O papel da publicidade na era das bets
Há caminhos para as marcas e suas agências participarem da discussão de forma responsável e construtiva
Há caminhos para as marcas e suas agências participarem da discussão de forma responsável e construtiva
O fenômeno das apostas no Brasil, as famosas Bets, tem crescido exponencialmente, com bilhões de reais movimentados a cada ano, ao mesmo passo que também tem gerado uma preocupante tendência de vício, com consequências socioeconômicas e impacto na saúde mental dos brasileiros.
Dados recentes do Itaú mostram que os brasileiros perderam R$ 23,9 bilhões em apostas em 2023, revelando o impacto direto nas economias familiares, especialmente nas classes mais vulneráveis.
Este cenário, agravado pela baixa educação financeira e pela busca por retorno rápido, levanta questões importantes para marcas que operam ou interagem com o setor de apostas.
Do ponto de vista cultural, os brasileiros têm uma relação complexa com o dinheiro. A proporção de famílias com contas a vencer passou de 78,5% em abril para 78,8% maio de 2023, o terceiro mês seguido de crescimento, segundo Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor (Peic).
Quando se trata de dinheiro, fomos condicionados a pensar mais no curto prazo, do que no planejamento de longo prazo. Somado ao contexto histórico de desigualdade social, dificuldade na mobilidade social no Brasil e altos índices de endividamento, se criou um terreno fértil para o crescimento das apostas e buscas efêmeras para os problemas financeiros.
Outro ponto é que a paixão por esportes, em especial o futebol, aliado ao senso de “domínio” sobre o tema, encoraja muitos a apostarem, acreditando que possuem controle sobre os resultados. Este comportamento, no entanto, é perigoso quando cruzado com a falta de conhecimento sobre riscos financeiros, levando muitos ao vício.
Diante desse cenário, surge a questão de como as marcas podem participar da discussão de forma responsável e construtiva.
Em pouco tempo, o impacto dos jogos de aposta é devastador. Brasileiros estão abrindo mão da graduação para gastar com bets e jogo do tigrinho. Um levantamento realizado pela Educa Insights, a pedido de instituições privadas, mostrou que 35% dos interessados em fazer um curso superior em 2024 não começaram o curso por usar recursos com apostas on-line.
A publicidade desempenha um papel relevante na popularização das bets, utilizando estratégias que podem ser questionáveis do ponto de vista ético. O uso de celebridades e atletas em campanhas publicitárias, por exemplo, cria uma associação ilusória entre apostas e sucesso, normalizando a prática e minimizando seus riscos.
A onipresença da publicidade de bets, inclusive em eventos esportivos e produtos infantis, suscita preocupações sobre a exposição excessiva de públicos vulneráveis, como crianças e adolescentes. O contexto prova que não estamos preparados para o impacto negativo que a publicidade vem causando na sociedade.
A regulamentação das apostas no Brasil ainda está em evolução, e os debates acerca de como as marcas devem se posicionar, de forma ética e transparente, têm aumentado.
Diante desse cenário, a publicidade precisa assumir um papel mais responsável. A transparência na comunicação é fundamental, informando claramente os riscos associados às apostas e combatendo a ideia de que as bets são um caminho fácil para o enriquecimento.
Campanhas de conscientização sobre a ludopatia, que é o vício em jogos de azar, feitas em parceria com especialistas, são essenciais para garantir que o público esteja ciente dos perigos de apostar descontroladamente.
Se por uma lado as apostas prometem retornos rápidos, marcas podem promover produtos e serviços que incentivem o planejamento financeiro de longo prazo. Isso inclui a oferta de opções de investimento acessíveis e programas que ajudem as pessoas a entender as vantagens do planejamento, contrapondo a cultura do “ganho fácil” associada às apostas.
No Brasil, apenas 37% investem em produtos financeiros, sendo que mais da metade das pessoas pertencem a classe A/B, de acordo com dados da Anbima. A caderneta de poupança continua sendo o principal investimento do brasileiro. Em 2023, 25% da população total investia no instrumento.
Investir em pesquisas sobre o comportamento dos apostadores é de extrema importância. Compreender seus hábitos de consumo e preferências permite às marcas criar conteúdos e produtos mais relevantes, que respeitem as sensibilidades do público e ajudem a evitar crises de imagem. Além disso, estudos sobre o vício em apostas podem apoiar o desenvolvimento de melhores políticas públicas para enfrentar o problema.
As marcas podem ser catalisadoras de diálogos construtivos sobre o papel das apostas na sociedade. A atenção está em manter uma comunicação que não atravesse as grandes discussões que podem gerar crises. Para isso, é importante entender qual o olhar sobre o futuro das casas de apostas dentro da sociedade, manter a ética, a transparência e estar dentro das legislações em vigor – que estão em constante mudanças.
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