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NRF

ESG e o varejo: conflito de interesses?

Setor que sobrevive com o giro, muitas vezes alto, de produtos, o varejo tem sido pressionado pela pauta socioambiental a desacelerar e caminhos mais sustentáveis vêm sendo testados


14 de janeiro de 2023 - 6h00

Processos produtivos têm sido centrais na melhoria das ações pela sustentabilidade; o jeans sustentável é uma das iniciativas da Riachuelo (Crédito: Reprodução)

Por Roseani Rocha e Thaís Monteiro

Para além da globalização, digitalização e aspectos econômicos, com o passar dos anos, a influência da cultura no comércio também tem se traduzido em preocupações socioambientais como parte da agenda do consumidor, que exige o mesmo nível de preocupação por parte das empresas privadas. E isso se reflete em muitos dos painéis previstos para acontecer na edição 2023 da NRF, relativos a práticas ESG e, dentro disso, com destaque especial para iniciativas de economia circular.

Segundo Julia Rueff, diretora sênior de marketplace do Mercado Livre, há uma via de mão dupla nessa relação. “O varejo acompanha as mudanças culturais e comportamentais, oferecendo aos clientes aquilo que eles demandam e da maneira como demandam. Por outro lado, vejo que inovações do varejo também estabelecem novos padrões de consumo”, opina, citando os esforços do marketplace em desenvolver categorias, como supermercado e moda, ou ofertar crédito.

Para a executiva, o comércio acompanha a mudança das gerações, a evolução da moda, do comportamento, da tecnologia, em toda a sua complexidade, e está em constante evolução e transformação, assim como a sociedade. Estas transformações se refletem em todos os seus aspectos, seja pelo sortimento demandado, pelas formas de pagamento escolhidas, pelo meio por onde as compras são feitas e pela comodidade que se espera tanto para a compra quanto para a pós-compra.

Novos paradigmas

“Com o avanço do ESG, estamos caminhando para significar o ato de consumir. Segundo o Consumer Trends 2022, 75% dos respondentes afirmam que ficam mais satisfeitos ao comprar produtos que sabem que são sustentáveis. Essa é uma dimensão cultural do consumo da nossa época que não se pode evitar”, complementa Hugo Rodrigues, chairman do McCann Worldgroup no Brasil, enquanto Julia Rueff, do Mercado Livre, acredita que o papel do setor é direcionar o consumidor a alternativas viáveis para a revisão de seus hábitos de consumo e promover produtos mais responsáveis em relação ao meio ambiente, como frotas de carros elétricos, energia renovável, gestão de materiais e resíduos, programa de regeneração e conservação de biomas, entre outros. O marketplace trabalha oferecendo esses produtos e serviços e dando visibilidade para empresas e empreendedores de impacto socioambiental positivo.

Na opinião da líder de varejo do Google, Gleydis Salvanha, o marketing também pode trabalhar com uma comunicação mais eficiente, que ajude a ampliar o debate, mostrar novas formas de as pessoas agirem, mobilizando toda a sociedade para fazer melhores escolhas de consumo. Já o professor Henrique Campos Jr., do Núcleo de Varejo da EAESP-FGV, ao ser questionado sobre como trabalhar o consumo em face de questionamentos como a exaustão de recursos do planeta e desigualdades sociais aponta ser essa uma ótima discussão. Tanto, que tem fomentado bancos a falarem sobre uso consciente de crédito, quando o principal negócio de todo banco é emprestar dinheiro cobrando juros, e fast fashions, baseadas no giro rápido de produtos, como diz o nome, tendo de falar sobre sustentabilidade. “O ESG está aí, se uma marca não vai seguir por questão moral, pode ter de seguir por questão legal ou mercadológica. E é uma quebra de paradigma. Quais serão novos modelos? Um é economia circular, outro, aumentar capilaridade e participação em comunidades com propósito”, pontua o professor, para quem o varejo é uma das áreas que tem maior possibilidade de incorporar pessoas de diferentes backgrounds e históricos de vida, ainda que existam problemas estruturais (raciais, sociais) que demandam educação intensiva de empresas e força de trabalho.

Dos discursos às práticas

Alguns dos principais varejistas brasileiros, a despeito da discussão mais intensa e recente sobre ESG e sustentabilidade, afirmam ter essa agenda como parte do negócio há muito tempo. Elio França e Silva, diretor-executivo de operações, marketing, canais digitais e relacionamento da Riachuelo, lembra que a empresa é uma das poucas varejistas do Brasil que produz a própria moda. Isso implica em maior controle grande da cadeia produtiva e das tecnologias aplicadas para garantir que o cliente receba um produto socioambientalmente correto.

Ele cita o exemplo da plataforma Riachuelo Cria, que atua em energia limpa, tratamento de água, uso de corantes corretos, até novas fibras e reprocessamento de fibras sintéticas e de algodão. “Recentemente, passamos a integrar o ranking de empresas de sustentabilidade ambiental na B3 e temos mantido esforços”, afirma Elio, para quem associar uma marca a uma imagem de boa governança é uma coisa e ser exemplo, na prática, e fazer o consumidor entender a diferença é outra, além de estimular que outras companhias adotem melhores práticas. O executivo reconhece que a moda é uma indústria de alto impacto, que exige grande volume de matéria-prima e mão-de-obra. Mas diz que no último ano e meio a empresa vem investindo em produtos de mais qualidade em matéria-prima e acabamento, pois sabe que será importante ter peças mais duráveis e atemporais. Ele diz que o modelo de “ultra fast-fashion” de alguns players internacionais não é o caminho no qual a Richuelo acredita.

Companhia que também ajuda a cuidar do visual e bem-estar do consumidor, o Grupo Boticário, segundo a vice-presidente de Consumer, Renata Gomide, há mais de 40 anos tem o ESG como agenda prioritária. “Somos uma empresa que acredita que deve e pode ajudar na construção de um mundo mais inclusivo e sustentável. Vivemos o ESG na prática, traduzindo mais em ações do que em conceitos e poder contar com o nosso consumidor aderindo cada dia mais a esta pauta é incrível”, afirma.

Entre essas ações, ela realça o guia Compromissos para o Futuro, 15 compromissos ambiciosos, assumidos em 2021, que abordam ações afirmativas nas dimensões humanas, ambientais e voltadas aos processos produtivos. Segundo ela, os temas são delimitados e vão ganhando escala. É o que acontece, por exemplo, com Diversidade e Inclusão: “É uma pauta que abordamos constantemente por meio de treinamentos e capacitações internas e externas, como a formação Anti-LGBTfobia, a ação de conscientização sobre a importância da comunicação acessível realizada recentemente e o Movimento #DiversaBeleza, que uniu as marcas O Boticário, Quem Disse, Berenice?, Eudora, Vult, O.U.i. e Australian Gold visando conscientizar, mas também ser um instrumento de mudança à forma que tratamos a pluralidade da sociedade brasileira”.

Na esfera ambiental, o Boti Recicla tornou quatro mil pontos de venda em pontos também de coleta de embalagens pós-consumo, incluindo de outros fabricantes.

Já Ilca Sierra, chief experience marketing officer da Via, pontua que uma estratégia ESG bem disseminada muda a forma como a empresa se relaciona com a equipe, os parceiros e os clientes, além de ter “um potencial incrível de impactar os resultados financeiros de uma marca”.

Conta, ainda, que há dois anos a empresa se dedica à transformação ESG, investindo em projetos de energia limpa e redução de carbono na atmosfera, além de ter feito parceria com a Pangeia que culminou na criação de um e-commerce sustentável nas plataformas digitais (site e aplicativo) da Casas Bahia.

No social, para 2025, a meta é chegar a 45% do quadro composto por colaboradores autodeclarados pretos e pardos em postos de liderança – atualmente, 30% estão em funções de gerência e acima. “Para concretizar esse objetivo, implementamos políticas internas de incentivo e capacitação dos nossos profissionais. É um processo diário, mas de muita troca e aprendizado. Ouvir o outro é essencial”, diz a executiva, que conta para isso com as redes sociais para falar com os clientes sobre temas como sustentabilidade, combate ao racismo e preconceito, e, internamente, sobre boas práticas no ambiente de trabalho.

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