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Opinião

O velho normal

Vamos voltar a ser simples e focar realmente no que interessa: a entrega


23 de junho de 2020 - 15h11

(Crédito: Moyo Studio/iStock)

As epidemias sempre existiram, desde a Grécia Antiga. Comemoravam o fim delas naquele tempo com orgias, como demonstra a história. O medo da morte sempre fez parte inerente da vida. Vem no pacote, não podendo ser vendido separadamente.

O fato é que voltamos aos primórdios dos tempos. Não há nada de “novo normal”. As pessoas, nesses tempos cíclicos de pandemia e endemia mundial, voltam ao velho normal. Caiu a ficha, finalmente.

Nunca como antes, estamos nos comunicando melhor, carentes de pessoas, de interagir, de sermos sociáveis na sociedade e figurarmos como protagonistas, e não coadjuvantes das nossas próprias vidas na humanidade.

Temos necessidade premente de voltar a falar ao telefone, mandar mensagens, dar conforto a quem precisa, enviar presentes, tratar uns aos outros com atenção e carinho. Nunca tivemos tanto tempo útil e livre. Para aprender, estudar, ver coisas novas, inclusive trabalhar de forma objetiva e produtiva.

Agora sabemos, de fato, que não há sentido algum em ficar três horas ao dia preso no trânsito para se deslocar ao local de trabalho. E ficar olhando para uma tela de computador no local de trabalho sem interagir com o colega ao lado e comer rapidamente no horário do almoço de negócios porque outra reunião se aproxima na agenda tumultuada do dia.

As pessoas voltaram a se falar, enfim. Para fazer e fechar negócios, fazer a roda girar, pagar contas e se divertir também. O ócio criativo de Domenico De Masi virou realidade.

As lives de artistas, celebridades do mundo fashion e corporativo ganharam importância. As pessoas estão abertas e receptivas a ouvir. Não estávamos abertos a isso. Não tínhamos “tempo”.

Shows de artistas na internet nunca atingiram tamanha audiência de milhões de conectados, que só caberiam em dezenas de casas de espetáculos. E voltaram a fazer seus shows intimistas, com a alma à flor da pele, encantando milhões de fãs, mesmo à distância. Tudo parecido com os acústicos da MTV, mas sem qualquer requinte de mega produção, porém, com audiência decuplicada. O natural e normal é o velho e bom normal. Se fossemos materializar a cena presencial e atual das lives, estaríamos em Woodstock, certamente.

Os ânimos acirrados, sobretudo, floresceram. Temos opinião para tudo. Os sábios nada sabem e os outrora ignorantes, sabem de tudo. O Facebook, um livro de caras e opiniões, que o diga.

Voltamos ao livro Admirável Mundo Novo, de Aldous Haxley, de 1932, onde a história se passa em Londres no ano 2540, mas o romance antecipa desenvolvimento em tecnologia reprodutiva, hipnopedia, manipulação psicológica e condicionamento clássico, que se combinam para mudar profundamente a sociedade. As pessoas se polarizaram, a turma pró e a turma contra.

No hospital com Covid-19, somos todos iguais. Sem partido e classe alguma.

As pessoas querem voltar a se socializar: frequentar shoppings, ver vitrine, se distrair, ir a bares, restaurantes, lojas. Parece que voltamos a ser donos do próprio tempo. Quando estabelecimentos estavam abertos, não tínhamos tempo (nem dinheiro) para frequentá-los. Era artigo supérfluo. As pessoas não tinham tempo para assistir televisão. Agora o consumo de TV, notícias, Netflix, TV paga e games voltaram a ser o velho novo normal.

Falamos mais com a família, com amigos, com os clientes, com os concorrentes, participamos ativamente de grupos de discussão, de lives, que dá a noção de que temos mais tempo livre para se comunicar, interagir, falar, se expressar e fazer negócios. O tempo do dia aumentou e as horas demoram a passar.

No campo empresarial, fomos do Super Bowl (pancadaria, correria e adrenalina) para o golfe (lento, pensado, sem contato físico e mais estratégico).

Na televisão, voltamos a ver a vitória dos nossos times e mundial da seleção brasileira conquistados. Mega audiência. Porque é mais relaxante e vitorioso, pois já sabemos o resultado. Melhor saber que vamos vencer do que assistir a uma partida sem importância alguma do Brasileirão que apenas soma pontos na tabela para você se divertir com os cavalinhos do seu time no Fantástico, sem prêmio algum pela vitória.

Migrando para a publicidade, as empresas de serviços, como agências de publicidade, produtoras, estúdios de criação, eram absolutamente incríveis do ponto de vista de criação na essência, campanhas memoráveis e habitavam prédios modestos na General Jardim, Major Sertorio e Baronesa de Itu, no centro de São Paulo, sem ostentar e sem luxo, quando havia a Lei 4.680 que obrigava o pagamento de 20% de honorários.

Antes da pandemia, agências mudaram para prédios e sedes imponentes, caros, sem ter mais a taxa imposta pela lei dos 20% e ganhando muito menos. Claro que no novo normal a conta não fecha mais.

As empresas de serviços podem e devem trabalhar de casa, sem essa ostentação toda de um mundo muito recente. Vamos voltar, nesse caso, a ser simples, e focar realmente no que interessa: a entrega absolutamente ímpar e admirável, não importa o prédio na Faria Lima que ocupamos.

O nosso novo mundo mudou. Para melhor.

Bem-vindo ao Admirável Mundo Velho!

**Crédito da imagem no topo: Bablab/istock

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