Marcas-rituais: o caminho do meio
Uma ritualbrand é uma nova forma de pensar, capaz de transformar o marketing no epicentro de criação de valor
Uma ritualbrand é uma nova forma de pensar, capaz de transformar o marketing no epicentro de criação de valor
(Crédito: Sankai/iStock)
Aos pés dos Himalaias, numa paisagem onde o céu abraça a Terra e a Terra acolhe o céu, um edifício branco balança, nos melismas do vento, milhares de prayer flags coloridas. Um alto-falante rouco recita orações enquanto, na estepe, peregrinos se aglomeram. Eles trazem oferendas, flores, frutas e arroz. Lá e em todos os lugares, em altares confidenciais ou consagrados, humanos celebram rituais de vida.
Em todas as culturas, em todas as épocas e até nas mais ecumênicas das festas contemporâneas, nos barracões das escolas de samba e nos estádios, objetos são carregados de sentido e utilizados como símbolos mágicos de poder ou conforto existencial. Por que seria diferente com as marcas que servem a nossa vida?
A história das marcas começou como uma identificação de sacaria de chá, para evitar a cópia e valorizar o produto “superior”. Era a “marca” do fabricante, Lipton, que diferenciava aquele produto dos demais, sem “origem”. De lá para cá, muita coisa evoluiu, e diversos esforços daquilo que se convencionou chamar de “construção de marca” orientam-se para estabelecer um hábito de consumo, um automatismo na escolha.
Tornar a escolha de uma marca um hábito é bom para as empresas e também para os consumidores.
Hábitos simplificam a vida. Mas rituais lhe dão sentido.
Nas últimas duas décadas, o crescimento exponencial do papel do digital gerou novas demandas e novas urgências: o relacionamento entre as marcas e seus públicos não pode mais ser encapsulado numa lógica de conversão que pressupõe um caminho direto entre conhecimento, consideração e conversão — mais conhecido como funil.
O consumidor tende, hoje, a desconfiar de marcas que se comunicam prioritariamente dessa forma. As marcas que não entendem cada consumidor, com a granularidade necessária para dialogar com ele ao longo de uma jornada, quando muito, conseguem construir hábitos de consumo e reflexos.
Quando o meio digital se transformou no principal destino de consumo, os negócios concentraram-se em entender esse novo banho no qual os consumidores estão imersos. O foco foi cobrir os espaços por onde transitam seus públicos. O foco foi cobrir esses momentos com a mais capilar das distribuições em detrimento da pertinência e criatividade. Vale invadir o horizonte dos públicos com mensagens grosseiramente adaptadas a uma compreensão algorítmica. É mais importante espalhar do que seduzir. É mais importante encontrar do que cativar.
No entanto, entre o momento mágico em que uma marca desperta o interesse e aquele no qual a pessoa decide converter o estímulo, existe uma fase cheia de idas e vindas, desordenada e individual, que deve ser o novo foco das marcas. É naquela “meiuca” emaranhada que a jornada exige um nível de escuta e criatividade nunca imaginadas. É nessa teia entre a exploração expansiva e a avaliação criteriosa que os consumidores devem ser cativados.
É lá, naquele meião, que marcas-hábitos se tornam marcas-rituais (ritualbrands).
Para ser uma ritualbrand, é necessário estabelecer uma relação com os públicos que transcende a lógica transacional. Uma ritualbrand não se comunica em surtos emocionais (flights e campanhas) nem por meio de programações contextuais (lógicas de conversão de fundo do funil).
Esse esforço vai além da clássica propaganda e trabalha em favor de experiências e conteúdo always-on que devem ser desenvolvidos e mensurados em cinco dimensões: Encantamento: experiências relevantes, constantes e positivas; Ethos: crenças e ideais que dão sentido à relação com os públicos; Tech-infused: tecnologia indispensável para enriquecer produtos, experiências e relações; Transcendência: capacidade de visionar os desejos e as necessidades dos públicos de forma criativa e com coragem; Community: capacidade de construir lealdade e comunidades.
Uma ritualbrand é uma nova forma de pensar as marcas. É uma práxis e um método, criterioso e mensurável, capaz de transformar o marketing no epicentro de criação de valor. Uma ritualbrand não se constrói, se cultiva.
*Crédito da foto no topo: Ajwad Creative/iStock
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