Inteligência artificial, miopia natural
Conheça algumas oportunidades de uso criativo da IA que não se restringem à fama instantânea das assistentes virtuais
Conheça algumas oportunidades de uso criativo da IA que não se restringem à fama instantânea das assistentes virtuais
14 de setembro de 2020 - 17h56
O mundo da comunicação e do marketing também tem suas miçangas e seus vidrilhos. São aquelas práticas de brilho intenso e sedução reluzente que são exploradas de forma superficial em nome dos prêmios, das reportagens e da atenção momentânea.
A inteligência artificial (IA) é uma dessas miçangas e vidrilhos da vez. O mercado, obcecado pelo holofote fácil das assistentes virtuais alimentadas pelo machine learning, é míope para o enorme potencial de diferenciação e eficiência que essa tecnologia pode trazer para toda a cadeia de demanda e oferta de uma empresa. Encanta-se em criar formas midiáticas de colocar máquinas a serviço das pessoas – o que é muito bom – porém tem visão difusa sobre todos os demais impactos que trazem para a vida das marcas e dos negócios.
Da gestão do estoque à criação de produtos e serviços, a IA pode promover profundas transformações na maneira como as empresas operam, comercializam seus produtos e se relacionam com seus clientes. Apesar de seu uso limitado pela maioria das agências digitais ou não, é peça mandatória nos novos processos de commerce, em qualquer tipo de plataforma, das redes sociais, passando por marketplaces até nas soluções de e-commerce próprias. Em 2019, antes mesmo da pandemia do coronavírus, o estudo ‘The Mobile Economy 2019’, da GSMA Association, já sugeria que a IA seria a chave para o futuro dos negócios e para a transformação digital, devido à sua capacidade de tornar as transações comerciais cada vez mais inteligentes e eficientes. Para se ter uma ideia, as compras totais online em maio deste ano atingiram $ 82,5 bilhões, um aumento de 77% em comparação ao ano passado (Forbes, 2020) e, como todo mundo já sabe, esse caminho tomado pelas pessoas é sem volta.
IA traz benefícios para além do commerce. É um recurso sem precedentes para o crescimento e a competitividade das empresas nos próximos anos. Porém, é apenas uma tecnologia e faz diferença mesmo quando ganha camadas de criatividade, design e CX para resolver questões importantes do dia a dia das empresas e de seus clientes.
As possibilidades são inúmeras. Vou listar algumas que apontam a direção a ser seguida quando o objetivo é alcançar êxito duradouro nos negócios e não só brilhos fugazes:
Voice commerce no celular
Abordagens mais humanas e individualizadas. Em parceria com The Zoo/Google e Dentsu Webchutney, o varejista Flipkart, da Índia, criou um programa de vendas por meio de comandos de voz, que se destaca pelo uso disruptivo da Inteligência Artificial. Denominado Hagglebot, o programa permite que o cliente interaja com os bots da empresa e negocie descontos personalizados – explorando o costume de barganhar, muito presente na cultura local. Aliás, em qualquer país daquela parte do mundo. O uso de voz só cresce, como comprova uma pesquisa da iPropect, que mostra que 51% dos usuários de smartphones de 55 países utilizam assistentes digitais. E aqui no Brasil, essa taxa já é de 49%. Sinal de que o contexto está maduro para que as marcas pensem em maneiras de integrar Inteligência Artificial a essas utilidades visando proporcionar conveniência e uma jornada individualizada ao consumidor.
Gestão do estoque
O produto certo, no lugar certo, na hora certa – com base em tecnologia desenvolvida no MIT, o programa Celest promete reinventar a gestão do estoque – otimizando as decisões tomadas pelos varejistas, a partir da inteligente análise de dados dos consumidores. Com o uso da IA, o sistema consegue identificar tendências e chances de negócio não reveladas pelos procedimentos tradicionais. O Celest nasceu para ajudar seus clientes a aumentarem as vendas e as margens de lucro ao colocarem o produto certo, no lugar certo, no momento certo, ao longo de todos os canais de venda. Entre as empresas que usam a solução, está a Aldo, marca de acessórios e sapatos que destaca a capacidade do programa para auxiliar na tomada de decisões referentes ao estoque em tempo real.
Seleção profissional
Menos preconceito, mais diversidade – contribuir para que o processo de recrutamento profissional seja mais eficaz e livre de preconceitos é o que busca o sistema Pymetrics. Por meio de um game, o programa usa a IA para selecionar os melhores candidatos para cada vaga, prometendo mais isenção do que nos procedimentos conduzidos por humanos. Só na fase final é que as pessoas são entrevistadas pessoalmente.
Criação e produção
Combinações disruptivas de formas e materiais – programa da empresa Autodesk usa a IA para ajudar designers humanos na criação e no desenvolvimento de produtos, explorando o chamado generative design. A partir de alguns poucos inputs, o software apresenta centenas de opções que correspondem às especificações determinadas – que vão muito além do que se poderia imaginar em termos de inovação e otimização das formas e materiais. Quando o produto for prototipado, o sistema também avaliará em tempo real a sua performance e vai se autoalimentando de informações para aprimorar o objeto que está sendo confeccionado. O sistema vem sendo aplicado, por exemplo, em um novo projeto da marca Volkswagen. Registro e gestão de documentos: menos papel, mais agilidade e precisão – com a ajuda de blockchain e de sistemas de IA, o governo de Mumbai, nos Emirados Árabes, implantou um programa de registro e gestão de documentos que eliminará todo o papel usado pela administração pública local. O projeto, chamado Paperless City, vai permitir que todas as operações sejam feitas on-line. Na etapa piloto, o uso de papel caiu nada menos que 60%.
Automação de processos de marketing
Diferenciação para a experiência do consumidor. A IA é um forte aliado para aumentar o valor percebido de um produto ou serviço. Seja para customizar o que cada pessoa quer, seja para retirar toda a fricção na jornada de aquisição. No Japão, a empresa Dentsu Isobar praticamente recriou o modo de operar de uma cadeia de cafés saborizados. Com mais de 120 possíveis combinações de aromas e essências possíveis de serem misturados, as pessoas poderiam criar seu exclusivo blend quando ainda no trem. Depois o apanhavam num locker voltado para a calçada no caminho para o trabalho. A etiqueta personalizada com o nome da pessoa e os ingredientes de sua “receita” completavam a experiência. Tudo simples, tudo rápido, tudo sem contato humano. Criar mais de 40 mil misturas individuais todas as manhãs e entregá-las em embalagens personalizadas quase ao mesmo tempo? Só com IA. Por meio dela, a população de Tóquio, uma das massas urbanas que mais gasta tempo em trânsito caminhando no mundo, ganhou uns minutos a mais para si.
Essas são algumas oportunidades de uso criativo da IA que não se restringem à fama instantânea das assistentes virtuais para impactar de verdade a vida das pessoas e dos negócios. Casos como os citados ainda não são comuns no Brasil. O que falta para eles proliferarem? Não são barreiras estruturais nem comportamentais. É apenas uma questão de subir esse tema na lista de prioridade de investimentos. O retorno será elevar significativamente a prosperidade dos core business das empresas e a saúde de suas marcas. Vale muito dar esse passo, ainda mais nesse momento em que todo o mundo dos negócios se mobiliza para desenhar e executar seu novo normal!
**Crédito da imagem no topo: koto feja/iStock
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