses filmes e essas empresas que lhes deem a capacidade de monetizar com sucesso. Esse é um negócio global muito, muito importante”, frisou.

Ainda, afirmou: “Certamente, temos participado disso de forma muito significativa. Investimos US$ 33 bilhões em filmes nos últimos 20 anos e estamos atentos para proteger a saúde desse negócio. É muito importante para o que chamo de ecossistema midiático globalmente.”