SXSW e as longas filas de Austin
Festival trouxe, de um lado, o êxtase da inspiração, mas de outro, não escondeu a crua realidade das ruas
Festival trouxe, de um lado, o êxtase da inspiração, mas de outro, não escondeu a crua realidade das ruas
Ao longo da sua apresentação, Antionette Carroll, presidente e CEO do Creative Reaction Lab/ Institute of Equitable Design & Justice, na sua apresentação “Como o Design Thinking Protege a Supremacia dos Privilegiados”, trouxe duas citações que me marcaram: “Design é o processo pelo qual as políticas de um mundo se tornam as restrições de outro”, de Fred Turner e “Design thinking é apenas os privilegiados dizendo aos que não têm privilégios que sabem o que é melhor para eles”, Timothy Bardlavens.
O SXSW, apesar de todos os seus méritos como um centro de inovação e criatividade, apresenta uma paisagem reducionista para os participantes, que reflete a luta mais ampla da sociedade entre aspiração e realidade. O verdadeiro risco do SXSW não está na celebração da inovação em si, mas sim em permitir que o espetáculo do “entretenimento inspirador” nos distraia das verdades urgentes e desconfortáveis do nosso mundo. O caminho a seguir não é diminuir o valor da inspiração, mas sim garantir que ela esteja acompanhada de reflexão crítica e de um compromisso firme com a ação – transformando a maneira como abordamos não apenas a tecnologia e a inovação, mas também nossa responsabilidade coletiva em direção a um mundo mais equitativo, justo e sustentável.
Naquele sábado de manhã, duas filas se alongavam em Austin desde as 7 horas de uma manhã bem fria. Em ambos os casos eram eventos começando entre 9h30 e 10h00. Enquanto uma fila de pessoas de pessoas sem teto, maltrapilhas e famintas se alongava em frente a uma pequena igreja Batista para receber o café da manhã gratuito, a poucas quadras dali, no Austin Convention Center, uma fila igualmente grande de pessoas mais bem agasalhadas tinha fome de futuro, a ser saciada por uma única pessoa: Amy Webb, a sacerdotisa cartomante do tecno-futurismo.
Amy Webb, nesse universo alegórico, está no epicentro, uma ponte entre o passado místico e o presente digitalizado. Com um baralho na mão, cada sorteio revela não apenas fortunas pessoais, mas também as tendências de uma sociedade fascinada pelo ganho material e pelo domínio tecnológico. Aqui, as práticas cartomânticas de Webb servem tanto como crítica quanto como caricatura da complexa fachada do capitalismo tardio, revelando verdades tão absurdas que só podem ser encaradas com risos nervosos e declarações apaixonadas de FOMO ou nervosas de FUD, um acrônimo para Fear, Uncertainty and Doubt — Medo, Incerteza e Dúvida. Em qualquer língua que se fale, a verdade crua e nua é que estamos todos FUD*dos.
No fervor do festival, onde o conteúdo inspira e deslumbra, nasce uma bifurcação estranha – de um lado, o êxtase da inspiração; do outro, a crua realidade, que rasteja pelas ruas lá fora. Essa rachadura no chão faz com que os pés dos participantes balancem entre um mundo de sonhos e o concreto frio das verdades que nos cercam. Nessa dança entre o ideal e o real, surge o perigo: não é só a manutenção de um sistema que já tem seus reis e rainhas, mas também a gestação de uma plateia que se contenta com o brilho efêmero das mudanças de fachada, enquanto a transformação de verdade, aquela que revira o solo e faz brotar novo mundo, fica esquecida, esperando por mãos dispostas a sujar-se de terra. Os que dançam ao ritmo do festival, embriagados pelo futuro, podem sem querer fechar os olhos para as feridas profundas e persistentes de nosso mundo – lembrando que o Apple Vision Pro aperfeiçoa a visão, mas não desmente o olfato.
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