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Opinião

Aprendendo com os mestres

Identificação, instrução e surpresa: as prioridades da expressão criativa do Japão


17 de abril de 2018 - 14h24

Crédito: prasit chansarekorn/iStock

Finalmente aos 40 anos de idade — mas com a sensação de pelo menos 20 de atraso — conheci o Japão: outro planeta, como alertaram alguns amigos, porém de uma familiaridade paradoxal para a qual tenho duas hipóteses.

A primeira é pessoal: nascido em São Paulo, convivi a vida toda com amigos japoneses e descendentes. Cheguei a estudar a língua por mais de um ano para facilitar a minha socialização, o que me fez entender muito da sua cultura. A segunda hipótese para ter me sentido em casa mesmo estando do outro lado do planeta é criativa e está ligada à forma como o design molda toda a expressão cultural da terra do sol nascente.

Durante a viagem não pude deixar de me lembrar de John Maeda e seu breve, porém quase filosófico, livro As Leis da Simplicidade. Nele, Maeda atesta que a complexidade e a simplicidade precisam uma da outra e que a dinâmica entre ambas, quando domada pelo talento de designers, toca as pessoas gerando surpresa, identificação e instrução. Observando o Japão por esta lógica, concluo que muito da expressão criativa do país obedece à seguinte prioridade: identificação antes de qualquer coisa! E, na maioria das vezes, usando a própria natureza como metáfora. Tudo no Japão é diferente, mas lembra algo que você já viu antes, removendo instantaneamente qualquer insegurança do primeiro contato que você venha a ter seja com a arte, a arquitetura ou uma bela apresentação de prato em um restaurante local. A língua também é impactada pelo mesmo fundamento.

Fiz um rápido exercício estatístico usando uma ferramenta de inteligência artificial que venho desenvolvendo ao longo dos últimos dois anos e descobri que 4,4% das cidades japonesas possuem a palavra Yama, que significa montanha, em seus nomes. Somados, nomes de elementos da natureza como rio, flor, nuvem e colina batizam mais de um quarto de todos os municípios do país. Essas múltiplas combinações de um vocabulário cotidiano deliberadamente restrito fazem da língua do país um exercício de abstração altamente criativo, porém pouco original. E deliberadamente, pois são variações de um mesmo tema com a função intencional de situar as pessoas dentro de um campo semântico comum e democrático.

A segunda prioridade é a instrução. É impressionante, mas seja diante do complexo sistema de indicação de linhas do metrô de Tóquio ou de uma vending machine de sushi, alguns segundos depois de uma simples observação você já sabe exatamente o que fazer. O senso empático do japonês não é apenas alto, mas coletivo: existe uma preocupação constante com o próximo e, para que seja mantida a ordem e a harmonia, é preciso que todos saibam o que fazer e quando fazer. A educação invejável não é um atributo que se adquire: ela é o próprio sistema operacional do japonês.

E a terceira prioridade criativa do Japão é a surpresa; o que é totalmente explicável. A surpresa geralmente é fruto da disrupção que, para o japonês, é sinônimo de caos e abala a harmonia do seu modo de operar. Soa estranho, para um publicitário , que a disrupção e a surpresa não sejam as prioridades criativas de alguém, afinal, desde meados de dois mil e Subservient Chicken, cultuamos todos os anos em Cannes as ativações de marca que promovem exatamente isso: quebra de expectativas do consumidor ou de padrões de comportamento de marca. Mas num mundo de saturação dos meios de comunicação com uma simultaneidade oceânica de informações, as marcas que quiserem manter um comportamento disruptivo constante terão de investir cada vez mais para conseguir atenção. O problema é que hoje, mesmo para as gigantes multinacionais, é mais comum discutir diminuição de verba publicitária e demanda consequente por eficiência do que o contrário. E é aí que podemos aprender algo com o Japão.

Se por um lado as prioridades criativas nipônicas nem sempre favorecem a surpresa, por outro, elas trazem consistência. E esta é a chave da expressão cultural deste povo. A repetição exaustiva e o aperfeiçoamento constante de uma série de signos operando sob a visão empática de identificação culmina na geração de familiaridade. E que marca não gostaria de ser tão consistente a ponto de ser totalmente familiar para seus consumidores, não é mesmo? Consistência, consistência, consistência: este é o segredo dos japoneses.

O pai de uma amiga diz que ninguém volta totalmente do Japão. O corpo volta, mas a mente continua lá. Ele está certo. Lá, a nossa mente se sente em casa e, você sabe, não existe lugar melhor.

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