Quanto mais, melhor?
A lógica da escassez, tão bem praticada por certas marcas para aumentar sua percepção de valor, deveria ser inspiração aos administradores do futebol brasileiro
A lógica da escassez, tão bem praticada por certas marcas para aumentar sua percepção de valor, deveria ser inspiração aos administradores do futebol brasileiro
“Quanto mais, melhor” parece uma máxima inquestionável. Ainda mais quando o assunto é o consumo. Quem não prefere mais unidades daquele chocolate por pacote, mais mililitros do seu refrigerante favorito por garrafa, maior volume do xampu por embalagem, mais minutos no pré-pago por mês, mais de tudo? É assim que nós marqueteiros educamos os consumidores a pensar por gerações.
Mas se essa verdade é absoluta, como explicar nossa atração pela escassez?
Por que valorizamos tanto o acesso restrito, as edições limitadas, as áreas VIP, os eventos e clubes só para convidados, os pré-lançamentos para escolhidos, e tudo mais que limita o acesso aos bens e experiências?
Uma recente publicação do professor Scott Galloway, da Escola de Administração da Universidade de Nova Iorque, compara o desempenho de duas grandes empresas adotando estas estratégias opostas: Nike e Hermès.
A primeira tem produção industrial, valoriza a distribuição global e disponibiliza seus produtos para a maior quantidade de consumidores possível. A maior empresa de materiais esportivos do mundo fatura US$ 37 bilhões (2022) e tem um valor de mercado de US$ 193 bilhões (um múltiplo de 5.2).
A segunda, tem uma produção artesanal e limita o acesso a seus produtos por país e por cliente. Sua estratégia de vender menos do que pode gera US$ 10 bilhões de receitas anuais (2021), mas a faz ter um valor de mercado de US$ 227 bilhões (múltiplo de quase 23).
Sim, a Hermès fatura quatro vezes menos e vale 17% a mais que a Nike. Assim como outras empresas de produtos de luxo, ela é uma prova de que escassez pode ser uma estratégia muito lucrativa.
O mesmo raciocínio pode ser aplicado ao esporte.
A NFL (futebol americano) é a maior liga dos Estados Unidos e uma das maiores do mundo. Nos últimos dois anos, ela foi responsável por 157 dos 200 programas de maior audiência na TV. Seu faturamento em 2022 foi de US$ 18 bilhões e ela já tem contratos de mídia garantindo receitas de US$ 110 bilhões até 2033.
A escassez tem um papel importante na estratégia da NFL. Em uma temporada, cada time joga no máximo 24 partidas (três em pré-temporada, 17 na temporada regular, três nos play-offs e o Superbowl). Se você é torcedor do Atlanta Falcons, por exemplo, poderá ver seu time jogar em casa dez vezes ao ano. Assistir seu time jogar é algo muito especial e caro.
Depois da NFL, as duas maiores ligas americanas – basquete e beisebol – têm estratégias bem diferentes. O campeão da NBA chega a jogar 102 partidas em uma temporada. Quem leva o World Series – o título nacional do beisebol – pode entrar em campo até 182 vezes. Apesar desta abundância de jogos, seus faturamentos são significativamente menores que os do futebol americano (ambos na casa de US$ 10 bilhões).
A Copa do Mundo da Fifa não é muito diferente. Não existe nada mais exclusivo no futebol mundial. Para a maioria dos países, a classificação é incerta deixando muitos favoritos – como a tetracampeã Itália – de fora com alguma frequência. A metade dos 32 classificados jogará apenas três partidas. Os quatro finalistas, depois de todo esforço, jogarão sete. E quando a festa acaba, sabemos que teremos que esperar quatro anos pela próxima.
As recentes mudanças feitas pela Fifa para a próxima Copa do Mundo em 2026 – aumentando o número de participantes de 32 para 48 – preocupam muitos torcedores. Eles temem que a entrada de mais 16 seleções diminuirá o nível dos jogos. Como o valor do evento é proporcional à dificuldade de participar dele, isso é uma preocupação real.
No futebol brasileiro, ainda acreditamos que precisamos jogar mais para sermos maiores e melhores. Os exemplos acima mostram que isso não é sempre verdade. Quando times jogam com tanta frequência (até 74 vezes em um ano, como o Palmeiras em 2022), cada partida vale menos. O campeonato todo vale menos.
Definir o nível ideal de escassez de produtos, serviços e do futebol é uma tarefa fundamental dos seus administradores para aumentar a percepção de valor. Podemos ser mais Hermès que Nike. Basta querer.
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